29 janeiro 2021

Filme do Boney M?

Uma tendência que, depois de décadas de fracassos e embaraços, parece ter sido engavetada: os filmes de pop stars (sejam eles cantores, cantoras ou grupos). Depois que Richard Lester dirigiu Os Reis do Iê-Iê-Iê (A Hard Day’s Night, 1964) e Help! (1965), ambos estrelados pelos Beatles, outros artistas e grupos resolveram embarcar na onda, usando os filmes como veículos de propaganda de sua música. 

Os roteiros eram geralmente risíveis e bem superficiais. O importante era que o filme fosse uma vitrine musical para o cantor, uma espécie de “videoclipe de uma hora e meia”, isso numa época em que o videoclipe nem existia (pelo menos não da forma como o conhecemos hoje). Raramente essas investidas comerciais se saíam bem na fita. 

Os críticos caíam matando, mas os fãs dos astros e estrelas da música pop ou do rock pouco se importavam com as atuações capengas ou os roteiros amadorísticos. O público desses filmes queria apenas ver seus ídolos na tela grande do cinema, em situações engraçadas, de aventura ou suposta intimidade. E, claro, com muita música. Simples assim.

Uns eram mais bem-sucedidos, outros renegados até pelos fãs. Exemplos desse gênero não faltam: Os Monkees Estão de Volta (Head, 1968), ABBA - O Grande Show (ABBA - The Movie, 1977), Kiss contra o Fantasma do Parque (Kiss Meets the Phantom of the Park, 1978), O Sargento Pepper e sua Banda (Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, 1978), Até que Enfim é Sexta-feira (Thank God It’s Friday, 1978), A Febre dos Patins (Skatetown U.S.A, 1979), A Música Não Pode Parar (Can't Stop The Music, 1980), Xanadu (1980), O Mundo das Spice Girls (Spice World, 1997) e muitos, muitos outros. 

No Brasil também tivemos exemplos do gênero, com os filmes de Roberto Carlos nos anos 1960, dirigidos por Roberto Farias. Mas aqui cabe uma ressalva: esses filmes estrelados por Roberto Carlos eram pensados antes, tinham uma história, eram bem dirigidos e bem produzidos, não um amontoado de improvisações. Eram sucesso de bilheteria, tinham público cativo. (Assim como os filmes de Elvis Presley da década de 1960).

Se até o trio infantil As Melindrosas se aventurou no cinema com o inacreditável Vamos Cantar Disco Baby (1979), por que o Boney M. ficaria de fora? E chegamos ao foco deste post: o "filme do Boney M.", uma das incursões mais obscuras nesse gênero: Disco Fever (Disco Fieber, 1979). Dirigido por Hubert Frank e Klaus Überall, o filme foi apenas um pretexto para capitalizar em cima da moda da disco music, mais especificamente do grande sucesso que o grupo Boney M. vinha fazendo desde 1976. Em 1979, quando o filme foi lançado, eles estavam no auge, tanto na Europa quanto na América Latina.

Criado pelo produtor alemão Frank Farian em 1976, o Boney M. foi um dos grandes expoentes da eurodisco. Radicado na Alemanha e composto por Liz Mitchell e Marcia Barrett (da Jamaica), e Bobby Farrell e Maizie Williams (do Caribe), o grupo vendeu 80 milhões de discos e ficou mundialmente conhecido por hits como Daddy Cool, Ma Baker, Sunny, Rasputin, Rivers of Babylon e Gotta Go Home, só para citar alguns.

Disco Fever foi uma (indigesta) salada musical temperada com a febre da época, a discoteca, claro. De quebra, enfiaram outros dois grupos da época, Eruption (que fazia a mesma linha do Boney M., mas durou pouco) e La Bionda (grupo italiano de sucesso passageiro, da época das discotecas), além de artistas alemães desconhecidos, de sucesso local. Como resistir a Eruption, Boney M. e La Bionda? O som contagiante e o visual espalhafatoso e altamente kitsch desses grupos eram combustíveis da disco music. Os hits desses grupos, que bombavam nas pistas de dança mundiais, beiravam o cafona, mas ninguém podia resistir a eles.

Já na abertura vemos o Eruption cantando, antes mesmo de conhecermos os protagonistas. Trata-se de um grupo de alunos desmiolados que se reúne na discoteca Ice Palace — decorada com samambaias brancas artificiais — para se divertir e dançar. Logicamente, de manhã eles não estão com cabeça para se dedicarem às aulas. Em vez disso, ficam fazendo bagunça na escola e falando asneiras. Referências a John Travolta, As Panteras e ícones jovens da época são salpicados ao longo dos 80 minutos de filme.



O "enredo", se é que podemos chamar assim, gira em torno das estripulias desses jovens, quase sempre tentativas desesperadas de seduzirem o sexo oposto. Uma espécie de pornochanchada juvenil, mas cheia de esquisitices europeias. Por exemplo: os alunos jogam futebol de calça jeans e camisa social, ligam som e dançam disco music em sala de aula, sensualizam abertamente, beijam-se na boca, enfim uma zorra. Um deles leva uma arara de estimação (!) para as aulas. O outro flerta com a professora, que parece ter quase a mesma idade deles. (Como acontece nos filmes dessa época, os adolescentes têm aparência de 30 anos). O mais engraçado é que os professores aceitam tudo com indiferença impressionante. 







E quando a trama fica sem fôlego (o que acontece a cada dez minutos), o filme te leva para a discoteca Ice Palace e lança mão de números musicais aleatórios de Boney M. (Hooray! Hooray! It's a Holi-Holiday), La Bionda (One For You, One For Me), Eruption (One Way Ticket) ou do galãzinho canastríssimo Tony Schneider (Please Don't Leave Me). As inserções do La Bionda, por exemplo, lembram episódios do Chapolin, no que diz respeito aos “efeitos especiais”. E antes que eu me esqueça, tem também The Teens, bandinha adolescente alemã (esses sim, adolescentes de verdade) tocando seu hit Funny Money Honey na sala de aula. 

A escolha desses artistas, no entanto, não foi por acaso. Todos eram da gravadora alemã Hansa,  fundada nos anos 1960, em Berlim. (O catálogo da Hansa pertence agora à Sony Music).








Apesar de ter sido divulgado como “o filme do Boney M.”, é muito provável que o grupo nem tenha estado presente durante as filmagens, já que os números musicais não estavam diretamente ligados a nenhum personagem. Algumas vezes a imagem do Boney M. era simplesmente retroprojetada no filme, Do jeito que o grupo estava ocupado naquele ano, é difícil imaginar que fossem perder tempo com um embaraço como Disco Fever




Vale lembrar que, no começo de 1979, o Boney M. ainda colhia os muitos frutos do sucesso de Nightflight to Venus, álbum que haviam lançado no segundo semestre de 1978. Viajavam muito pela Europa, faziam vários shows e se apresentavam em diversos programas musicais na TV. E em março de 1979 lançaram o compacto Hooray! Hooray! It's a Holi-Holiday, que anunciava o álbum que sairia alguns meses depois, Oceans of Fantasy. Na metade de 1979 o grupo também esteve aqui no Brasil para uma temporada promocional, durante a qual gravaram participações no Fantástico e no Globo de Ouro, entre outros programas da Rede Globo.


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