27 novembro 2020

Não Tenha Medo da Escuridão (Don't Be Afraid of the Dark, 1973)

Telefilmesquecidos #27

Alex (Jim Hutton) e Sally Farnham (Kim Darby) acabam de herdar a velha casa da avó de Sally. Embora Alex preferisse morar em um apartamento, acaba concordando com a esposa e se mudando. O lugar é encantador, mas a mansão, muito antiga, está deteriorada e precisa de algumas reformas e retoques. Até aí, tudo bem.

Sally se sente especialmente atraída por um ambiente isolado da casa, que possui uma lareira fechada, monitorada pelo caseiro Harris (William Demarest). A moça cisma de abrir a tal lareira e, sem saber, liberta pequenos e bizarros seres, pouco menores que anões, de feições monstruosas, que passam a coabitar o ambiente. É quando Sally começa a ouvir vozes estranhas, que a chamam, vindas não se sabe de onde. Seria alucinação? Ou a casa escondia, de fato, algo sombrio? O marido, é claro, não acredita em nada daquilo e acha que a esposa está simplesmente tendo ataques neuróticos.


Se a ideia de pequenas e ameaçadoras criaturas espreitando no escuro, atrás de uma porta ou de um canto qualquer da casa, é algo que assusta as crianças até hoje, imagine nos anos 1970! Elas ficavam, realmente, amedrontadas pelo filme.

Naquela época, várias produções feitas para a TV davam medo no telespectador. Talvez porque as restrições do formato televisivo — tanto de recursos a serem utilizados na produção quanto de conteúdo que poderia ser veiculado abertamente — forçassem os diretores a se concentrarem mais na atmosfera e no suspense do que em efeitos especiais realistas e impressionantes. E era justamente essa atmosfera obscura que garantia os sustos, mesmo sem os complexos efeitos especiais de hoje.


Por isso não é de se estranhar que um filme modesto e despretensioso como Não Tenha Medo da Escuridão tenha se tornado cult: embora não seja um grande filme, é assustador e estranho o suficiente para se cristalizar na memória coletiva do público. Uma história de terror simples e efetiva. Mesmo assim, visto hoje, este telefilme provavelmente fique aquém da expectativa do público atual. Segundo Marcelo Milici, do site Boca do Inferno, "o longa faz parte daquelas produções que davam medo na infância e hoje só trazem bocejos."



No ano anterior, o diretor John Newland havia sido responsável por outro telefilme sombrio que marcou época: Um Hóspede Muito Estranho (Crawlspace, 1972). Não Tenha Medo da Escuridão foi um dos filmes mais rápidos já feitos para a televisão. O tempo total de filmagem, incluindo a aprovação do roteiro, elenco, efeitos especiais, narração e tomadas externas foi pouco mais de duas semanas.

Nos EUA, estreou em 10 de outubro de 1973, pelo canal ABC. No Brasil, foi exibido pela primeira vez na Globo, em 2 de novembro de 1975. Os críticos dos jornais brasileiros não demonstraram empolgação na ocasião em que o filme estreou na Globo: "Os comentários de fora aludem ao desperdício de uma ideia inicial curiosa. Quem quiser conferir..." (Jornal do Brasil). Ou ainda: "Boa premissa na história, arruinada por um argumento indiferente", disse um crítico americano. (Folha de S. Paulo)

Nos anos 1980, foi lançado pela Herbert Richers em VHS aqui no Brasil, com o título Criaturas da Noite


Em 2010, foi feito um remake australiano para o cinema. O telefilme original serviu de inspiração para o diretor e roteirista Guillermo del Toro, conhecido pelo gênero do fantástico. Del Toro havia adquirido os direitos sobre o texto original no começo dos anos 1990 e levou quase duas décadas para adaptar o roteiro. Mas não assumiu a direção, que ficou a cargo de Troy Nixey. Estrelado por Katie Holmes e Guy Pearce, o longa estreou nos cinemas em 2012.

20 novembro 2020

Cama Ardente (The Burning Bed, 1984)

Telefilmesquecidos #26

Baseado na história verídica de Francine Hughes — acusada de assassinar o marido em 9 de março de 1977, em Dansville, Michigan — este corajoso e elogiado telefilme apresenta um olhar sombrio e ousado sobre a violência doméstica e suas consequências.

Acompanhamos a narrativa de Francine, que começa em sua adolescência e detalha seu namoro e subsequente casamento com Mickey Hughes, passando pela deterioração de seu relacionamento, os anos de abusos, violência e espancamento impostos pelo marido, até o assassinato e o julgamento que se seguiu.

Farrah Fawcett como Francine
Farrah Fawcett e Paul LeMat

O caso criou um precedente legal de como outros casos de violência doméstica deveriam ser tratados no futuro. Marcou também o começo de uma lenta e gradual mudança de pensamento e atitude em relação à negligência da sociedade e da justiça no que dizia respeito à violência doméstica sofrida pelas mulheres. 

O filme baseou-se no livro homônimo de não-ficção, The Burning Bed, de Faith McNulty, lançado em 1980, sobre Francine Hughes, a dona de casa maltratada e constantemente espancada, que um dia não aguentou mais e pôs fogo na cama em que o marido dormia. A adaptação para a TV foi escrita por Rose Leiman Goldemberg. A trama segue o julgamento de Francine pelo assassinato de Mickey, ato que cometeu depois de treze anos de violência doméstica constante.

A protagonista aqui é Farrah Fawcett, e ela carrega o filme inteiro nos ombros, durante toda a jornada de sofrimento e abuso sofrida pela personagem. Mesmo se tratando de um filme feito para a TV, a abordagem adotada é admiravelmente realista e o desempenho de Farrah muito autêntico. É possível perceber o amor intenso que ela tem pelos filhos e até pelo marido abusivo, mas também a dor profunda e a necessidade desesperada de escapar daquele tipo de vida.

Conforme o filme avança, a atuação de Farrah também deixa claro que as experiências vividas pela personagem a modificaram em muitos níveis, o que não é tarefa fácil para uma atriz. Em nenhum momento ela cai no dramalhão ou nas interpretações exageradas ou estereotipadas.


O resto do elenco também é forte, com destaque para Paul LeMat no papel do marido abusivo, Grace Zabriskie (a mãe de Laura Palmer em Twin Peaks) como sua mãe, e Richard Masur como o promotor do caso. Mas quem comanda o show é mesmo Farrah. 

Grace Zabriskie

Por mais que filmes para televisão sejam comumente considerados "peças menores" de cinema, Cama Ardente é um exemplo de que essa suposição é um tanto quanto rançosa. O crítico de televisão Matt Zoller Seitz, em seu livro  TV (The Book), de 2016, co-escrito com Alan Sepinwall, nomeou Cama Ardente como o 7º maior filme de TV americano de todos os tempos: "Foi um marco em termos de conteúdo, retratando a violência doméstica como um horror inegável e uma violação dos direitos humanos". Seitz também elogiou o desempenho de Fawcett como "um dos melhores da história dos filmes de TV".

Farrah foi indicada ao Emmy e ao Globo de Ouro de Melhor Atriz. Paul Le Mat levou o Golden Globe de Melhor Ator Coadjuvante e o filme recebeu várias indicações ao Emmy e a diversos outros prêmios.

A verdadeira Francine Hughes refez sua vida e se casou com Robert Wilson em 1980, tornando-se Francine Hughes Wilson. O segundo marido faleceu em 2015. Francine morreu em 2017, aos 59 anos, no Alabama. 



Dirigido por Robert Greenwald (o mesmo de Xanadu), Cama Ardente estreou na TV americana em 8 de outubro de 1984, pela NBC. Alcançou a 4ª maior audiência em telefilmes nos EUA até então, com 36,2 pontos. No Brasil, foi ao ar pela primeira vez em 7 de outubro de 1988, no SBT. Como era tradição na emissora de Silvio Santos, o locutor carregou no sensacionalismo do anúncio: "O SBT tem o orgulho de apresentar um filme importante e polêmico, feito para a nossa época. Cama Ardente, com Farrah Fawcett, no papel mais importante de sua carreira".


Lançado em VHS no Brasil pela California Home Video.

13 novembro 2020

Lágrimas para os Estranhos (Cry for the Strangers, 1982)

Telefilmesquecidos #25

O psiquiatra Brad Russell (Patrick Duffy) e sua esposa Elaine (Cindy Pickett) se mudam para uma pequena cidade costeira e descobrem que algo está matando pessoas. Essas mortes, aparentemente sem conexão entre si, acontecem em noites escuras de tempestade. Mas o alvo é sempre direcionado aos recém-chegados à cidadezinha.

Após poucos dias morando na tal lugarejo, Brad encontra seu ex-paciente, o menino Robby (Shawn Carson), cuja família havia se mudado para o local há algum tempo. O garoto parece ter uma ligação com o mundo do sobrenatural e pode ser a chave para as mortes misteriosas envolvendo as pessoas de fora.

Shawn Carson

As sequências com nuvens carregadas, raios e trovoadas, no começo do filme, prometem uma atmosfera sombria. Mas tornam-se repetitivas ao longo do filme, que vai caindo na mesmice. Junte-se a isso fantasmas indígenas, melodrama não convincente, falta de sutileza e uma série de clichês. Nem o galã Patrick Duffy — na época, no auge do sucesso como o Bobby da novela Dallas — conseguiu salvar o filme.

Patrick Duffy e Cindy Pickett

Patrick Duffy

Robin Ignico, a garotinha que interpreta a irmã de Robby, também estava no elenco de outro telefilme que havia estreado na TV americana na noite anterior: Não Adormeça (Don't Go to Sleep).

Robin Ignico

O diretor, Peter Medak — responsável pelo ótimo A Troca (The Changeling, 1979) — não foi muito feliz com a direção de Lágrimas para os Estranhos. O mistério, que tanto prometia, é todo solucionado nos cinco minutos finais do longa, de forma apressada.

O filme foi inspirado no livro homônimo de John Saul, autor americano de romances de suspense e terror, uma espécie de Stephen King de menor alcance. Apesar do sucesso de seus livros (a maioria apareceu na lista de mais vendidos do New York Times), Saul permanece desconhecido fora dos Estados Unidos. O livro Cry for the Strangers (1979), no qual o telefilme se inspirou, foi publicado no Brasil pela editora Record, com o título Chorai Pelos Estranhos. Ideias um tanto quanto complexas para serem condensadas em um telefilme, mas que funcionam muito bem no livro de Saul e garantem o clima de mistério (ao contrário do filme).

Nos EUA, estreou em 11 de dezembro de 1982, pela CBS, na clássica sessão CBS Saturday Night Movie. Aqui no no Brasil, ganhou a primeira exibição em 13 de outubro de 1984, na Globo.

06 novembro 2020

Problemas Suburbanos (The Grass Is Always Greener Over the Septic Tank, 1978)

Telefilmesquecidos #24

Depois de sofrer um assalto, o casal Dorothy (Carol Burnett) e Jim Benson (Charles Grodin) decide tirar sua família da cidade grande e experimentar a vida longe da agitação dos grandes centros. Mudam-se, então, de mala e cuia para um pacato e arejado subúrbio. O filme é basicamente isso, recheado, é claro, com o drama familiar típico da classe média americana, mas pelo viés do humor. 

Burnett e Grodin estão muito bem como o casal de Nova York em ascensão, que se muda com os dois filhos adolescentes para o subúrbio. O que se segue são desastres domésticos, problemas de deslocamento, pequenas intrigas e fofocas de vizinhança. Grodin, como sempre, é o amável, ocupado e levemente neurótico marido — papel parecido com o que interpretou depois em A Incrível Mulher que Encolheu (The Incredible Shrinking Woman, 1981). Mas o filme é mesmo de Carol Burnett, que, sempre acima da média, eleva o material às vezes irregular e compensa o filme. Ela é uma dona de casa que busca realizar seus sonhos íntimos, como aprimorar os estudos, escrever profissionalmente, publicar um romance, enfim, reservar uma parte de seu dia para si própria, o que parece impossível, dada a quantidade de tarefas diárias que ela precisa executar como esposa e mãe.


Charles Grodin e Carol Burnett

Aos que, porventura, não saibam: "subúrbio", neste caso, tem uma ideia bem diferente da que conhecemos no Brasil. Nos Estados Unidos, essa palavra define uma área de classe média, bem organizada e planejada, mais ou menos como se fosse um “condomínio gigante de classe média”. Não tem nada a ver com o conceito de subúrbio que temos aqui no Brasil (lugar geralmente pobre, depreciado e decadente). Trata-se dos arredores da cidade, com casas boas, confortáveis, longe do comércio e do burburinho da metrópole.

O filme é baseado nos textos da colunista e humorista Erma Bombeck, mais especificamente em seu bem-sucedido livro A Grama Sempre Cresce Mais Verde em Cima da Fossa (1976), publicado pela McGraw-Hill. No Brasil, foi publicado pela editora Record. Um retrato fiel da vida suburbana norte-americana dos anos 1970. O título original do telefilme (simplificado, no Brasil, para Problemas Suburbanos) é um trocadilho com um ditado muito comum: "Grass is greener on the other side", que, em uma tradução livre, seria algo como "a grama do vizinho é sempre mais verde". Uma referência à nossa eterna tendência a achar a vida dos outros melhor ou mais atraente que a nossa. O título original, "Grass is greener over the septic tank" ("a grama é mais verde sobre a fossa séptica") brinca com essa ideia, sugerindo que, se você pensa que a vida do outro parece maravilhosa ou ideal, então tem alguma coisa podre ali debaixo daquela fachada de aparente perfeição. A grama pode ser verde e linda, mas sob ela está a caixa de esgoto, não se esqueçam.


Carol Burnett

Apesar de não muito conhecida aqui no Brasil, Erma Bombeck (1927-1996) alcançou grande popularidade nos EUA, por sua coluna de humor em jornais, de 1965 a 1996, descrevendo a vida doméstica suburbana dos norte-americanos. Também publicou 15 livros, a maioria best-sellers.

Estreia de Eric Stoltz, que viveria, alguns anos depois, filho de Cher em Marcas do Destino (Mask, 1982). O ator também é conhecido por filmes como Picardias Estudantis (Fast Times at Ridgemont High, 1982), Alguém Muito Especial (Some Kind of Wonderful, 1987) e Pulp Fiction: Tempo de Violência (Pulp Fiction, 1994), entre outros. 

Eric Stoltz

Linda Gray faz uma rápida participação como Leslie, vizinha do casal Benson. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Linda era a Sue Ellen da novela Dallas (1978-1991), que havia estreado naquele mesmo ano, mas já era um grande sucesso.


Problemas Suburbanos
estreou nos EUA em 25 de outubro de 1978, pela CBS. Na TV brasileira, foi exibido pela primeira vez em 16 de outubro de 1982, na Globo.


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Obrigado ao amigo Lufe Steffen pela indicação do filme! :-)