É
cada vez mais comum ouvir reclamações sobre as novelas de hoje. As tramas não
emplacam tão facilmente como acontecia antes e o público não se prende tanto. Furos
e desacertos ficam mais visíveis aos olhos dos ávidos patrulheiros da internet.
Fala-se
em “desgaste do gênero” e até mesmo em “reinvenção”. Parece uma contradição
quando citamos um fenômeno recente como Avenida
Brasil. Outros dizem que “até quando é ruim, a novela é boa”, se referindo
ao hábito de o brasileiro assistir novela mesmo quando ela não está lá essas
coisas. Talvez os autores de hoje tenham mais dificuldade em criar histórias
que prendam o telespectador, já que as novelas atuais concorrem com outros entretenimentos
da vida moderna, como internet e TV por assinatura.
Mas
lá nos anos 80, quando a maioria das novelas caía no gosto do público, autores
e atores conquistavam o povo com inegável carisma. Tramas e modismos eram
celebrados e marcavam época, mas nem todas as novelas daquela década seguiram
um destino de sucesso. Em meio a tantas bem sucedidas, algumas nem chegaram a
ser reprisadas no Vale a Pena Ver de Novo.
Permanecem desbotadas lá no fundo do baú, esquecidas na década de 1980. Alguns
nomes ainda estão vivos na memória, outros não passam de vaga lembrança.
Escolhi
oito dessas novelas “obscuras” da década de 1980. Por um motivo ou outro (ou
vários), não emplacaram. Quem sabe hoje, se revistas, não pudessem ter uma
segunda chance?
1. O Amor é Nosso! (1981)
De
Roberto Freire e Wilson Aguiar Filho
Pedro
(Fábio Junior) é um jovem cantor em busca de sucesso. Quando descobre que o
irmão se envolveu com sua namorada, sai da casa de seus pais e vai viver em uma
comunidade de estudantes. Lá, conhece Bruno (Buza Ferraz), com quem inicia uma
parceria profissional. Nina (Myrian Rios), irmã de Bruno, se apaixona por
Pedro, mas fica dividida entre ele e Chico (Stepan Nercessian), um seminarista.
Considerada
“a mais problemática trama já exibida pela emissora”, segundo reportagem deThell de Castro para o UOL. Tanto que, na época, a cúpula da Globo mandou
apagar todos os capítulos. Os
autores Roberto Freire e Wilson Aguiar Filho foram posteriormente foram
substituídos por Walther Negrão. Um dia após a exibição do último capítulo da
novela, o crítico Artur da Távola explicou, no jornal O Globo de 25 de outubro
de 1981:
“Muito
difícil fazer um balanço crítico de O
Amor É Nosso. Diante de tantas alterações, impossível analisar a obra. Não
há obra. A novela acabou descosida, diferente, desossada, embora de certa forma
divertida. Mas morrerá sem deixar saudades”. E completou: “A novela ficará como
essas pessoas que morrem jovens: partem cheias de promessas e esperanças do que
poderiam ter sido, se tivessem vindo a ser”.
2. Brilhante (1981-82)
De
Gilberto Braga
O
comércio de joias e pedras preciosas, e o mistério sobre uma jazida de esmeraldas
são o fio-condutor da trama. Luiza (Vera Fischer), designer de joias, reencontra
uma antiga amiga, Vera (Aracy Balabanian), passeando em Londres. Acaba
testemunhando a morte do marido dela, Oswaldo (José Wilker). De volta ao
Brasil, Luiza se surpreende ao ver o mesmo homem vivo, mas com outra identidade.
Na
mesma altura, Luiza entra em contato com a família Newman, donos da empresa de
fabricação e venda de joias onde ela trabalha. A matriarca da família, vivida
por Fernanda Montenegro, se encanta com a jovem e vê a chance de casá-la com
seu filho Inácio (Dênis Carvalho), um homossexual. Mas Luiza acaba se
apaixonando por Paulo César (Tarcísio Meira), genro de Chica.
“Plágios
de cultura literária e cinematográfica americana comprometeram a história, e um
cansativo discurso sobre casais em crise acentuou os desníveis”, explica Nilson
Xavier, autor do Almanaque da Telenovela Brasileira, em seu site Teledramaturgia.
Resultado: a novela não conseguiu cativar o telespectador.
3. O Homem Proibido (1982)
De
Teixeira Filho
Baseada
no romance homônimo que Nelson Rodrigues escreveu sob o pseudônimo de Susana
Flag (originalmente publicado no jornal Última Hora, em 1951). A trama
principal da novela acompanha o triângulo amoroso formado por Sônia (Elizabeth
Savalla), Paulo (David Cardoso) e Joyce (Lídia Brondi). Joyce, sete anos mais
jovem que a prima Sônia, foi criada pelos tios após a morte da mãe e o
desaparecimento do pai.
A
novela sofreu várias intervenções da Censura, que considerava Nelson Rodrigues
um autor pouco adequado para os padrões “da moral e dos bons costumes”, ainda
mais no horário das 18h. Para que os primeiros capítulos fossem ao ar, a Globo
teve que aceitar a imposição de muitos cortes. Uma das alegações era a de que
os diálogos entre Joyce e Sônia indicavam que as duas jovens eram homossexuais.
Além disso, argumentavam que o elenco da novela era composto por atores do
chamado “circuito maldito da pornografia”, como David Cardoso e Alba Valéria.
A
repercussão da ação da Censura acabou funcionando como publicidade – claro! – e
atraiu os telespectadores que ainda não haviam se interessado pela novela. Mas O Homem Proibido não passava de um dramalhão
banal e não trazia nada além do permitido no horário. Uma curiosidade: foi a
primeira novela das 18h a ter trilha sonora internacional, coisa que, até
então, só as novelas das 19, 20 e 22 horas ganhavam.
4. Voltei pra Você (1983-84)
De
Benedito Ruy Barbosa
O
título provisório foi O Herdeiro, posteriormente
alterado. O autor trouxe de volta seis personagens de sua novela Meu Pedacinho de Chão, apresentada em
1971 pela Globo e pela TV Cultura (e que também ganhou um remake em 2014). Serelepe e Pituca (já adultos), Zelão, Tuim, Coronel
Epaminondas e Padre Santo voltavam numa nova trama.
Gravada
quase inteiramente em São João Del Rei (MG), a história começa com o reencontro
dos amigos de infância Pedro das Antas/Serelepe (Paulo Castelli), filho de pais
falecidos, e Liliane/Pituca (Cristina Mullins), filha do coronel Epaminondas
Napoleão (Castro Gonzaga).
Depois
de dez anos estudando em Belo Horizonte, o rapaz volta à cidade natal e
descobre que as terras do coronel, na verdade, haviam sido tomadas de sua
família. A partir daí, começa um dilema: o rapaz precisa reaver o que é seu de
direito, mas, ao mesmo tempo, apaixona-se pela filha do fazendeiro. Mas a ideia
inicial acabou se perdendo e a novela ficou muito aquém dos sucessos anteriores
que Benedito Ruy Barbosa havia obtido no horário das seis (com Cabocla e Paraíso).
5. Partido Alto (1984)
De
Aguinaldo Silva e Glória Perez
Isadora
(Elizabeth Savalla) é filha do rico industrial Amoedo (Rubens Corrêa). Depois
de um casamento problemático com o mau-caráter Sérgio (Herson Capri), ela se
envolve com o professor Maurício (Cláudio Marzo), que é assediado por Celina
(Glória Pires), a jovem filha do bicheiro Célio Cruz (Raul Cortez), envolvido
com um roubo de joias.
Partido Alto marcou a estreia de Aguinaldo Silva e Glória Perez
como autores titulares de novelas. A história abordava um tema polêmico: o
poder cada vez maior do jogo do bicho na vida carioca, representado na trama
pela figura do bicheiro Célio Cruz. Por causa disso, a novela sofreu inúmeras
interferências da Censura, o que prejudicou a história de vários personagens.
Como
se não bastasse, depois de vários problemas entre os dois autores, Aguinaldo
Silva resolveu deixar a novela e Glória Perez passou a conduzir Partido Alto sozinha até o final. Mas a história,
que pecava pelo excesso de tramas e pelas soluções pobres, já havia naufragado.
6. Um Sonho a Mais (1985)
De
Daniel Más
Com
argumento de Lauro César Muniz e Daniel Más, baseado na peça teatral Volpone, de Ben Johnson, foi escrita
inicialmente por Daniel Más com supervisão de Muniz. Por causa da baixa
audiência, Daniel foi afastado da novela (no capítulo 37), que passou a ser
escrita por Lauro César Muniz, com colaboração de Mário Prata e Dagomir
Marquezi.
Na
década de 1960, Antônio Carlos Volpone (Ney Latorraca) é acusado de matar o pai
de sua noiva Stella (Silvia Bandeira). Para fugir da acusação, Volpone foge do
país com seu amigo Mosca (Marco Nanini), faz fortuna e passa a viver no Egito.
Stella casa-se com Orlando Aranha (Fúlvio Stefanini), rival de Volpone. Vinte
anos depois, Volpone vê Stella passeando pelo Cairo, percebe que continua a
amando e decide voltar ao Brasil.
Para
não ser preso, anuncia que está com uma grave doença e por isso vive preso numa
redoma de plástico. Mas enquanto um ator fica dentro da bolha de plástico,
simulando ser Volpone, o verdadeiro circula disfarçado entre seus antigos
amigos e inimigos, investigando quem é o verdadeiro assassino e tentando se
aproximar de Stella. Entre os vários disfarces que assumidos por Volpone, o da
secretária Anabela Freire foi o maior destaque da novela.
O
ritmo agitado e a trama nonsense assustaram o grande público e a queda na
audiência foi inevitável. O elenco mal escalado e a trama inicial sem
credibilidade também não ajudaram. A novela só é lembrada até hoje graças à charmosa
solteirona vivida por Latorraca. O sucesso foi tanto que surgiram sua irmã
Florisbela (Marco Nanini) e a prima Clarabela (Antônio Pedro), que não estavam
no argumento inicial. Mas a parte mais conservadora do público achou ousado e exigiu
que a Censura retirasse os travestis da novela. A Globo só conseguiu manter
Anabela, pois ela estava na sinopse aprovada pela Censura.
7. De Quina Pra Lua (1985-86)
De
Alcides Nogueira
Com
argumento de Benedito Ruy Barbosa, a história começa quando Zezão (Milton
Moraes) morre atropelado, após ganhar uma fortuna na Loteria. O cartão premiado
acaba sendo enterrado com ele, para desespero da família. Angelina (Eva Wilma),
mulher de Zezão, e os quatro filhos procuram em todos os lugares possíveis, até
que a viúva tem uma visão em que o marido lhe diz ter sido enterrado com o cartão,
que está no bolso de seu paletó.
Angelina
decide então desenterrar o corpo de Zezão. Quando abrem o caixão, descobrem que
o cadáver está apenas de cuecas e deduzem que o bilhete foi roubado. Começa
então aí a trama principal da novela: a busca pelo cartão desaparecido. O
professor Dante Cagliosto (Agildo Ribeiro), grande amigo de Zezão, decide
ajudar a família de seu grande amigo e passa a coordenar a procura pelo cartão
premiado.
Entrechos
potencialmente interessantes ficaram perdidos na trama e a novela foi uma
grande decepção. No auge da confusão, Walter Negrão foi escalado para tentar
salvar o que ainda havia para ser salvo, mas já era tarde. “É uma novela fraca.
Foi minha primeira experiência como autor-titular, mas não gosto do resultado”,
comentou Alcides Nogueira em entrevista a José Vitor Rack, anos depois. “A sinopse
original era do Benedito Ruy Barbosa. Provavelmente ele teria conduzido a trama
de maneira diferente da minha, já que nossos universos são bem distintos. Hoje
vejo que ainda não estava pronto para assumir uma novela”. (Fonte: Site Teledramaturgia)
8. Hipertensão (1986-87)
De
Ivani Ribeiro
A
espinha dorsal da novela Nossa Filha
Gabriela (exibida pela Tupi em 1971), também de Ivani Ribeiro, foi o ponto
de partida. A autora fez ajustes, incluiu novas tramas e reciclou a história.
Carina
(Maria Zilda), estrela da companhia de teatro mambembe de Sandro Galhardi (Cláudio
Cavalcanti), conhece três simpáticos velhinhos: Candinho (Paulo Gracindo),
Romeu (Ary Fontoura) e Napoleão (Cláudio Corrêa e Castro). O que ela não sabe é
que um deles é seu pai. No passado, os velhinhos haviam se casado com trigêmeas
e uma delas era a mãe de Carina. O mistério dura até o final da trama. Enquanto
isso, a jovem Luzia (Cláudia Abreu) é assassinada e entre os suspeitos está Ray
(Taumaturgo Ferreira), filho da poderosa Donana (Geórgia Gomide), que faz de
tudo para inocentá-lo.
A
novela não foi propriamente um fiasco, mas também não fez o sucesso da
anterior, Cambalacho, e nem da
posterior, Brega & Chique. Fafy
Siqueira marcou época como a personagem Fifi Fofoqueira, sempre na janela,
tomando conta da vida alheia. Cláudio Corrêa e Castro fez o mesmo papel da
versão anterior.