26 julho 2024

A História de Maya Angelou (I Know Why the Caged Bird Sings, 1979)

Telefilmesquecidos #74

Como o próprio título em português diz, este telefilme conta a história da escritora negra Maya Angelou, interpretada por Constance Good. Com base na autobiografia de Maya, publicada em 1969, o drama acompanha sua jornada na infância, na década de 1930 — quando seus pais se separam e ela e o irmão foram morar com a avó paterna.


A avó (Esther Rolle), afetuosa, busca criar os netos com orgulho e dignidade. Maya, por sua vez, vai aprendendo sobre a vida e sua condição de menina negra e pobre, em uma época de intensa segregação racial dos EUA. Mas Maya não ia se curvar diante das adversidades e injustiças que a cercavam.



Esther Rolle

A menina desenvolve precocemente uma maturidade que a permite ter consciência das tantas coisas pelas quais passava, como o divórcio dos pais, a aventura de aprender a ler, o conforto do amor familiar, o trauma da violência sexual que ela sofreu e o desenvolvimento de uma autoconfiança apoiada no orgulho de sua raça.


Ao longo de sua história, três pessoas, em especial, contribuíram muito para sua formação: Baxter, sua outra avó (Ruby Dee); o leal irmão Bailey Jr. (John M. Driver II), a quem Maya idolatrava, e a sensível professora Miss Flowers (Madge Sinclair), que sempre encorajava seus alunos "pássaros engaiolados a cantar".

Madge Sinclair


John M. Driver II

Aliás, daí vem o nome original do livro e do telefilme: I Know Why the Caged Bird Sings. Mesmo que a autobiografia seja de 1969 e o telefilme de 1979, Maya demorou a ficar conhecida no Brasil. Só recentemente é que seu nome ganhou popularidade nas redes sociais e teve destaque entre a nova geração de ativistas.

Constance Good

Ruby Dee

A última edição brasileira de Eu Sei Por que o Pássaro Canta na Gaiola havia sido publicada pela Editora José Olympio, em 1996. Só em 2018, quando a Astral Cultural TAG publicou uma nova edição, é que o livro se popularizou por aqui. Maya é mundialmente reconhecida não apenas como escritora e artista, mas também como ativista e referência do movimento negro norte-americano.


A direção do telefilme foi de Fielder Cook, que dirigiu, entre outros, Venha Passar o Natal Conosco, Papai (The Homecoming: A Christmas Story, 1971), Quando Dezembro Chegar (Family Reunion, 1981) e Por que Eu? (Why Me?, 1984). A crítica americana elogiou a delicada e sensível evocação das memórias da escritora pelo cineasta.


Diahann Carroll


O que falta em “glamour” a este telefilme é compensado pela riqueza do conteúdo, ainda que de forma compactada. A própria Maya Angelou adaptou seu livro e cuidou do roteiro para o telefilme, o que certamente fez muita diferença.



A estreia na TV americana foi em 28 de abril de 1979, na CBS. Mas demorou a chegar à TV brasileira: a estreia aqui foi em 20 de setembro de 1990, na Globo.

16 julho 2024

Doce Refém (Sweet Hostage, 1975)

Telefilmesquecidos #73

Leonard Hatch (Martin Sheen) foge de uma instituição para doentes mentais e sequestra Doris Withers (Linda Blair), adolescente que mora em um rancho do interior com seus pais. 


Mas Leonard é um louco atípico ou, digamos, bastante excêntrico. E acaba exercendo sobre Doris uma influência mais positiva, por assim dizer, do que a própria família da garota, respeitando seus limites (para os padrões da década de 1970, claro). Os dois passam a viver em uma cabana isolada no meio do mato.



Ele ensina à jovem uma série de coisas sobre arte, literatura, sentimentos e outras questões existenciais. Aos poucos, ela vai se afeiçoando a ele e os dois desenvolvem uma relação de cumplicidade. Ela não precisa mais ficar presa nem amarrada.


A intenção de Leonard, no entanto, não tem nada a ver (diretamente) com relações sexuais. O que ele pretende é colocar em prática seu desejo de viver em um mundo de fantasia com uma garota que o compreenda e que queira fazer parte desse seu mundo singular. De qualquer forma, um filme sobre um homem de trinta e poucos anos que sequestra uma adolescente seria inconcebível hoje. Ainda mais com a menina tendo uma espécie de síndrome de Estocolmo. Mas o fato é que a história convence.



Os dois acabam apaixonados e vivem em um mundo fantasioso, no qual só existem eles dois, isolados na cabana e vivendo de modo rústico e poético. Mas a cidadezinha está se mexendo para descobrir o paradeiro de Doris. Será que pegarão o casal? Os pais de Doris e os policiais vão deixá-los viver aquele idílio? 


Este drama peculiar feito para a TV marcou época e mistura diálogos e referências rebuscadas com uma dose de sensacionalismo. O elenco é encabeçado pela improvável (mas convincente) dupla Martin Sheen, então com 35 anos, e Linda Blair, com 16 anos e na transição da adolescência para a idade adulta.



A personagem de Linda Blair é uma menina simples do campo, pouco instruída, mas muito esperta e ansiosa para aprender mais sobre o mundo. Não por acaso, é cativada pelo personagem de Martin Sheen e passa a observá-lo com um misto de fascínio e dúvida. Ele, por sua vez, instrui sua “doce refém” com regras gramaticais, leituras de poesia e elogios românticos.

Sheen era ótimo em papéis de caras loucos ou fora da lei e Linda Blair tinha aquela mistura de vulnerabilidade e rebeldia que funcionava bem. Sheen havia feito recentemente o ótimo Terra de Ninguém (Badlands, 1973) e faria depois A Menina do Outro Lado da Rua (Little Girl Who Lives Down the Lane, 1976). Linda havia acabado de estrelar dois telefilmes de grande repercussão: Inocência Ultrajada (Born Innocent, 1974) e Drama de Uma Adolescente (Sarah T. - Portrait of a Teenage Alcoholic, 1975).


Baseado em um romance de Nathaniel Benchley, Welcome to Xanadu, o filme se alterna entre um thriller padrão e uma história de amor (?) pouco convencional. Curiosidade: Nathaniel era pai de Peter Benchley, que na época estreava também como escritor com Tubarão (Jaws), fenômeno literário transposto com sucesso para as telas do cinema, em 1975, por Steven Spielberg.

A direção do veterano Lee Phillips é vibrante, embora a produção não tenha muito como fugir de sua natureza modesta de filme para a TV. Phillips — de Maldição Fatal (The Spell, 1977) — dirigiu vários telefilmes e seriados clássicos da TV americana entre os anos 1960 e 1980.

O filme sofreu algumas críticas por “romantizar” a síndrome de Estocolmo e o sequestro de uma adolescente. Outros argumentaram que o "sequestro" foi uma “salvação” para a personagem de Linda Blair. Doris estaria melhor com o personagem de Martin Sheen do que com seus pais. Apesar de tê-la sequestrado, Leonard fez um esforço para educá-la, orientá-la e ouvi-la, ao contrário de seus pais abrutalhados e amargos, que a sobrecarregavam com o trabalho do rancho.

Estreou na TV americana em 10 de outubro de 1975, na ABC. Posteriormente, foi exibido também nos cinemas em alguns países, inclusive aqui no Brasil, onde estreou em 1979 com o nome de Doce Sequestro.

Mas demorou a chegar à TV brasileira: só em 21 de maio de 1989, quando foi exibido pela primeira vez na Bandeirantes.

No dia da estreia, a coluna de filmes na TV do Jornal do Brasil incluiu em sua sinopse: “Linda Blair — que esta semana já foi vista possuída pelo demo e envolvida com uma bruxa — se vê às voltas com mais uma encrenca. O filme é falado demais, mas a interpretação do subestimado Martin Sheen vale uma olhada.”

O Exorcista havia sido exibido poucos dias antes, em 17 de maio, no SBT, assim como Verão do Medo também havia sido exibido, em 18 de maio, na Globo. Uma coincidência (?) notável: três filmes estrelados por Linda Blair e inéditos na TV brasileira, todos exibidos pela primeira vez naquela semana.

Em 1999, Linda Blair disse à revista Femme Fatales que este era seu filme favorito.

Em 2011 o filme ganhou edição em DVD nos EUA, da Warner Home Video.

06 julho 2024

Gia: Fama e Destruição (Gia, 1998)

Telefilmesquecidos #72

Drama biográfico sobre a vida de uma das primeiras supermodelos. Retrata a personalidade rebelde, compulsiva e impulsiva de Gia Carangi. Sua tendência autodestrutiva prejudicou sua carreira, principalmente seu vício em heroína, que resultou em seu declínio profissional e à morte precoce por Aids, aos 26 anos, em meados da década de 1980. 

Gia alcançou a fama como supermodelo no final dos anos 1970 e estampou a capa da Vogue e de várias outras revistas prestigiadas. Embora esquecida hoje em dia, permanece como um ícone da moda.



A produção, da HBO, vai além dos estigmas negativos que marcavam os telefilmes nos anos 1990. Vale lembrar que, no final daquela década, as produções para a TV a cabo estavam se sofisticando e ganhando novo status. Os filmes para a TV estavam se distanciando das narrativas simplistas ou sensacionalistas e ganhando ares mais sérios.

O elenco é de primeira. A interpretação elogiada de Angelina Jolie no papel-título é irrepreensível. A amante lésbica de Gia, interpretada por Elizabeth Mitchell, também se saiu muito bem. 



Faye Dunaway vive Wilhelmina Cooper, mentora de Gia. A atriz tinha 56 anos e sua personagem, na vida real, havia morrido aos 40.


Mercedes Ruehl, na pele da mãe de Gia, também contribuiu muito para o sucesso do elenco acertado. Mila Kunis, ainda adolescente e desconhecida, interpreta Gia na infância.



Gia: Fama e Destruição foi a ponte para que Angelina Jolie passasse oficialmente de atriz promissora à integrante do primeiro escalão de Hollywood.

Como explica o crítico de cinema Conrado Heoli, no site Papo de Cinema: "Jolie extrapola as nuances e o magnetismo da modelo bissexual e viciada em drogas num papel que flertava com sua própria vida tumultuada como celebridade em início de carreira, num desempenho elogiável que lhe rendeu o Globo de Ouro e o SAG Awards."



Pouco depois, Angelina Jolie ficaria mundialmente conhecida pelo papel da paciente sociopata em Garota Interrompida (Girl, Interrupted, 1999), que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, além de outros prêmios.

A direção de Gia ficou a cargo do ator e cineasta Michael Cristofer, que voltaria a trabalhar com Jolie em Pecado Original (Original Sin, 2001).

O único aspecto, na minha opinião, em que este telefilme deixa a desejar é na reconstituição de época. Nos figurinos, cores, cabelos, cenários etc. não há o menor clima de fim de-anos-70-começo-dos-80. A impressão visual que se tem é que a história se passa na década de 1990.

Estreou na TV americana em 31 de janeiro de 1998, na HBO. Na TV brasileira, foi exibido pela primeira vez em 14 de julho de 2001, no SBT. Em 2010, foi exibido na Bandeirantes.

No jornal O Globo, Eduardo Simões, em sua coluna sobre os filmes daquela data na TV aberta, escreveu:


“Partindo dos dias rebeldes na adolescência trabalhando com seu pai e chegando até a fama e fortuna das passarelas, o filme é um interessante retrato da cena fashion mundial — e sua órbita de drogas, sexo, alguma violência e a incipiente Aids — do fim dos anos 70 e início dos 80. Jolie encarna com perfeição a personagem fadada à tragédia de seus dois vícios: promiscuidade e heroína.” (O Globo, 14 de julho de 2001).

 


No ano seguinte, quando o SBT reprisou o filme, o colunista Jaime Biaggio, também do jornal O Globo, não poupou acidez ao escrever sobre o filme em sua coluna de filmes na TV:


"Há quem ache sensual aquele bocão de quem esqueceu de botar o cinto de segurança e enfiou a cara no vidro de Angelina Jolie. Ok, não vamos discutir. Ao menos, em Gia: Fama e Destruição, telefilme que o SBT exibe às 22h30, o conteúdo é adequado."

"No papel que começou a transformá-la na estrela que é hoje, Angelina vive Gia Carangi, modelo que foi uma sensação na Nova York dos anos 70 devido à beleza e à disposição para a farra, sem pensar no amanhã. (...) A atriz se encantou pelo papel, no qual enxergou paralelos com sua própria fase doidinha. Assim nasceu um engodo, ops, um mito." (O Globo, 12 de fevereiro de 2002)


Lançado em VHS e DVD, Gia: Fama e Destruição ganhou mais visibilidade — ainda que grande parte dessa atenção tenha vindo da curiosidade sobre as “polêmicas” cenas de nudez e relações lésbicas entre Jolie e Elizabeth Mitchell.