30 janeiro 2022

6 filmes esquecidos da Disney da “era de ouro” da Sessão da Tarde

Vez por outra a Sessão da Tarde é tema de postagens saudosistas em blogs e redes sociais. Eu mesmo escrevi um post alguns anos atrás, quando surgiu um boato de que a Globo tinha planos de extinguir a mais tradicional sessão vespertina de filmes da nossa TV. No final das contas, a Sessão a Tarde foi mantida e continua na grade da emissora, apesar de não ter mais — nem de longe — o apelo que tinha nas décadas de 1980 e 1990.

A Sessão da Tarde era um deleite no final dos anos 1980 e começo dos 1990. Um verdadeiro paraíso dos filmes da Disney. Era muito comum ver produções das décadas de 1960 e 1970 na programação. Quem quiser saber sobre a origem da Sessão da Tarde e outras curiosidades, indico dois vídeos: O Adeus da Sessão da Tarde, do amigo Lufe Steffen (canal Naftalufe), e O fim da "antiga" Sessão da Tarde, do amigo Esmejoano Lincol (canal Safra 92).

Na postagem que fiz sobre esse tema, comentei como eram divertidos os filmes da Disney que a Globo costumava exibir nas tardes do canal. Vários deles marcaram minha infância e pré-adolescência. Por outro lado, algumas dessas produções da Disney caíram no esquecimento e quase não são comentadas ou encontradas hoje em dia. Listei, em ordem cronológica, seis dos meus favoritos da época de ouro da Sessão da Tarde:


Aquele Gato Danado

That Darn Cat, 1965

Direção: Robert Stevenson

Apesar de não estar entre os mais icônicos da Disney, a história é muito divertida. O FBI segue um gato, na esperança de que o bichano ajude os detetives a levá-los a uma quadrilha de criminosos. O gato, malandríssimo, dá um banho de esperteza em todos.

Hayley Mills, queridinha dos filmes da Disney dos anos 1960, está serelepe e engraçada no papel de Patti, a dona do “gato danado” do título. Adicione a isso performances inspiradas de Roddy McDowall, Elsa Lanchester e Tom Lowell, além de Dean Jones em seu primeiro filme da Disney (o ator se tornaria estrela regular em produções do estúdio a partir deste filme). 

Aquele Gato Danado é baseado no livro Undercover Cat (1963), do casal Mildred Gordon e Gordon Gordon. O filme estreou no cinema em 2 de dezembro de 1965. Na década de 1990, quando a Disney começou a refazer alguns de seus filmes mais memoráveis, refilmou Aquele Gato Danado. O título brasileiro foi O Diabólico Agente D.C. (1997) e o remake foi estrelado por Christina Ricci, com Dean Jones em papel coadjuvante. 


A Montanha Enfeitiçada

Escape to Witch Mountain, 1975

Direção: John Hough

O menino Tony (Ike Eisenmann) e sua irmã Tia (Kim Richards) são órfãos com dons telepáticos e outros poderes sobrenaturais. O cruel e ambicioso milionário Aristotle Bolt (Ray Milland) os adota, com a ajuda de seu sócio Deranian (Donald Pleasence). O intuito é explorar os poderes das duas crianças e usá-los para um plano diabólico. Ao se mudarem para a mansão de Bolt, os irmãos, que não têm nada de bobos, começam a desvendar o mistério sobre seu nascimento e sobre as reais intenções do velho. 

Baseado no livro homônimo de Alexander H. Key, de 1968, esta adaptação para o cinema fez bastante sucesso na década de 1970. Em 1978 ganhou uma sequência bem-sucedida, Perigo na Montanha Enfeitiçada (Return from Witch Mountain, 1978), com ninguém menos que Bette Davis. Nos anos 1980 e 1990, ainda gerou mais dois filmes feitos para a TV, além do remake A Montanha Enfeitiçada (Race to Witch Mountain), em 2009, estrelado por Dwayne Johnson (The Rock) e com a história modernizada.


O Tesouro de Matecumbe

The Treasure of Matecumbe, 1976

Direção: Vincent McEveety

Aventura com clima dos livros de Robert Louis Stevenson e Mark Twain, mas de forma mais superficial. Não por acaso, também baseou-se em um livro, A Journey to Matecumbe, de Robert Lewis Taylor, publicado em 1961. 

A narrativa se passa em 1869, pré-Guerra Civil. Dois garotos, Davie (Johnny Doran) e Thad (Billy “Pop” Atmore), embarcam em uma verdadeira odisséia para tentar encontrar um velho tesouro escondido nos pântanos da Flórida. 

Mesmo com a atuação de Peter Ustinov, o filme envelheceu mal. Representações raciais questionáveis e reviravoltas cansativas ofuscaram o clima de aventura, que se estendeu demais e deixou a história meio atravancada.          

Além de Ustinov, o elenco é cheio de nomes que estavam em alta nos anos 1970 como Joan Hackett, Robert Foxworth e Vic Morrow. Mas hoje em dia seria inconcebível um filme da Disney que incluísse coisas como alusão ao racismo, assassinato, tentativa de estupro coletivo, tentativa de linchamento pela Ku Klux Klan e profanação de um cemitério indígena.

Se fosse exibido hoje no serviço de streaming Disney+, provavelmente teria um aviso do tipo “Esta obra é apresentada como foi originalmente criada. Pode conter representações culturais ultrapassadas.”


Um Dia Muito Louco / Se Eu Fosse Minha Mãe

Freaky Friday, 1976

Direção: Gary Nelson

De longe um dos meus favoritos daquele período da Disney. Mãe (Barbara Harris) e filha (Jodie Foster) têm suas personalidades trocadas e passam a viver a vida uma da outra. A mãe no corpo da filha e a filha no da mãe. Inspirado no livro Freaky Friday, de Mary Rodgers, lançado em 1972. (No Brasil, foi publicado na década de 1990 pela editora Ática, com o título Que Sexta-feira Mais Pirada!).

Quando Se Eu Fosse Minha Mãe estava em desenvolvimento, George Lucas ofereceu a Jodie Foster o papel de Princesa Leia em Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977), mas a atriz era contratada da Disney e sua mãe decidiu honrar o contrato. “Estou orgulhosa por tê-lo feito. Achei ótima a história do filme”, disse a atriz, à época do lançamento de Se Eu Fosse Minha Mãe. “Muitos dos meus amigos acham que é meu melhor filme. Eu realmente gosto de trabalhar para a Disney.”

O longa gerou todo um subgênero de filmes de troca de corpos na década de 1980, como Tal Pai, Tal Filho (Like Father Like Son, 1987), Quero Ser Grande (Big, 1988) e vários outros nas décadas seguintes.

Jodie Foster era uma superestrela da Disney na década de 1970 e é uma das poucas que ficaram famosas com os filmes do estúdio e se tornaram adultos bem-sucedidos. Outra estrela infantil da Disney que manteve o sucesso na idade adulta foi Kurt Russell.

Charlene Tilton faz uma ponta como uma das amigas da personagem de Jodie Foster. Foi a estreia de Tilton no cinema. Pouco depois ela ficaria muito conhecida pelo papel de Lucy, na novela Dallas (1978-1991).

Ganhou um remake em 2003, protagonizado por Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan. O título em português foi Sexta-Feira Muito Louca.


Candleshoe - O Segredo da Mansão

Candleshoe, 1977

Direção: Norman Tokar

Livremente inspirado em Christmas at Candleshoe (1953), livro de Michael Innes, esta adaptação da Disney mostra o trambiqueiro Harry Bundage (Leo McKern) à procura de um tesouro escondido dentro da mansão Candleshoe. Lá vive a simpática senhora Lady St. Edmund (Helen Hayes em seu último papel para o cinema). 

Com a ajuda da órfã Casey Brown (Jodie Foster), Harry coloca o plano em prática. Casey finge ser a neta desaparecida da velha senhora. A propriedade, falida, sobrevive graças à ajuda do fiel mordomo Priory (David Niven) e de quatro crianças adotivas que se viram para manter Candleshoe.

Em meio a peripécias e descobertas, a personagem de Jodie Foster vai levar adiante o plano do ganancioso Harry? Ou vai mudar de opinião após chegar a Candleshoe?

O elenco maravilhoso de veteranos como Helen Hayes, David Niven e Leo McKern dá um charme especial ao filme. Jodie Foster teve apenas três semanas de intervalo entre o término de Se Eu Fosse Minha Mãe (1976) e o começo da produção de Candleshoe, o Segredo da Mansão (1977). Após este filme, a atriz fez uma pausa de três anos e só voltou ao cinema em 1980, quando estrelou Gatinhas (Foxes, 1979) e O Circo da Morte (Carny, 1980).


Loucuras em Plena Madrugada

Midnight Madness, 1980

Direção: Michael Nankin e David Wechter

A trama gira em torno de uma elaborada caça ao tesouro. Um nerd criador de jogos desafia cinco equipes de sua universidade a rodar Los Angeles da meia-noite ao amanhecer, tentando encontrar pistas enigmáticas. Cada pista leva a outros enigmas que devem ser resolvidos. A equipe que conseguir decifrar todas as charadas e chegar primeiro ao destino final será a vencedora. 

Muitos acidentes, trapaças, confusões e mal-entendidos. Quanto aos personagens, há vários estereótipos. O protagonista, interpretado por David Naughton, era o rosto mais conhecido do filme. O intérprete de seu irmão caçula, no entanto, tornou-se um dos atores jovens mais populares dos anos 1980: Michael J. Fox. Aqui ele faz sua estreia, em um papel pequeno.

Essa comédia frenética (que de realmente engraçada não tem quase nada) ilustra bem aquele período meio confuso de transição da Disney. No finalzinho dos anos 1970 e começo dos 1980, o estúdio queria variar seu catálogo e ir além da oferta infantil e familiar, abocanhando também o público jovem. 

Eu tinha uns 12 anos quando o assisti pela primeira vez na Sessao da Tarde. Muitos anos depois, quando assisti novamente, não passou no teste do tempo. Miraram na comédia juvenil picante, inspirados pelo então sucesso de Clube dos Cafajestes (National Lampoon's Animal House, 1978). Mas Loucuras em Plena Madrugada é muito leve para o público-alvo que pretendia atingir e muito cansativo para o público infantil da Disney. 

14 janeiro 2022

Cão do Diabo (Devil Dog: The Hound of Hell, 1978)

 Telefilmesquecidos #47

O empresário Mike Barry (Richard Crenna) vive feliz com sua família em um bonito e tranquilo bairro de classe média tipicamente americano. Até que o cachorro da família, Skipper, é morto em um misterioso atropelamento. Segundo o vizinho, um furgão atropelou o animal e fugiu. A esposa de Mike, Betty (Yvette Mimieux), e os filhos Charlie (Ike Eisenmann) e Bonnie (Kim Richards) ficam desolados. 

Convenientemente, aparece na rua um simpático vendedor ambulante de frutas que, por acaso, tem adoráveis ​​filhotes de pastor alemão disponíveis para adoção. Os filhos de Mike se encantam por um dos filhotes e ficam com ele. O novo animal de estimação dos Barry recebe o nome de Lucky e entra para a família.



Mas logo coisas estranhas começam a acontecer. A empregada é encontrada queimada viva, o cachorro do vizinho é violentamente trucidado e, para piorar, a esposa e os filhos de Mike passam a se comportar de forma fria e incomum. Pelo prólogo mostrado antes do atropelamento do primeiro cão, já sabemos do que se trata. Lucky, o segundo cão, é um espírito satânico reencarnado. A questão é: onde aquilo vai parar?


Depois de muitos sustos e algumas mortes suspeitas, Mike recorre a uma ocultista excêntrica (Gertrude Flynn) e a um xamã equatoriano (Victor Jory), que identificam o cão. De acordo com os videntes, Mike é um dos Abençoados da Luz, cuja missão é mandar cães malignos de volta para o inferno. Ou seja: terá que se livrar de Lucky para libertar a família da influência do cão diabólico.


O telefilme foi inspirado no episódio "The Devil's Platform" (exibido em 15 de novembro de 1974) do seriado Kolchak e os Demônios da Noite (1974), que teve apenas uma temporada. No entanto, os produtores de Cão do Diabo não conseguiram permissão para continuar a história e optaram por uma nova.

Apesar de ser uma deliciosa e genuína celebração kitsch, Cão do Diabo conta com elenco bem escolhido, além de uma atmosfera sombria (que se contrapõe a um ensolarado e saudável clima familiar) comum em telefilmes de suspense ou terror dos anos 1970. Os efeitos são medianos, como é de se esperar para uma produção do tipo.

Richard Crenna e Yvette Mimieux



O papel de Richard Crenna seria de Tom Skerritt, que na época estava em negociações com Ridley Scott para fazer Alien - O 8º Passageiro (Alien, 1979) e não estava disponível. O papel foi, então, dado ao sempre ótimo Crenna.


Ike Eisenmann e Kim Richards

Esta foi a terceira vez que Kim Richards e Ike Eisenmann interpretaram, respectivamente, irmã e irmão em um filme. Os dois já haviam sido irmãos nas produções da Disney A Montanha Enfeitiçada (Escape to Witch Mountain, 1975) e Perigo na Montanha Enfeitiçada (Return from Witch Mountain, 1978).

Ken Kercheval (que na época já vivia Cliff Barnes na novela Dallas) tem uma participação pequena, assim como R. G. Armstrong. No caso de Armstrong, o ator já estava bem familiarizado com o diabo, devido a seus filmes anteriores  Corrida com o Diabo (Race With the Devil, 1975) e O Carro - A Máquina do Diabo (The Car, 1977), sem falar em O Mensageiro de Satanás (Evilspeak, 1981), que viria depois.

Ken Kercheval

R. G. Armstrong (à direita)

Clássico entre as reprises das madrugadas, Cão do Diabo foi dirigido por Curtis Harrington, conhecido por uma variedade de trabalhos na TV, em séries e telefilmes, além de longas para o cinema como o ótimo Raça Maldita (The Killing Kind, 1973) e o obscuro Ruby - A Amante Diabólica (Ruby, 1977). 

Cão do Diabo virou telefilme cult, mas foi também o ponto em que a carreira de Curtis Harrington parece ter perdido o rumo. Apesar de ter dirigido muitos episódios de séries famosas depois, não chegou a emplacar outro telefilme. Como publicou a Folha de S. Paulo, no dia da estreia do filme na Globo: "Horror sobrenatural de televisão do especialista em sustos e monstros Curtis Harrington, que começou bem a carreira e depois virou um chato." (Folha de S. Paulo, 16 de dezembro de 1981)

A estreia nos EUA foi em  31 de outubro de 1978, pela CBS. Aqui no Brasil, foi ao ar pela primeira vez na Globo, em 16 de dezembro de 1981.