24 julho 2022

Trilogia de Terror (Trilogy of Terror, 1975)

Telefilmesquecidos #50

Como fica evidente pelo próprio título, são três mini-histórias, todas protagonizadas pela atriz Karen Black e escritas pelo prolífico Richard Matheson. Autor de inúmeros e memoráveis contos de terror e suspense, Matheson era um mestre em arquitetar situações assustadoras. As primeiras duas histórias (“Julie” e “Millicent and Therese”) foram adaptadas para a TV por William F. Nolan, enquanto a terceira (“Amelia”) foi adaptada pelo próprio Matheson.

Na primeira (“Julie”), Karen Black é uma tímida professora universitária que passa a ser chantageada por um de seus alunos, Chad (Robert Burton), após ter sido drogada e estuprada por ele. O rapaz a chantageia para que ela o obedeça sem restrição, sob ameaça de expô-la no campus. No entanto, ele logo vai perceber que mexeu com a mulher errada. A inesperada reviravolta no desfecho mostra que esse jogo sexual não é exatamente o que parece.


A segunda história (“Millicent e Therese”) usa uma fórmula manjada e nem tão surpreendente: duas irmãs que dão nome à história (ambas também interpretadas por Karen Black) se encontram em constante disputa e desacordo. Uma é recatada e reprimida, enquanto a outra é devassa e perversa. O Dr. Ramsey (George Gaynes) percebe que aquela batalha esconde mais do que uma simples rivalidade entre irmãs. 


A terceira história (“Amelia”) é um clássico do terror e foi a responsável pelo sucesso do filme. Black interpreta uma mulher que compra um boneco africano que, segundo reza a lenda, contém a alma de um guerreiro selvagem da tribo Zuni. Quando ela acidentalmente desencadeia o espírito do mal que estava preso no boneco, ele ganha vida e a persegue com fúria e violência.


O bloco “Amelia” mostra que um filme de terror feito para a TV pode sim ser assustador, valendo-se da natureza básica deste gênero, em vez de ir pelo caminho dos banhos de sangue e das cenas explicitamente chocantes. Tanto que a luta entre Amelia e o boneco Zuni, que tinha tudo para cair no ridículo, tornou-se um dos maiores segmentos de terror na TV. Os efeitos especiais são primários, mas “Amelia” ainda é a sequência mais pesada, e a cena final cumpre o objetivo de assustar.

Fica claro que a inspiração para Trilogia do Terror veio dos filmes que a produtora Amicus vinha produzindo até então na Inglaterra. O foco aqui está no tormento psicológico (que aterroriza) e não propriamente no terror convencional ou nos sustos reais.


Dirigido por Dan Curtis, que emplacava um sucesso atrás do outro naquele período, à frente de séries e telefilmes. Produziu Pânico e Morte na Cidade (The Night Stalker, 1972), dirigiu A Noite do Estrangulador (The Night Strangler, 1973), Drácula, O Demônio das Trevas (Dracula, 1974), A Mansão Macabra (Burnt Offerings, 1976) e A Maldição da Viúva Negra (Curse of the Black Widow, 1977), entre muitos outros.

Trilogia de Terror é um prato cheio para fãs de Karen Black. O elenco se apoia sobre ela, que desempenha quatro papéis diferentes em três histórias. Mas Karen  havia conquistado o posto de estrela do cinema antes de Trilogia de Terror. Em 1975 ela já era uma atriz respeitada e bem-sucedida. Só naquele ano, estava em dois filmes no cinema: Nashville (1975), de Robert Altman, e O Dia do Gafanhoto (The Day of the Locust, 1974), de John Schlesinger. Trilogia de Terror foi sua estreia em telefilmes. O filme recebeu críticas positivas, ganhou uma legião de admiradores e virou  cult ao longo dos anos, em especial pelo enredo do bloco  “Amelia”.

Os mais atentos também reconhecerão George Gaynes, o pai adotivo de Punky, do seriado Punky, a Levada da Breca (Punky Brewster, 1984-1988), exibido pelo SBT nas décadas de 1980 e 1990.

Trilogia de Terror foi ao ar pela ABC em 4 de março de 1975. Foi o piloto de uma série de histórias de terror no estilo de Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959-1964) que acabou não vingando. No Brasil, foi ao ar pela primeira vez em 18 de março de 1981, na Globo.


E aqui chegamos a um fato curioso. Quando o filme foi exibido pela primeira vez na televisão brasileira, a censura exigiu que o terceiro segmento ("Amelia") fosse totalmente cortado. Por conta disso, a Globo foi obrigada a mudar o título em português para Duas Histórias de Terror (o que fazia a palavra trilogia, do título original, ficar sem sentido). A coluna Filmes na TV, de Fernando Morgado, publicada na Folha de S. Paulo do dia 16 de março de 1981, deu destaque à polêmica estreia do filme na Globo:

Entre as sete estreias da semana, a que deverá despertar maior curiosidade é "Duas Histórias de Terror", que a Globo vai apresentar na noite de quarta-feira. O motivo do interesse ficará por conta de um aspecto extracinematográfico, que nada tem a ver com a qualidade ou falta de qualidade do filme, produção de TV, feita em 1974, na linha horrorífico-psicopatológica, com a atriz Karen Black interpretando quatro papeis diferentes, em episódios abordando temas de terror, sobrenatural, dupla personalidade, autodestruição, enfim, o habitual do gênero. A fita não é má, se comparada com o resto do que se vê na televisão.

A novidade e o absurdo estão no título nacional: "Duas Histórias de Terror". Acontece que o nome original é "Trilogia do Terror" e aí o leitor e o telespectador atentos vão perceber alguma coisa errada, pois como ninguém ignora, "trilogia" quer dizer trio, conjunto de três, para que fique bem claro. Teria o tradutor brasileiro se distraído tanto, a ponto de confundir três com dois? Afinal, trilogia não é palavra das mais comuns. Mas não foi isso que aconteceu. O que houve é que entrou em cena a primária aritmética da Censura brasileira e proibiu um dos episódios na televisão, até agora ninguém sabe por que, obrigando a empresa distribuidora do filme a alterar também a matemática do título, depois de mutilada uma obra que, independentemente de seu valor estético, cultural ou cinematográfico, passa a ser a mais recente vítima da burrice oficial cabocla, que cada vez mais vai deixando em todos a certeza de ser incurável.

Curiosidade: o boneco de “Amelia” voltou em  Trilogy of Terror II (1996), sequência feita para a TV a cabo e mais uma vez dirigida por Dan Curtis. 


A Anchor Bay Entertainment lançou o filme em DVD em 1999, e em VHS em 2000. Em 2006, a Dark Sky Films/MPI Home Video lançou uma edição especial em DVD. O filme também foi lançado em Blu-ray e em DVD remasterizados pela Kino Lorber Studio Classics, em 2018.

Não confundir com Body Bags (1993), telefilme dirigido por John Carpenter e Tobe Hooper e lançado em VHS no Brasil com o título Trilogia do Terror.


06 julho 2022

A Lenda de Lizzie Borden (The Legend of Lizzie Borden, 1975)

Telefilmesquecidos #49

Um dos crimes mais famosos da história americana diz respeito a Lizzie Borden, uma solteirona de 32 anos de Massachusetts, acusada de matar o pai e a madrasta a machadadas, em 1892.

O filme entrelaça cenas de julgamento e flashbacks, revelando, aos poucos, a natureza da relação distorcida de Lizzie (Elizabeth Montgomery) com seu pai, Andrew (Fritz Weaver). Fanático e malicioso, ele vivia repreendendo a filha, mesmo depois de adulta. Chega até a matar os pássaros de estimação de Lizzie, aparentemente pelo simples prazer de infligir dor. 

O filme retrata todos os momentos-chave do registro histórico do julgamento e também usa a licença criativa para explorar a mente de Lizzie. Esta versão mostra Borden como uma mulher que sofreu abuso e revidou em um momento de insanidade temporária. 

Elizabeth Montgomery

Fritz Weaver

Mas as evidências são confusas. Se Lizzie cometeu os crimes, por que não foi encontrado sangue em suas roupas ou em si mesma? Como ela poderia ter cometido assassinatos daquele tipo sem deixar nenhuma evidência física para trás? E, não menos importante: qual teria sido exatamente a motivação de  Lizzie?

Há ainda a presença da governanta Bridget Sullivan (Fionnula Flanagan), que suspeita que Lizzie cometeu os assassinatos, e da irmã de Lizzie, Emma (Katherine Helmond), que teme o pior, mas espera o melhor.

Katherine Helmond

Fionnula Flanagan

No julgamento, um intrincado quebra-cabeça foi reorganizado para expor a possível versão do crime. Culpada ou inocente? No final das contas, não temos certeza de nada, do que é real ou imaginário, e tampouco do estado mental de Lizzie. Embora o filme a retrate cometendo os assassinatos, na vida real ela foi absolvida, principalmente porque nenhum júri em 1893 (ano em que foi julgada) poderia acreditar que uma mulher pudesse cometer tal selvageria. 

Lizzie herdou a propriedade do pai e viveu no luxo e reclusão até sua morte, em 1927. Mas, assim como aconteceria com O.J. Simpson um século depois, Lizzie foi amplamente considerada culpada e condenada ao ostracismo pela sociedade. Seja a especulação verdadeira ou não, o filme faz um trabalho eficaz ao vendê-la, e é altamente envolvente.


Tudo é complementado pelo forte desempenho de Elizabeth Montgomery. Sua Lizzie Borden não é mentalmente estável, mas também não é tola, e há uma frieza assustadora em sua interpretação que faz o telespectador acreditar que ela realmente pode ser culpada. A atuação de Fritz Weaver como seu pai (em flashbacks) também é muito boa.

Montgomery ficou muito conhecida pelo papel de Samantha, no seriado A Feiticeira (Bewitched, 1964-1972). Extremamente popular, A Feiticeira se tornou um clássico da TV. Quando estrelou A Lenda de Lizzie Borden, o término da série ainda era relativamente recente. Elizabeth, no entanto, nem de longe lembrava a carismática feiticeira do seriado, provando que era uma atriz de mão cheia.Seu desempenho ousado contribuiu muito para o sucesso do filme.


A versão do filme para os cinemas europeus mostra Elizabeth Montgomery nua, durante a cena em que ela mata os pais, na qual aparece coberta de sangue, segurando um machado. Na versão da ABC, a edição cuidadosa sugere sua nudez, mas nunca realmente a mostra.

Escrito por William Bast e dirigido por Paul Wendkos. Aliás, Wendkos tem um extenso e respeitável currículo de trabalhos na TV desde a década de 1950, incluindo centenas de episódios de seriados e telefilmes. A Irmandade do Sino (The Brotherhood of the Bell, 1970), A Morte da Inocência (A Death of Innocence, 1971) e Terror na Praia (Terror on the Beach, 1973) são só alguns deles, além do longa Balada Para Satã (The Mephisto Waltz, 1971), feito para o cinema.

O filme rendeu ao roteirista William Bast o Prêmio Edgar de 1975 de Melhor Longa-Metragem/Minissérie de TV. O filme também ganhou dois prêmios Emmy, por Figurino e Edição, e recebeu indicações em três outras categorias: Atriz Principal (Montgomery), Direção de Arte e Edição de Som.


O filme também foi indicado ao Globo de Ouro como Melhor Filme Feito para Televisão, em 1976.

A Lenda de Lizzie Borden, como bem pontuou Paul Mavis, do site Drunk TV, “(...) é um dos melhores filmes feitos para a TV nos anos 1970 — e isso não é pouco, considerando que foi lançado durante a ‘era de ouro’ desse formato.”

A história ganhou várias adaptações, entre elas a minissérie The Lizzie Borden Chronicles (2015), do canal Lifetime, estrelada por Christina Ricci. A ideia surgiu do telefilme A Arma de Lizzie Borden (Lizzie Borden Took an Ax, 2014), também protagonizado por Ricci.

Nos EUA, a estreia do filme foi em 10 de fevereiro de 1975, na ABC. Antes da exibição, um aviso alertava os telespectadores: "Devido ao conteúdo adulto, recomenda-se discernimento dos pais."

No Brasil, foi exibido pela primeira vez em 5 de março de 1977, na Globo.

Segundo Caderno (O Globo), coluna Os filmes da semana - Paulo Perdigão (27/02/1977)