26 novembro 2021

O Caso Lindbergh (The Lindbergh Kidnapping Case, 1976)

Telefilmesquecidos #43

O bebê de Charles Lindbergh (Cliff De Young) e sua esposa, Anne Morrow Lindbergh (Sian Barbara Allen) desaparece do berço. Um bilhete pedindo um resgate de 50 mil dólares é encontrado no local. Rapidamente, o crime atrai uma multidão de curiosos e o apetite voraz da imprensa. Começa, então, um verdadeiro circo – formado pela imprensa, pelo público e pela polícia – que duraria anos.

O dinheiro do resgate é pago por meio do Dr. Condon (Joseph Cotten), que atuou como intermediário na negociação. "John", um dos supostos sequestradores, pega o dinheiro e some, não sem antes alegar que o bebê estava vivo. No entanto, as instruções dadas a Condon e Lindbergh eram falsas e a criança continuou desaparecida. Dois meses após o sequestro, o corpo do bebê, com o crânio esmagado, é encontrado em decomposição no bosque perto da casa dos Lindbergh. 


Joseph Cotten

Sem pistas, o detetive Jim Finn (Tony Roberts) e o psiquiatra Dr. Schonfeld (Joseph Stern), conseguem rastrear parte do dinheiro do resgate, que leva ao imigrante alemão Bruno Richard Hauptmann (Anthony Hopkins). Quando 14 mil dólares do dinheiro do resgate foram encontrados em sua casa, junto com as tábuas do assoalho que combinavam precisamente com as da escada rudimentar usada no sequestro, Bruno foi preso, julgado e condenado por assassinato, pagando com a própria vida. Mas ficou no ar um incômodo clima de algo não resolvido.

Anthony Hopkins

Como acontece com quase todas as biografias adaptadas por Hollywood ou mesmo para a TV, é preciso dar certo desconto. O Caso Lindbergh não é um documentário e sim um telefilme, isto é, entretenimento. Por esta razão, algumas coisas foram omitidas ou alteradas na história. É uma espécie de convenção aceita nesse gênero de adaptações biográficas, o que pode incomodar alguns críticos e historiadores.

O filme retrata o casal Lindbergh como extremamente controlado e confiante para uma situação tão delicada e perigosa. Para o público, pode ficar difícil se sensibilizar com tanto autocontrole do casal diante do sequestro de seu único bebê. Talvez isso tenha imprimido certa frieza à narrativa, ao não agarrar o espectador pelo lado emocional logo no início. 

Cliff De Young e Sian Barbara Allen

Deixar em aberto o que aconteceu com o bebê também pode ter sido um descuido do roteiro. Como determinar a culpa ou a inocência de Bruno? Sob a ótica deste telefilme, o telespectador tem certeza de que Bruno é um monstro: frio, insensível,  dissimulado e, portanto, culpado. 

Esforço de direção de Buzz Kulik, profissional experiente nesse tipo de produção, cujo trabalho na TV — que inclui os ótimos Glória e Derrota (Brian's Song, 1971), Um Hóspede Muito Estranho (Crawlspace, 1972) e Vítima do Medo (Bad Ronald, 1974) — superou suas poucas incursões no cinema.

Cliff De Young

O elenco não deixa a desejar. A semelhança física com Charles Lindbergh foi um ponto positivo para Cliff De Young, ator versátil de teatro e cinema que ficou muito popular na TV americana, em uma penca de séries e telefilmes. No papel de sua esposa, Sian Barbara Allen, de Um Grito de Terror (Scream, Pretty Peggy, 1973), com seu eterno olhar assustado e indefeso.

Anthony Hopkins

Anthony Hopkins no papel de Bruno dispensa comentários. Mas vale lembrar que, naquele ponto de sua carreira (meados da década de 1970), ele ainda não havia alcançado o prestígio e o reconhecimento internacional como um dos grandes atores de sua geração. Dividindo-se entre alguns fracassos no cinema e projetos para as tevês britânica e americana que haviam sido bem recebidos, Hopkins emendava um trabalho no outro.

Anthony Hopkins

O roteirista de O Caso Lindbergh, J.P. Miller, tem um currículo invejável que inclui Juventude Selvagem (The Young Savages, 1961), Vício Maldito (Days of Wine and Roses, 1961) e a elogiada minissérie O Assassinato de Sharon Tate (Helter Skelter, 1976). Mas isso não pesou na implacável crítica de Paul Mavis, do site DVD Talk (26 de janeiro de 2014): "O Caso Lindbergh tem pouco a dizer, e o diz mal, com algumas atuações centrais equivocadas, direção frouxa e um roteiro superficial e aleatório (...)”

Revistas de TV do Washington Post e The Record (22-28 de fevereiro de 1976)

Estreou na TV americana em 26 de fevereiro de 1976, pela NBC. No Brasil, a primeira exibição foi na Globo, em 3 de dezembro de 1976. Na época, não era comum um telefilme ser exibido aqui no Brasil no mesmo ano em que tinha sido exibido nos EUA. Ainda mais com 2 horas e 28 minutos de duração. Mas como foi uma superprodução para a TV (o que também era inédito em se tratando de um telefilme), a aquisição pela Globo foi rápida. 

Detalhe do guia da TV do jornal Washington Post (1976)

Paulo Perdigão, em sua coluna de filmes da TV, do jornal O Globo de 28 de novembro de 1976, se referiu ao filme como  “um semi documentário de impecável rigor descritivo e tensão dramática crescente”. E destacou: "O Caso Lindbergh, especial de TV com três horas de duração, é o maior atrativo da programação (...)". E confirma sua opinião positiva em outro trecho:

Reconstituição minuciosa e fiel do célebre rapto do filho de Charles Lindbergh (1902-1974), numa superprodução feita para a TV (...). Dividida em duas partes — "O crime" e "O julgamento" — a narrativa obedece a um estilo de reportagem dramatizada e beneficia-se do apuro de produção pouco comum em telefilmes (o orçamento chegou a um milhão e meio de dólares. 

A coluna Filmes de hoje na TV, da Folha de S. Paulo de 3 de dezembro de 1976, também deu destaque:

Estreia hoje O Caso Lindbergh, um dos filmes mais caros já feitos diretamente para a TV, mas com elenco essencialmente cinematográfico, o que demonstra que o vídeo não vive sem os mitos da tela que foram cultivados durante décadas nas misteriosas salas escuras.


20 novembro 2021

Um crime, dois telefilmes e muitas especulações

Em 1927, o aviador norte-americano Charles Lindbergh — apelidado de "águia solitária" — virou celebridade e ganhou fama mundial. O motivo? Foi o primeiro a voar sobre o Atlântico, sozinho e sem paradas, da costa ocidental dos Estados Unidos até a França. Graças à proeza, Lindbergh se tornou uma das figuras mais populares de seu país.

Charles Lindbergh

Charles e a esposa Anne

Em 1932, já com o status de herói da nação estabelecido e uma formidável fortuna acumulada, seu filho foi sequestrado dentro de casa. Charles Jr, o bebê de 1 ano e 8 meses, filho do casamento de Lindbergh com Anne Morrow, foi tirado de seu berço não se sabe por quem. O resgate no valor de 50 mil dólares foi entregue ao suposto sequestrador, por meio de um intermediário, mas o bebê não foi devolvido à família.



Chamado de “Crime do Século”, o rapto causou comoção nos Estados Unidos, mobilizou o FBI, envolveu gente como o presidente Herbert Hoover e até mafiosos. No entanto, depois de muitas reviravoltas e pistas falsas, o caso teve um desfecho trágico. Dois meses após o sequestro, o corpo do bebê do casal Lindbergh foi encontrado em um bosque, a poucos quilômetros da casa da família.

A casa dos Lindbergh


A turbulenta investigação, que durou mais de dois anos, apontou o carpinteiro Bruno Richard Hauptmann, um imigrante alemão, como o culpado. Bruno foi condenado à cadeira elétrica e executado, em abril de 1936. Por um lado, foi um alívio geral ter solucionado o caso que estarreceu não só os Estados Unidos, mas o mundo todo. Por outro, permaneceram muitas lacunas e pontas soltas na investigação. Apesar de vários indícios (mas nenhuma prova concreta), será que Bruno havia mesmo sequestrado e matado o bebê?



O caso, digno dos mais inventivos romances policiais, é intrincado e cheio de desdobramentos. Tanto que serviu de inspiração para uma das histórias mais famosas de Agatha Christie, Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express). O caso do rapto do bebê Lindbergh foi a base para o livro de Agatha, publicado em 1934. O romance também foi levado com imenso sucesso ao cinema pelo diretor Sidney Lumet, em 1974. Em 2017, Kenneth Branagh dirigiu e protagonizou o remake da obra.

Quem quiser saber mais sobre o caso Lindbergh pode fazer uma busca no Google e mergulhar nos muitos detalhes do (ainda) polêmico sequestro que marcou a década de 1930. O foco aqui serão os dois filmes para a televisão que retratam o episódio, cada um sob um ponto de vista diferente.

Como disse o escritor Mark Twain: “A única diferença entre realidade e ficção é que a ficção precisa fazer sentido”. Os telefilmes O Caso Lindbergh (The Lindbergh Kidnapping Case, 1976) e O Crime do Século (Crime of the Century, 1996) apresentam duas realidades bastante distintas acerca do mesmo crime. Eles estarão nas próximas postagens. 

O Caso Lindbergh (1976) e O Crime do Século (1996)

Telefilmesquecidos #43 - O Caso Lindbergh (The Lindbergh Kidnapping Case, 1976)
Telefilmesquecidos #44 - O Crime do Século (Crime of the Century, 1996)

15 novembro 2021

Fuga Impossível (Escape,1980)

Telefilmesquecidos #42

O que você faria se fosse condenado por um crime grave em um país estrangeiro, sem a ajuda de um advogado e sem ter como contestar as acusações contra você? Pior: se fosse preso na mais sórdida e violenta prisão possível? É o que mostra o telefilme Fuga Impossível, baseado na história verídica de Dwight Worker, um americano "boa praça" pego tentando levar cocaína do México para os Estados Unidos, em 1973. 

Dwight, interpretado aqui por Timothy Bottoms, não era propriamente um contrabandista. Era um usuário que pensou, ingenuamente, que conseguiria levar uma boa quantidade da droga para seu país, para consumo próprio. Acabou condenado à prisão “inescapável” de Lecumberri, na Cidade do México. Lá, recebeu tratamento brutal e indigno (coisa não muito difícil de imaginar), e sofreu todo tipo de violência. A única pessoa que escapara de Lecumberri tinha sido Pancho Villa (um dos comandantes mais conhecidos da Revolução Mexicana), em 1912.


Timothy Bottoms como Dwight Worker

Kay Lenz como Barbara Chilcoate

No México, Dwight Worker conhece Barbara Chilcoate (Kay Lenz), por quem se apaixona. Os dois se casam, mesmo estando Dwight preso. Juntos, elaboram um ousado plano de fuga. O casal estava ciente das probabilidades, pois o México tinha “la ley de fuga”, a lei da fuga. Não era ilegal tentar escapar da prisão, desde que o pretenso fugitivo não cometesse violência contra as pessoas e não destruísse nenhuma propriedade do Estado. Mas se fosse pego, o candidato à fuga seria morto sem dó nem piedade. Qualquer um que conseguisse escapar teria apenas uma única chance: ou a liberdade ou a morte. 




No entanto, às vezes a realidade é mais inacreditável do que a ficção. Em 17 de dezembro de 1975, após ter cumprido dois anos de sua sentença de 7 anos, ele conseguiu o inimaginável: escapar da prisão-fortaleza disfarçado de mulher. Tornou-se, a partir de então, o único prisioneiro a escapar de Lecumberri desde Pancho Villa.


Mais tarde, Dwight e a esposa Barbara escreveram um livro, Escape from Lecumberri, publicado em 1977, no qual relatam a insólita experiência. O telefilme é baseado no livro. Dirigido por Robert Michael Lewis, experiente em seriados e filmes para a TV, Fuga Impossível, apesar de ter sido feito para esse veículo — e, por esse motivo, também suavizado para esse grande público — é um bom filme.


Edição mexicana do livro

A temática é semelhante à de O Expresso da Meia-Noite (Midnight Express, 1978), de Alan Parker, também inspirado de eventos reais. Obviamente, por se tratar de um produto para a televisão, Fuga Impossível não apresenta a brutalidade explícita de O Expresso da Meia-Noite, mas os personagens nos levam a torcer pelo sucesso da fuga. Mesmo já sabendo o final, a tensão é crescente e involuntária.

O elenco é muito bom, com Timothy Bottoms (A Última Sessão de Cinema, 1971) e Kay Lenz (A Iniciação de Sarah, 1978) nos papeis principais. Colleen Dewhurst, Antonio Fargas e Vincent Schiavelli, rostos familiares do cinema e da TV americanos, também estão presentes.

Colleen Dewhurst

Antonio Fargas

Vincent Schiavelli

Filmado em 1979, Fuga Impossível estreou na TV americana em 20 de fevereiro de 1980, na CBS. No Brasil, foi exibido pela primeira vez na TV em 4 de julho de 1983, pela então recém-inaugurada Rede Manchete, na sessão Grande Estreia. 


Dwight Worker em 2012

Nas décadas seguintes, Dwight Worker participou de movimentos pelos direitos civis e pelo meio ambiente. Também foi professor da Universidade de Indiana, onde criou o programa de Segurança da Informação para a Kelley School of Business, antes de se aposentar para se dedicar ao trabalho rural, à escrita e a viagens. Em 2012, o programa Férias na Prisão (Banged Up Abroad), do canal National Geographic, exibiu o episódio Black Palace of Horrors, sobre a história de Dwight. O caso foi reconstituído e ganhou uma dramatização, complementada pelos depoimentos do próprio Dwight.


Dwight Worker no programa Férias na Prisão (National Geographic, 2012)

10 novembro 2021

Meu Filho, o Estuprador (A Family Divided, 1995)

Telefilmesquecidos #41

Fraternidades são muito comuns em produções norte-americanas. Parte tradicional da cultura estadunidense, fraternidades (para rapazes) ou irmandades (para moças) são organizações sociais em faculdades e universidades dos EUA. Geralmente são sediadas em imponentes casarões. Não raro, séries e filmes americanos mostram os jovens dessas organizações estudantis como fúteis, encrenqueiros, bobos, sexistas ou até cruéis, capazes de qualquer coisa para se sentirem parte do grupo.

Em Meu Filho, o Estuprador, o universitário Chad (Cameron Bancroft) participa de uma festinha em uma fraternidade. Uma garota do ensino médio que estava na tal festa desaparece. Acaba sendo encontrada morta e com sinais claros de violência e estupro. Acuado, Chad confessa ter participado do estupro coletivo que resultou na morte da garota. 




O pai de Chad, vivido por Stephen Collins, aconselha o rapaz a ficar quieto, enquanto a mãe, interpretada por Faye Dunaway, acha que o problema deve ser encarado de frente, apesar de todas as dificuldades. A família entra em crise e outros problemas emergem.



O nome de peso do elenco é, de longe, Faye Dunaway. No começo da década de 1970, ela já havia participado de algumas produções para a TV, incluindo o excelente O Desaparecimento de Aimée (The Disappearance of Aimee, 1976). 

Faye Dunaway

Stephen Collins

Cameron Bancroft

Stephen Collins, dono de um currículo recheado de inúmeros trabalhos no cinema e na TV, também confere respeito ao elenco. O canadense Cameron Bancroft, apesar de não muito conhecido, é um rosto familiar em séries e telefilmes. Don S. Davis, o Major Briggs de Twin Peaks (1989-1991), interpreta o detetive.

Baseado no livro Mother Love, de Judith Henry Wall (1995), o telefilme foi dirigido por Donald Wrye, experiente na direção de filmes para a TV. Meu Filho, o Estuprador estreou na televisão americana em 22 de janeiro de 1995, pela NBC. No Brasil, a estreia foi em 29 de outubro de 1997, na Globo. Também foi lançado em vídeo aqui. 



 

Curiosamente, em 1999 o Segundo Caderno do jornal O Globo anunciou o filme como "inédito", embora a Globo já o tivesse exibido originalmente em 1997.


Sobre o nome do filme no Brasil, faço minhas as palavras do crítico Inácio Araújo, da Folha de S. Paulo de 13/11/1999: “O título original diz respeito a uma família dividida. O título brasileiro é, para falar com delicadeza, de uma estupidez imperdoável.”