30 dezembro 2022

Cinco filmes que demoraram a dar as caras na nossa TV

Um ano e meio atrás, fiz aqui um post sobre cinco clássicos que demoraram a chegar na TV brasileira. Retomo a temática, desta vez com outros cinco filmes famosos que também levaram um certo tempo para aparecerem na nossa tevê. A espera variou entre seis e dez anos aproximadamente (tempo que nem era tão longo assim, se comparado a outros filmes que levaram décadas para estrearem na tevê do Brasil).

Na minha infância e adolescência (décadas de 1980 e 1990), a programação especial das emissoras de televisão abertas (principalmente Globo e SBT) era sempre aguardada com grande ansiedade. Normalmente os filmes mais badalados eram exibidos no fim do ano ou no começo, naquele período festivo de férias. Mas não chegava a ser uma regra.

Obviamente isso não existe mais hoje em dia, em que os filmes entram nas plataformas de streaming simultaneamente no mundo todo. Mas lá nas décadas de 1980 e 1990, tínhamos que esperar alguns anos antes de assisti-los na TV. Foi o caso de ET - O extraterrestre, que estreou na tevê brasileira em 31 de dezembro de 1990, oito anos após seu lançamento mundial no cinema. Vamos à listinha:


1) A Fantástica Fábrica de Chocolate (Willy Wonka & the Chocolate Factory)

Lançamento: 30 de junho de 1971

Lançamento nos cinemas brasileiros: 25 de dezembro de 1972

Estreia na tevê brasileira: 26 de agosto de 1978 (Globo)

O musical foi dirigido por Mel Stuart e estrelado por Gene Wilder, no papel de Willy Wonka, e baseado no livro Charlie and the Chocolate Factory, do britânico Roald Dahl, publicado em 1964. É a história de como o menino Charlie Bucket encontra um "Bilhete Dourado" e visita a Fábrica de Chocolates Wonka com outras quatro crianças. O filme tornou-se cult, principalmente devido às sucessivas reprises na televisão. Em 1972, o filme foi indicado ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Original e Wilder foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia ou Musical. Um clássico que marcou várias gerações. Em 2005, ganhou um remake, dirigido por Tim Burton e estrelado por Johnny Depp, sem o encanto do original. Exibido em nossas tevês na sessão Primeira Exibição, às 21h15, logo após o capítulo de Dancin’ Days daquela noite.



2) Carrie, a Estranha (Carrie)

Lançamento: 16 de novembro de 1976

Lançamento nos cinemas brasileiros: 8 de agosto 1977

Estreia na tevê brasileira: 25 de julho de 1985 (Bandeirantes)

Clássico absoluto dos filmes de terror, uma das melhores adaptações da obra de Stephen King e um dos filmes mais famosos do diretor Brian De Palma. Revelou Sissy Spacek e foi também a estreia de John Travolta no cinema, em um papel pequeno, porém marcante. A Bandeirantes acertou em cheio ao exibir o filme na tevê brasileira. Talvez a Globo considerasse a violência em Carrie gráfica demais para seus padrões. Como explicou Ângela Regina Cunha na coluna Os filmes de hoje, do Jornal do Brasil de 25 de julho de 1985: "Em 1976, estavam em moda os filmes de terror — O Exorcista tinha apavorado as plateias três anos antes — e De Palma não poupou sangue, sustos, jatos de fogo, gritos e expressão de medo e pavor."




3) Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall)

Lançamento: 20 de abril de 1977

Lançamento nos cinemas brasileiros: 19 de março de 1978

Estreia na tevê brasileira: 3 de maio de 1986 (Globo)

O filme que celebrizou a prolífica carreira do diretor Woody Allen estreou em nossa tevê no Supercine, às 21h25, logo após o capítulo de Selva de Pedra daquela noite. "É o sexto longa na carreira de Allen, e provavelmente o mais autobiográfico de seus filmes. Misturando gags muito engraçadas à crítica mordaz da vida moderna, Allen constrói um filme sofisticado, inteligente e cheio de humor (...)”, explicou Paulo A. Fortes na coluna Filmes da TV, no Jornal do Brasil de 3 de maio de 1986. “Annie Hall ganhou quatro Oscars em 1977: melhor filme, diretor, roteiro e melhor atriz (Diane Keanton).” Foi também uma das maiores bilheterias de Woody Allen, do tempo em que seus filmes faziam enorme sucesso e eram aguardados com grande expectativa.



4) Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever)

Lançamento: 16 de dezembro de 1977

Lançamento nos cinemas brasileiros: 3 de julho de 1978

Estreia na tevê brasileira: 28 de junho de 1986 (Globo)

Quando o filme estreou em nossa tevê, a moda das discotecas já estava morta e enterrada. Mas isso não afetou em nada o entusiasmo dos telespectadores. Tanto que a primeira exibição do filme na tevê brasileira, às 21h20 no Supercine, ganhou destaque nos cadernos de TV de todos os grandes jornais do país. Vale lembrar que, nos anos 1980, a disco music era fortemente repudiada e renegada. Isso fica patente neste trecho da coluna Filmes da TV, de Paulo A. Fortes, para o Jornal do Brasil de 28 de junho de 1986: "Sobre o filme quase tudo já foi dito. Não é bom, nem ruim. Bem dirigido por John Badham, tem uma história deste tamanhinho, apenas para justificar os números de danças. John Travolta tem inegável carisma, é um bom dançarino e se sai bem no papel do jovem filho de imigrantes. Se você aguenta (ainda) a execrável música dos irmãos Gibb, sempre cantando em falsete, pode vir a se divertir com este filme, muito mais importante do que de boa qualidade: com Os Embalos de Sábado à Noite, criou-se um novo padrão de comportamento jovem que, até os nossos dias, tem muitos adeptos."





5) E.T. O Extraterrestre (E.T. The Extra-Terrestrial)

Lançamento: 10 de junho de 1982

Lançamento nos cinemas brasileiros: 25 de dezembro de 1982

Estreia na tevê brasileira: 31 de dezembro de 1990 (Globo)

"Aos oito anos, E.T. dispensa apresentações". Assim o crítico de cinema Inácio Araújo abriu a coluna Televisão, em matéria na Folha de S. Paulo de 31 de dezembro de 1990. "De seu lançamento, em 1982, para cá, o filme passou com facilidade a barreira dos 300 milhões de espectadores e sua arrecadação chegou a mais de US$ 350 milhões, a maior da história do cinema (sem contar direitos para vídeo e TV)." Araújo continua: "Talvez por isso E.T. tenha um interesse jornalístico relativo ao ser apresentado em televisão; apesar do ineditismo, o pequeno alienígena com ar de monstro e coração enorme tornou-se um personagem familiar, do qual cada um se sente um pouco íntimo." Um presentão que a Globo exibiu na sessão Cinema Especial, logo após o capítulo de Meu Bem, Meu Mal, na noite de réveillon de 1990. A chamada ainda brincava com o nome do filme, anunciando "Um verão ETanto".





23 dezembro 2022

A Rena do Nariz Vermelho (Rudolph the Red-Nosed Reindeer, 1964)

O clássico natalino do SBT

Quem (com mais de 40 anos) não se lembra do clássico natalino A Rena do Nariz Vermelho? Muito reprisado nos primeiros anos do SBT (na época, ainda TVS), na década de 1980, era presença garantida nas programações de fim de ano da emissora. 



Para os mais novinhos que não pegaram essa tradição televisiva, A Rena do Nariz Vermelho é um especial da televisão americana, produzido em stop-motion pela Videocraft International, Ltd. (mais tarde conhecida como Rankin/Bass Productions) e atualmente distribuído pela NBCUniversal Syndication Studios.

Stop-motion ou quadro-a-quadro é uma técnica de animação que usa recursos de máquina fotográfica ou de computador. É o mesmo princípio da animação tradicional: vários frames com pequenas diferenças entre si, exibidos em alta velocidade para dar a impressão de movimento.

A Rena do Nariz Vermelho foi ao ar pela primeira vez em 6 de dezembro de 1964, na rede de televisão americana NBC, com patrocínio da General Electric para a General Electric Fantasy Hour.



O especial foi inspirado pela canção Rudolph the Red-Nosed Reindeer, de Johnny Marks. Mas a canção já era um clássico natalino muito antes de ser usada na animação. Havia sido composta em 1939 por Robert L. May (cunhado de Marks) e sua popularidade disparou em 1949, na gravação de Gene Autry.

Aqui no Brasil, o canal de Silvio Santos exibiu a animação pela primeira vez em 21 de dezembro de 1985. Como mostra a sinopse do Jornal do Brasil daquele dia: “Rudolph é uma rena que tem vergonha de seu nariz vermelho. Com dois amigos, se mete em mil aventuras e, graças ao nariz, consegue que Papai Noel chegue à sua cidade, apesar da forte nevasca.”

Mas o que pouca gente se lembra é que a animação já havia estreado na tevê brasileira alguns anos antes, ainda em 1979, na Rede Globo. Mas sem o cartaz que Silvio Santos daria no SBT. Tanto que a primeira exibição no Brasil, pela Globo, em 23 de dezembro de 1979, ao meio-dia, no Festival de Desenhos Inéditos, passou quase batida.

Já na TVS/SBT, o horário – às 21h30 – foi um tanto quanto ingrato (pelo menos para as crianças dos anos 1980), como observou Paulo A. Fortes em sua coluna Os filmes da TV, Jornal do Brasil, em 21 de dezembro de 1985: "Sentimentalismo também é o que não falta à Rena do Nariz Vermelho, desenho animado com bonecos, numa história natalina infantil. Pena que, neste horário, a criançada pequena já esteja na cama."

Em outubro de 1985, um anúncio grande do SBT na Folha de S. Paulo já antecipava os filmes adquiridos pelo canal e os especiais de fim de ano da emissora — incluindo A Rena do Nariz Vermelho — cuja audiência vinha crescendo.




Depois de sua estreia na tevê americana, em 1964, A Rena do Nariz Vermelho demorou 15 anos para chegar à tevê brasileira, em 1979. Mas só se popularizou de verdade por aqui quando foi exibido na TVS/SBT, em 21 de dezembro de 1985, com grande divulgação nos intervalos comerciais do canal.



A novidade é que a emissora de Sílvio Santos contratou o estúdio Elenco e as músicas ganharam versões em português, compostas por Mário Lúcio de Freitas. (Na exibição da Globo, em 1979, a dublagem era da Herbert Richers e as canções eram tocadas em suas versões originais em inglês, com legendas). 

Em 1976, foi produzida uma continuação para A Rena do Nariz Vermelho, intitulada O Ano Novo Brilhante de Rudolph (Rudolph's Shiny New Year), que estreou na tevê americana em 10 de dezembro de 1976 na ABC.

O especial A Rena do Nariz Vermelho é transmitido todos os anos desde 1964, tornando-se o especial de Natal de TV mais longo e contínuo nos EUA. No 50º aniversário do especial, em 2014, uma série de selos postais com Rudolph foi emitida pelo Serviço Postal dos Estados Unidos. Uma exposição especial também foi montada no Masterworks Museum nas Bermudas, onde os bonecos originais estão guardados.

Em 2004, o grupo Destiny's Child gravou uma versão pop da canção Rudolph the Red-Nosed Reindeer para a reedição de seu álbum 8 Days of Christmas, de 2001. Foi acompanhado por um vídeo feito em animação stop-motion, com cenas de arquivo da animação original, bem como novas cenas das integrantes da banda interagindo com os personagens originais.

Dois dos bonecos originais usados na produção (Papai Noel e Rudolph) foram vendidos em um leilão em novembro de 2020, por 368 mil dólares, para um colecionador desconhecido.

A partir de 1972, o especial passou a ser exibido pela CBS.



Com a morte do produtor Jules Bass, em outubro deste ano, 2022 é o primeiro Natal em que todos os criadores, escritores e produtores deste especial já estão mortos, assim como todos os principais dubladores. O encanto atemporal de A Rena do Nariz Vermelho, no entanto, permanece vivo.


14 dezembro 2022

Bem-vindo ao Lar, Bobby (Welcome Home, Bobby, 1986)

 Telefilmesquecidos #55


O adolescente Bobby (Timothy Williams), de 16 anos, é preso por posse de drogas em frente a um bar gay. Não, ele não é usuário de drogas, mas acabou envolvido, ingenuamente, em um mal-entendido.

A investigação que se segue revela que ele teve contato sexual com um homem de 35 anos. Quando a fofoca se espalha, seus colegas do colégio passam a evitá-lo e pedem sua expulsão da escola. Seu pai Joe (Tony Lo Bianco), um operário rústico e conservador, também o rejeita, enquanto sua mãe, Rose (Gisela Caldwell), tenta oferecer apoio.


O fato de ser bom aluno, premiado em matemática e membro da equipe de natação do ensino médio não impede que Bobby seja hostilizado. Seus únicos aliados são sua ex-namorada problemática (Nan Woods), um professor compreensivo (John Karlen) e um motoqueiro rebelde que abandonou os estudos (Adam Baldwin).



Bobby chega a se aconselhar com um padre. Tempos depois, tenta um relacionamento com um homem mais velho, mas a relação dá errado e torna tudo ainda mais difícil. Além de ter que lidar com preconceito e sentimentos de confusão sobre sua própria sexualidade, Bobby terá que enfrentar seus algozes e tentar achar seu caminho na vida, da forma mais dolorosa. 

Dirigido por Herbert Wise, austríaco de nascimento que se mudou cedo para a Inglaterra, onde teve uma prolífica carreira como produtor de televisão e diretor, ao longo de cinco décadas. Wise dirigiu também A Mulher de Preto (The Woman in Black, 1989), tema da postagem anterior aqui no blog.



O SBT (que na época ainda era TVS) tinha o dom de fazer as chamadas mais sensacionalistas e assustadoras para os filmes exibidos em sua programação. Sempre com a voz do locutor em tom dramático e apelativo. Especialmente na década de 1980 isso era notório. Silvio Santos reprisava os filmes ao extremo e as chamadas também eram exibidas em todos os intervalos comerciais.

Bem-vindo ao Lar, Bobby era um desses casos. A chamada me arrepiava, principalmente a cena em que Bobby coloca brincos e maquiagem para afrontar seu pai, em uma violenta discussão durante o jantar. Eu tinha 10 anos e entendia aquilo como algo ameaçador, extremamente “errado e proibido”.





Trata-se de um caso clássico de telefilme que marcou uma época muito específica, mas que caiu no obscurantismo, desapareceu da TV e da memória do público (provavelmente por ter se tornado bastante datado na abordagem das questões sexuais).

Quase não há informações sobre este telefilme na internet e as poucas disponíveis não são muito precisas ou detalhadas. No entanto, na época, apesar de simplório, o filme foi uma tentativa sincera de mostrar que aquele tipo de situação era uma realidade, apesar de ainda ser um tema tabu nos anos 1980.


Estreou na TV americana em 22 de fevereiro de 1986, pela CBS. No Brasil, estreou em 29 de setembro de 1989, no SBT, no famigerado Cinema em Casa (que na época era exibido à noite). Quase dez anos depois, após ser reprisado algumas vezes pelo SBT, o filme foi para a Rede Manchete.

O Globo, 29 de setembro de 1989



Em sua crítica para o jornal LGBT The Washington Blade, Noel Gillespie disse que o filme é "bem atuado, escrito de maneira inteligente e convincente, dirigido de maneira suave e desenvolvido de forma objetiva". Também elogiou Timothy Williams por tornar o personagem principal "atraente e crível e recebe forte apoio de um elenco excelente (...). O roteiro evita respostas prontas e situações que podem ser esperadas."

As colunas de sinopses dos jornais brasileiros não ajudaram muito: "O elenco, desconhecido, tenta dar algum sentido a este desarticulado drama sobre intolerância sexual, que atira em várias tramas paralelas." (Jornal do Brasil, 22 de julho de 1991).



Ao ser exibido pela Manchete, já na fase final da emissora, a sinopse foi bem simplista: "Rapaz de família surpreende os amigos, a noiva e os seus familiares, ao ser preso num clube para homossexuais". (O Globo, 21 de novembro de 1998).