Classificar um filme como uma cápsula do tempo pode reduzi-lo à simples evocação de uma época específica. Alguns filmes, mesmo antigos, mantêm um frescor e uma certa qualidade atemporal. Outros, pouco depois de lançados, tornam-se datados e obsoletos. É precisamente o caso de Skatetown U.S.A., do obscuro diretor William A. Levey.
Tudo no filme remete a 1979, seu ano de produção. Dos diálogos adolescentes e superficiais à moda dos patins, shortinhos minúsculos (tanto masculinos como femininos), sem esquecer, claro, da disco music. Mas a grande curiosidade desta pérola cult, esquecida pelo tempo, é Patrick Swayze, fazendo sua "grande" estreia no cinema. Acredite ou não, além de ótimo dançarino (coisa que não é novidade para ninguém), ele era também um excelente patinador. Tanto que dispensou dublês para viver Ace, o bad boy líder de uma gangue de patinadores de discoteca (!) no filme em questão.
Patrick Swayze em Skatetown U.S.A. |
Skatetown, na história, é uma roller disco gigante, onde uma fauna de excêntricos frequentadores (a maioria jovens) combina passos de dança com manobras avançadas de patinação. O filme foi lançado em outubro de 1979, no auge da febre americana dos patins. Pouco depois, a moda — de vida curta — se espalhou pelo resto do mundo.
Vale lembrar que a Disco Demolition — que iniciou o movimento Disco Sucks ["a disco é uma droga"] — tinha acontecido apenas dois meses antes. (Na segunda metade de 1979, um movimento de repúdio à disco music foi lançado nos EUA, no evento que ficou conhecido como Disco Demolition, no qual incontáveis pilhas de LPs com músicas de discoteca foram, literalmente, explodidos). Mas não importa. A moda das discotecas estava prestes a morrer, mas nem todos estavam cientes, na época. Muito menos a patota de Skatetown, que não estava dando a menor bola para isso e continuava curtindo a sobrevida das discotecas, agora também convertidas em rinques de patinação. Aliás, se tem uma coisa que reina no filme é a disco music.
A noite da Disco Demolition, em julho de 1979, que iniciou a repressão à disco music |
O embate do filme é entre Ace, o marrento-dono-do-pedaço, e Stan (Greg Bradford), o bonzinho-novo-no-pedaço. Os dois jovens galãs do filme garantem ótimos números de patinação. E só. Não espere diálogos (quase inexistentes no filme) ou uma história consistente. Aliás, todo o filme não passa de um grande pretexto para cenas de patinação e dança. Enquanto Ace e sua gangue se vestem com roupas de couro pretas, Stan usa uma apertadíssima camiseta rosa, exibindo seus músculos, e calça branca. A moda unissex era comum na época. Se fosse hoje, seria difícil não associar a imagem de Stan à de um gay. Até a música de seu número solo de patinação é, hoje, caricata: Macho Man, do Village People. Mas isso era fichinha, até porque ninguém estranhava homens usando lápis nos olhos, esmalte nas unhas, camisetas e shorts muitíssimo pequenos e justos, além de paetês nas roupas.
O bad boy Patrick Swayze (em cima) e o angelical Greg Bradford (embaixo) |
Mesmo o bad boy interpretado por Patrick Swayze, com seu figurino mais "sóbrio" (embora não menos caricato) fica difícil de ser encarado como um bruto encrenqueiro quando o ator começa a patinar e demonstrar sua leveza de bailarino profissional. Em seu número solo, até esquecemos de que ele é o bad boy do filme. Swayze foi bailarino ainda antes de se tornar ator e despontar como astro de Hollywood. Sentiu todo o peso do preconceito: "As pessoas pensavam que eu era gay", contou ele, quando já era famoso.
O filme é uma grande bobagem, mas daquelas irresistíveis, que a gente precisa ver para crer. Não apenas por ter sido a estreia de Patrick Swayze, mas pelo que ouso chamar de “o conjunto da obra”. É um misto de comédia juvenil e chanchada, que ora pende para um humor adolescente rasteiro, ora apela para uma ingênua banalização erótica. Nos atuais tempos politicamente corretos, muita coisa de Skatetown U.S.A. seria inconcebível. O filme é recheado de closes em bumbuns e peitos de espevitadas moçoilas em trajes apertadíssimos e minúsculos. Os jovens são retratados por meio de clichês típicos de filmes juvenis datados: a maioria dos rapazes são briguentos, conquistadores e machistas, enquanto as moças são "loiras burras" e oferecidas.
O pai do dono da roller disco e sua assistente |
O dono da roller disco Skatetown |
O exótico DJ que solta raios da mão |
O dono da roller disco (interpretado pelo comediante Flip Wilson) é um negro filho de um anão branco (Billy Barty, de Golpe Sujo). Sua assistente é uma espécie de paquita erótica. O DJ, conhecido como The Wizard ("o mago"), é uma figura não menos extravagante: um branquelo de bigode e peruca black power branca, que vez por outra lança raios laser direto de suas mãos, na pista de dança. Entre os frequentadores, um elenco de jovens que faziam sucesso na época, em séries de TV: Scott Baio (Happy Days), Maureen McCormick (The Brady Bunch) e Ron Palillo (Welcome Back, Kotter), só para citar alguns. Até a sensação do momento, a modelo Dorothy Stratten (assassinada pelo marido em 1980) faz uma constrangedora ponta. (Na vida real, ela havia acabado de ser eleita a Playmate da Playboy do mês de agosto de 1979, e também a Playmate do ano seguinte).
Scott Baio |
Ron Palillo |
Maureen McCormick |
A modelo Dorothy Stratten |
De tão apatetados, os frequentadores da Skatetown mais parecem fugitivos de um manicômio. Um deles é, literalmente, louco: um veterano da Guerra do Vietnã que ficou lelé da cuca (numa época em que era totalmente aceitável e engraçado fazer piadas com veteranos de guerra traumatizados). De acordo com Maureen McCormick (a Marcia Brady da série cult The Brady Bunch), que viveu Susan no filme, era comum o uso de cocaína durante as filmagens. Em seu livro Here's the Story: Surviving Marcia Brady and Finding My True Voice (2009), ela revelou: "Como era comum nas discotecas, havia muita cocaína rolando no set. Muitos usavam abertamente."
A trilha sonora é um deleite à parte, com todos os hits mais manjados daquele final dos anos 1970: Born To Be Alive (Patrick Hernandez), Boogie Wonderland (Earth Wind & Fire), Shake Your Body (The Jacksons), Disco Nights (G.Q.), Ain't No Stoppin' Us Now (Mcfadden and Whitehead), Ring My Bell (Anita Ward), Best of My Love (The Emotions) e Boogie Nights (Heatwave), entre outros.
O filme nunca chegou a ser lançado em vídeo ou DVD, provavelmente devido a impasses com direitos autorais, relativos ao uso da trilha sonora. São tantos os hits que, dificilmente, conseguirão regularizar tudo para comercializar o filme atualmente. O único motivo pelo qual poderia haver um possível interesse seria o fato de ter sido a estreia de Patrick Swayze. (Só vendo para crer).
Da esquerda para a direita: Maureen McCormick, Greg Bradford e Scott Baio |
Greg Bradford |
Da esquerda para a direita: Patrick Swayze, Scott Baio e Maureen McCormick |
Skatetown U.S.A. foi o primeiro filme de roller disco. Logo em seguida, foram lançados Roller Boogie (também de 1979) e Xanadu (1980). Nenhum deles obteve sucesso considerável, mas Roller Boogie é lembrado graças à presença de Linda Blair. Já Xanadu, desse trio, é o único que sobreviveu bem e permanece muito conhecido até hoje (não só pelo carisma de Olivia Newton-John como também pela trilha sonora de enorme sucesso). Só Skatetown U.S.A. caiu no limbo do esquecimento.
Nick Castle, um dos roteiristas do filme, tem um currículo curioso: interpretou Michael Myers (sempre de máscara) no primeiro Halloween (1978) e também dirigiu Dennis, o Pimentinha (Dennis the Menace, 1993), entre outros trabalhos.
No Brasil, Skatetown U.S.A. só estreou em abril de 1981, com o título Febre de Patins.
Gente ,esse filme deve ser maravilhoso kkkk vou procurar!!
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