Telefilmesquecidos #50
Como fica evidente pelo próprio título, são três mini-histórias, todas protagonizadas pela atriz Karen Black e escritas pelo prolífico Richard Matheson. Autor de inúmeros e memoráveis contos de terror e suspense, Matheson era um mestre em arquitetar situações assustadoras. As primeiras duas histórias (“Julie” e “Millicent and Therese”) foram adaptadas para a TV por William F. Nolan, enquanto a terceira (“Amelia”) foi adaptada pelo próprio Matheson.
Na primeira (“Julie”), Karen Black é uma tímida professora universitária que passa a ser chantageada por um de seus alunos, Chad (Robert Burton), após ter sido drogada e estuprada por ele. O rapaz a chantageia para que ela o obedeça sem restrição, sob ameaça de expô-la no campus. No entanto, ele logo vai perceber que mexeu com a mulher errada. A inesperada reviravolta no desfecho mostra que esse jogo sexual não é exatamente o que parece.
A segunda história (“Millicent e Therese”) usa uma fórmula manjada e nem tão surpreendente: duas irmãs que dão nome à história (ambas também interpretadas por Karen Black) se encontram em constante disputa e desacordo. Uma é recatada e reprimida, enquanto a outra é devassa e perversa. O Dr. Ramsey (George Gaynes) percebe que aquela batalha esconde mais do que uma simples rivalidade entre irmãs.
A terceira história (“Amelia”) é um clássico do terror e foi a responsável pelo sucesso do filme. Black interpreta uma mulher que compra um boneco africano que, segundo reza a lenda, contém a alma de um guerreiro selvagem da tribo Zuni. Quando ela acidentalmente desencadeia o espírito do mal que estava preso no boneco, ele ganha vida e a persegue com fúria e violência.
O bloco “Amelia” mostra que um filme de terror feito para a TV pode sim ser assustador, valendo-se da natureza básica deste gênero, em vez de ir pelo caminho dos banhos de sangue e das cenas explicitamente chocantes. Tanto que a luta entre Amelia e o boneco Zuni, que tinha tudo para cair no ridículo, tornou-se um dos maiores segmentos de terror na TV. Os efeitos especiais são primários, mas “Amelia” ainda é a sequência mais pesada, e a cena final cumpre o objetivo de assustar.
Fica claro que a inspiração para Trilogia do Terror veio dos filmes que a produtora Amicus vinha produzindo até então na Inglaterra. O foco aqui está no tormento psicológico (que aterroriza) e não propriamente no terror convencional ou nos sustos reais.
Dirigido por Dan Curtis, que emplacava um sucesso atrás do outro naquele período, à frente de séries e telefilmes. Produziu Pânico e Morte na Cidade (The Night Stalker, 1972), dirigiu A Noite do Estrangulador (The Night Strangler, 1973), Drácula, O Demônio das Trevas (Dracula, 1974), A Mansão Macabra (Burnt Offerings, 1976) e A Maldição da Viúva Negra (Curse of the Black Widow, 1977), entre muitos outros.
Trilogia de Terror é um prato cheio para fãs de Karen Black. O elenco se apoia sobre ela, que desempenha quatro papéis diferentes em três histórias. Mas Karen havia conquistado o posto de estrela do cinema antes de Trilogia de Terror. Em 1975 ela já era uma atriz respeitada e bem-sucedida. Só naquele ano, estava em dois filmes no cinema: Nashville (1975), de Robert Altman, e O Dia do Gafanhoto (The Day of the Locust, 1974), de John Schlesinger. Trilogia de Terror foi sua estreia em telefilmes. O filme recebeu críticas positivas, ganhou uma legião de admiradores e virou cult ao longo dos anos, em especial pelo enredo do bloco “Amelia”.
Os mais atentos também reconhecerão George Gaynes, o pai adotivo de Punky, do seriado Punky, a Levada da Breca (Punky Brewster, 1984-1988), exibido pelo SBT nas décadas de 1980 e 1990.
Trilogia de Terror foi ao ar pela ABC em 4 de março de 1975. Foi o piloto de uma série de histórias de terror no estilo de Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959-1964) que acabou não vingando. No Brasil, foi ao ar pela primeira vez em 18 de março de 1981, na Globo.
E aqui chegamos a um fato curioso. Quando o filme foi exibido pela primeira vez na televisão brasileira, a censura exigiu que o terceiro segmento ("Amelia") fosse totalmente cortado. Por conta disso, a Globo foi obrigada a mudar o título em português para Duas Histórias de Terror (o que fazia a palavra trilogia, do título original, ficar sem sentido). A coluna Filmes na TV, de Fernando Morgado, publicada na Folha de S. Paulo do dia 16 de março de 1981, deu destaque à polêmica estreia do filme na Globo:
Entre as sete estreias da semana, a que deverá despertar maior curiosidade é "Duas Histórias de Terror", que a Globo vai apresentar na noite de quarta-feira. O motivo do interesse ficará por conta de um aspecto extracinematográfico, que nada tem a ver com a qualidade ou falta de qualidade do filme, produção de TV, feita em 1974, na linha horrorífico-psicopatológica, com a atriz Karen Black interpretando quatro papeis diferentes, em episódios abordando temas de terror, sobrenatural, dupla personalidade, autodestruição, enfim, o habitual do gênero. A fita não é má, se comparada com o resto do que se vê na televisão.
A novidade e o absurdo estão no título nacional: "Duas Histórias de Terror". Acontece que o nome original é "Trilogia do Terror" e aí o leitor e o telespectador atentos vão perceber alguma coisa errada, pois como ninguém ignora, "trilogia" quer dizer trio, conjunto de três, para que fique bem claro. Teria o tradutor brasileiro se distraído tanto, a ponto de confundir três com dois? Afinal, trilogia não é palavra das mais comuns. Mas não foi isso que aconteceu. O que houve é que entrou em cena a primária aritmética da Censura brasileira e proibiu um dos episódios na televisão, até agora ninguém sabe por que, obrigando a empresa distribuidora do filme a alterar também a matemática do título, depois de mutilada uma obra que, independentemente de seu valor estético, cultural ou cinematográfico, passa a ser a mais recente vítima da burrice oficial cabocla, que cada vez mais vai deixando em todos a certeza de ser incurável.
Curiosidade: o boneco de “Amelia” voltou em Trilogy of Terror II (1996), sequência feita para a TV a cabo e mais uma vez dirigida por Dan Curtis.
Não confundir com Body Bags (1993), telefilme dirigido por John Carpenter e Tobe Hooper e lançado em VHS no Brasil com o título Trilogia do Terror.
Nenhum comentário:
Postar um comentário