Telefimesquecidos #63
Os Bennet são a típica família americana de classe média. O casamento não é exatamente feliz, mas sobrevive. Steven (Ted Danson) é um respeitável chefe de família, marido de Gail (Glenn Close) e pai atencioso da adolescente Amelia (Roxana Zal), de 13 anos, e Beth (Melissa Francis), de 11.
Mas a mãe não consegue entender por que Amelia tem andado deprimida e retraída. O pai, por sua vez, mostra-se excessivamente protetor com Amelia e até ressentido quando a menina dá os primeiros sinais de querer viver coisas comuns da adolescência.
Quando as notas de Amelia, que sempre foi boa aluna, começam a cair, a orientadora da escola suspeita que algo está errado. Ela traz Amelia à sua sala e, durante a conversa, a menina acaba se abrindo.
Amelia admitiu a origem de sua depressão: seu pai vem mantendo relações sexuais com ela, de tempos em tempos. Ao ficar sabendo, a mãe passa pela esperada raiva inicial e subsequente negação. Até constatar que, infelizmente, é tudo verdade.
O pai é aconselhado pelo serviço social a sair de casa. Do contrário, o juizado poderia levar as meninas. Amelia e a irmã ficam com a mãe. O pai vai morar em um hotel. Após algum tempo negando os fatos, ele é pressionado a admitir toda a verdade. Só assim a família terá uma chance de se tratar e se reestruturar. (Será?)
O filme jamais seria feito nos dias de hoje. O tema, extremamente sensível, não chegaria nem a ser cogitado. Mas vale lembrar: trata-se de um telefilme de 40 anos atrás. A maneira de se lidar com o abuso sexual (e de encará-lo) era bastante diferente.
O filme – reflexo da época em que foi feito – não trata o incesto como abuso diretamente, e sim como algo extremamente errado e condenável, mas que pode ser “consertado”. Isso dá uma pista de por que esse tipo de crime normalmente não era denunciado e levava a vítima a se achar “culpada”.
O roteirista William Hanley não apresenta o personagem de Ted Danson como um monstro, apesar da monstruosidade de seu comportamento. O que o telefilme busca mostrar é que o incesto não é exclusividade de pais violentos ou de famílias pobres e com baixa escolaridade.
Como relata a matéria O incesto em debate nos EUA, publicada na Folha de S. Paulo de 13 de janeiro de 1984 (quatro dias após a primeira exibição do filme na TV americana), “é um filme incômodo, pois o enfoque contraria a crença generalizada de que o incesto é praticado por alcoólatras e entre pessoas de baixo nível econômico.”
Não era muito comum que um jornal de grande circulação no Brasil como a Folha dedicasse espaço para comentar um telefilme americano que acabara de estrear nos EUA. Detalhe: ainda não havia nem a menor previsão de estrear na TV brasileira. Mas o tema foi tão ousado que a discussão veio parar aqui:
"Acompanhado por 60 milhões de pessoas, [o filme] tem provocado grande polêmica nos Estados Unidos. O motivo é simples: o tema — tabu intocável até há pouco tempo — vem sendo debatido há meses no país, bastante dividido a respeito, já que segundo estatísticas realizadas, calcula-se que entre dois e 15 milhões de mulheres tiveram relações incestuosas em sua juventude." (Folha de S. Paulo, 13 de janeiro de 1984)
A narrativa é conduzida com seriedade, mas a maneira como foi abordada não se sustentaria na sociedade atual. Apesar do desconforto, hoje, ao ver a complacência com que tudo foi tratado na história, o filme tem o mérito de não cair na armadilha fácil do sensacionalismo.
Para o público de hoje, o roteiro seria inaceitável, mas o elenco de primeira categoria contribuiu para o sucesso do filme, à época. Ted Danson estava no auge com o seriado Cheers (1982-1993). Vê-lo no papel do pai abusador em Paixão Doentia forma um contraste brutal com Cheers, em que tanto seu personagem quanto o programa eram extremamente populares e queridos.
Glenn Close ainda não era conhecida mundialmente, mas já era uma atriz de primeira linha. Pouco tempo depois, com o sucesso de Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987), tornou-se uma das maiores atrizes de sua geração.
Roxana Zal era um rosto conhecido na TV americana da década de 1980. A atriz começou cedo, aos 12 anos, e participou de vários seriados e telefilmes. Entre eles, o conhecido O Resgate de Jessica (Everybody's Baby: The Rescue of Jessica McClure, 1989).
Olivia Cole, sempre ótima, também faz uma participação pequena como a assistente social.
Telefilme de estreia da diretora Randa Haines, que já havia dirigido episódios de seriados de TV e casos especiais. Haines se tornaria conhecida dois anos depois, com Filhos do Silêncio (Children of a Lesser God, 1986), filme que recebeu cinco indicações ao Oscar e foi sucesso de público e de crítica.
Paixão Doentia recebeu oito indicações ao Emmy em 1984 e venceu em três categorias, Melhor Drama/Comédia Especial (Leonard Goldberg / Michele Rappaport), Melhor Atriz Coadjuvante (Roxana Zal) e Melhor Roteiro (William Hanley).
O filme também foi indicado a quatro Globos de Ouro e ganhou dois, de Melhor Minissérie ou Filme para Televisão e de Melhor Performance de Ator em Filme Feito para Televisão (Ted Danson).
Anúncio de estreia do filme na ABC (jornal New York Times, 9 janeiro 1984) |
Estreou na TV americana em 9 de janeiro de 1984, na ABC. Foi o programa de televisão mais assistido nos Estados Unidos na semana de 9 a 15 de janeiro de 1984.
Mas levou uns bons anos até chegar aqui. A estreia na TV brasileira foi em 21 de fevereiro de 1990, na Bandeirantes. O título brasileiro, no entanto, não tem nem de longe a sutileza do original.
Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1990 |
Paixão Doentia marcou época nos EUA. Curiosamente, suas oito indicações ao Emmy (três vitórias) e quatro indicações ao Globo de Ouro (duas vitórias) foram esquecidas há muito tempo, assim como o próprio telefilme.
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