24 maio 2020

A Iniciação de Sarah (The Initiation of Sarah, 1978)

Telefilmesquecidos #18

Há exatos 40 anos este telefilme clássico estreou na tevê brasileira. Exibido pela Rede Globo em 24 de maio de 1980, um sábado, na extinta sessão Primeira Exibição, logo depois da novela das 8 (Água Viva, na época). A Iniciação de Sarah tornou-se um daqueles campeões de reprise na tevê. Quem acompanha este blog sabe que menciono esse telefilme com certa frequência. Tanto que o nome do blog foi tirado de uma icônica fala do filme. O post de hoje é inteiramente dedicado a ele.



Impossível falar de A Iniciação de Sarah sem tocar em Carrie, a Estranha (Carrie), de Brian De Palma. Carrie descortinou um verdadeiro filão desde que estreou no cinema, em 1976. A partir de então, muitos filmes de terror valeram-se do mesmo mote da telecinesia (a habilidade de mover objetos por força paranormal, sem contato físico direto). Só em 1978 foram quatro longas: Jennifer (Jennifer), A Fúria (The Fury), Patrick (Patrick) e O Toque da Medusa (The Medusa Touch). E após o sucesso de Carrie no cinema, a televisão — sempre inclusiva no que diz respeito aos modismos — estava pronta para a combinação explosiva de telecinesia, angústia adolescente e vingança. Naquele mesmo ano de 1978, em 6 de fevereiro, o canal norte-americano ABC apresentou A Iniciação de Sarah.  


O diretor Robert Day, tarimbado na televisão, já tinha em sua lista diversos telefilmes, entre ele House on Greenapple Road (1970), Sortilégio (Ritual of Evil, 1970) e Caçada Mortal (Death Stalk, 1975), além de vários episódios de séries muito populares da época. Apesar de sua inspiração óbvia em Carrie, A Iniciação de Sarah, longe de ser uma cópia desleixada, é dirigido de forma admirável por Day. O roteiro adotou uma tática um pouco diferente do filme de De Palma e situou a personagem-título na faculdade, o que acabou fornecendo uma forte dose de 'empoderamento feminino', termo que ainda não existia naquela época. E Sarah, ao contrário de Carrie, é uma jovem madura, inteligente e consciente do mundo ao seu redor.

Boca Raton News, 6 de fevereiro de 1978

O filme garante o entretenimento do começo ao fim, principalmente devido ao ótimo elenco. Kay Lenz é a tímida Sarah, que vive na sombra da extrovertida irmã Patty (Morgan Brittany). Sarah é adotada e, embora ela e Patty sejam muito amigas e íntimas, ela se sente deslocada, acanhada. Entrar em Alpha Nu Sigma (ANS), a irmandade mais chique e bem conceituada do campus, significaria que as irmãs poderiam ficar juntas. Mas as esnobes e fúteis garotas da ANS, lideradas pela cruel Jenniffer Lawrence (Morgan Fairchild) olham para Sarah com desdém e sarcasmo. Patty, por outro lado, é recebida com entusiasmo por elas.



Sarah se candidata também à Phi Epsilon Delta (PED), a irmandade onde as descoladas, as "esquisitas", as nerds e as fora do circuito moram. O casarão da PED, triste e meio soturno, nem de longe tem o glamour da ANS. Como já era de se esperar, Patty é aceita em três irmandades, incluindo Alpha Nu Sigma. A única que aceitou de Sarah foi Phi Epsilon Delta.

Como caloura de Alpha Nu Sigma, Patty tem que passar por um teste de merecimento. Uma brincadeira cruel, espécie de trote. Jenniffer exige que Patty declare à Sarah, na frente de todos, no meio do campus, sua lealdade à ANS: "Manterei os altos padrões de Alpha Nu Sigma. Não comerei caminhando em público. Não vou me associar com PED — Porcos, Elefantes e Doninhas — em nenhum lugar."



Em inglês é pigs, elephants and dogs (porcos, elefantes e cachorros). Mas, para a dublagem em português na TV, precisavam encontrar um nome de animal começando com a letra d, que justificasse as iniciais PED. A solução foi substituir cachorros por doninhas. Daí a famosa frase "porcos, elefantes e doninhas", em uma das cenas mais memoráveis do filme. 

As garotas da PED são lideradas pela excêntrica Sra. Hunter (Shelly Winters, sempre ótima), que demonstra interesse imediato em Sarah. A Sra. Hunter também é conhecida por se interessar por bruxaria. Aos poucos, tenta atrair Sarah para esse universo, ao perceber que a garota possui habilidades sensoriais ocultas. A velha usa esses poderes para retomar a velha rixa existente entre PED e ANS, e Sarah se torna um joguete na disputa, que envolve vingança e bruxaria.



O filme tem muito a seu favor e, em grande parte, funciona porque os personagens oprimidos são carismáticos e empáticos. Tisa Farrow (irmã caçula de Mia Farrow) interpreta Mouse, uma jovem tão doce, recatada e melancólica que dá vontade de levá-la para casa. E ela faz jus ao apelido: parece mesmo um ratinho assustado. Em uma das melhores cenas, Sarah defende a amiga Mouse da crueldade sádica de Jenniffer Lawrence: "Assim que eu cheguei aqui, conheci você [Jenniffer] e achei bonita. Mas eu estava enganada. Sua única preocupação é ser popular. Todo mundo dá tudo a você! Não faz esforço para nada! Nem para fazer amizade. Não liga para o sentimento das pessoas, nao liga a mínima para nada a não ser sua aparência. Vou te dizer uma coisa, Jenniffer: um dia, talvez, essas garotas estúpidas que riem da sua crueldade vão enxergar você feia como é! E vão odiar você, virar as costas pra você. E não lhe restará nenhuma amiga!"


Atriz de fibra, Kay Lenz foi uma feliz escolha para o papel de Sarah. Embora tenha demonstrado seu talento nas telonas em Interlúdio de Amor (Breezy, 1973) — dirigido por Clint Eastwood — Moving Violation (1976) e A Casa do Espanto (House, 1986), Kay trabalhou principalmente na televisão. Ganhou dois Emmy Awards e várias outras indicações por papéis na TV. Mesmo atraente ela conseguiu, de fato, encarnar o “patinho feio”, o jeito tímido e retraído que muitas jovens têm enquanto tentam se encontrar no ambiente da faculdade. É ela quem consegue, sem planejar, reunir as meninas do PED de uma maneira que ninguém havia sido capaz antes. A personagem possui, de fato, uma força oculta que não depende de telecinesia ou de poderes paranormais. Sua incapacidade de manter seus poderes afastados é o que torna trágico o desenrolar e o consequente desfecho da história.



As duas Morgans do filme (Fairchild e Brittany) estavam igualmente ótimas. E ainda tem a grande Shelley Winters, que sabia, como poucas, interpretar senhoras cruéis e manipuladoras por trás da aparência insuspeita e até dócil. Robert Hays, o impagável piloto atrapalhado de Apertem os Cintos... O Piloto Sumiu! (Airplane!, 1980), ganhou em A Iniciação de Sarah seu primeiro papel de (certo) destaque, como o namorado de Jennifer Lawrence. (Para informações adicionais sobre Morgan Fairchild, ver o post sobre o telefilme Baseado Numa História Irreal).



No roteiro original, as garotas da irmandade eram transformadas em quadrúpedes. Mas os executivos da ABC relutaram diante da ideia e apontaram que essa e outras sequências envolvendo mais efeitos especiais estavam além dos custos da produção e das limitações de filmagem disponíveis na época.

Não é de se surpreender que o filme ainda tenha boa repercussão hoje — não apenas entre os telespectadores que tiveram a sorte de vê-lo pela primeira vez em sua exibição original, mas também entre os novos iniciados, que continuam a descobri-lo mais de quatro décadas depois. Eu o descobri em 1996, quando o gravei da Sessão Livre, exibida pela Bandeirantes, no começo da tarde. Foi "amor à primeira vista".


A Iniciação de Sarah chegou a ser lançado em vídeo em alguns países, inclusive aqui no Brasil, no final da década de 1980, pela Video Ban. Nos Estados Unidos, é um dos telefilmes mais cultuados dos anos 1970. E há uma razão para isso: a história é atemporal e as atuações ótimas. No geral, dá até para dizer que o filme envelheceu de forma mais do que digna. É claro que o visual pode parecer datado hoje, mas a mensagem de aceitação e a emoção da vingança não envelhecem.


Anúncio da Video Ban: A Iniciação de Sarah estava entre os destaques (revista Set)

Ganhou um remake homônimo em 2006, também para a TV, exibido em 22 de outubro daquele ano pela rede ABC. Apesar da participação de Morgan Fairchild, trata-se de um remake meio fajuto, pois aproveitou apenas pontos do telefilme original, mudando completamente a personalidade dos personagens e a história.

Jornal O Globo, 24 de maio de 1980

Jornal do Brasi, 24 de maio de 1980

Jornal Folha de S. Paulo, 24 de maio de 1980


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