Há exatos 25 anos Twin Peaks chegava à televisão brasileira. No domingo, 7 de abril de 1991, a Globo começou a exibir a série que havia se tornado a grande febre da tevê americana no ano anterior.
A crítica da Folha de S. Paulo (9 de abril de 1991) não poupou elogios, dizendo que a dosagem de tensão, excentricidade, trevas, sexo e humor era perfeita. "A avaliar pelo piloto da série, apresentado anteontem, essa combinação foi engendrada pelo diretor David Lynch com tal entusiasmo e sofisticação artística que simplesmente reduz a cinzas tudo o que antes se fez no terreno da soap opera".
A matéria de duas páginas que a Veja de 17 de abril de 1991 dedicou à série não foi menos elogiosa:
(...) Um programa estupendo, que subverteu os padrões da televisão americana ao apostar no sucesso de uma história enigmática, sombria, povoada de personagens bizarros, mas nem por isso menos fascinantes.
(...)
Uma outra novidade é a postura de David Lynch em relação a seus personagens. Sexo, drogas e algum tipo de rock 'n' roll social fazem parte de qualquer folhetim que se preze. A diferença é que, em Twin Peaks, não se julgam os personagens — apenas se expõe seu comportamento esquisitíssimo como se fosse a coisa mais natural do mundo.
A crítica da Veja foi bem acertada em suas avaliações e previsões:
Mesmo com o talento do diretor e com todos os ingredientes fabulosos da trama, é pouco provável que Twin Peaks repita, no Brasil, o sucesso alcançado nos Estados Unidos — depois do crime solucionado, Lynch esticou, a pedidos, a minissérie em mais doze novos episódios. (...) Importados a peso de ouro pelas redes brasileiras, seriados famosíssimos como Dallas, Dinastia ou Miami Vice também não conseguiram repetir aqui a carreira de sucesso que tiveram nos Estados Unidos e na Europa.
(...)
A explicação para esse fenômeno é bem mais simples que a trama de Twin Peaks. Há quarenta anos, a televisão brasileira vem produzindo seriados e novelas segundo uma linguagem própria, que é diferente da americana. (...). Mesmo que não venha a fazer um tremendo sucesso, Twin Peaks deixa pelo menos um legado importante. Em meio à maior crise de criação de toda a história da televisão brasileira, o seriado serve como um exemplo de que é possível fazer algo inteligente sem perder audiência. Basta ter talento.
A verdade é que, exibida aos domingos, depois do Fantástico, Twin Peaks sofreu bastante aqui no Brasil. Teve episódios reeditados pela Globo, erros de dublagem e vários cortes (inclusive de capítulos inteiros), para grande decepção do público brasileiro. (Mais informações no post que escrevi há quatro anos.)
Enquanto isso, nos Estados Unidos, a série se aproximava do fim. Pressionados pela ABC, David Lynch e Mark Frost foram obrigados a revelar a identidade do assassino no sétimo episódio da segunda temporada. A partir dali, o público perdeu o interesse e a série se perdeu, apoiada apenas em subtramas irrelevantes. Em junho de 1991, dois meses após ter estreado no Brasil, Twin Peaks chegou ao final nos Estados Unidos.
Jornal do Brasil (13 de junho de 1991) |
“Gosto da ideia de uma história contínua, que atrai a pessoa para um universo mais profundo. Entretanto, o assassino de Laura Palmer não era para ser descoberto. O objetivo era ter o mistério flutuando permanentemente sobre a ação”, declarou Lynch em 1997. “Assim que foi desvendado, algo se perdeu.”
Para deixar as coisas ainda mais confusas, o episódio piloto de Twin Peaks foi lançado em VHS no Brasil antes da estreia da série na Globo. Mas essa versão em VHS não corresponde exatamente ao primeiro capítulo como foi visto na tevê. Artur Xexéo explicou na crítica publicada no Jornal do Brasil de 4 de outubro de 1990: “O vídeo que a Warner está colocando à disposição das locadoras nacionais traz basicamente o piloto de 105 minutos que lançou o programa na [emissora] ABC. Mas ele não termina como um primeiro capítulo de novela. David Lynch filmou algumas cenas adicionais para dar uma sensação de conclusão a esta versão em vídeo. Mas nada em Twin Peaks é muito conclusivo. Nem quando David Lynch quer.”
A Veja de 17 de outubro de 1990 também trouxe uma resenha do lançamento: "Ocorre que o Twin Peaks do vídeo lançado agora no Brasil guarda pouco do encanto da série americana. Ele é uma adaptação do piloto da série, feito para exportação, em que a história resulta sem pé nem cabeça. O que nos Estados Unidos foi contado em um piloto e seis capítulos, no vídeo é resumido de forma atabalhoada. Enquanto os americanos passaram dois meses se perguntando sofregamente "Quem matou Laura Palmer" — a personagem-chave da trama —, diante do vídeo fica-se logo sabendo quem é o assassino, só que não se tem a menor ideia do motivo do crime. A fita serve apenas para se ter uma ideia do estilo inovador de Lynch.”
O VHS lançado no Brasil pela Warner |
O Guia Especial 1994 (editora Azul, 1994), da revista Set, por sua vez, deu crédito ao lançamento da fita: “A versão em vídeo traz o episodio piloto com um final diferente, misturando o famoso sonho do agente Cooper (do capítulo três) com cenas inéditas, um desfecho falso e incompreensível. Ainda assim, um programa obrigatório — principalmente para os fãs que tiveram de aturar, na TV brasileira, uma dublagem e uma tradução simplesmente escabrosas.”
O guia Vídeo - O Dicionário dos Melhores Filmes (Nova Cultural, 1995), também reconheceu o mérito da fita, mas concluiu: “É provavelmente um filme para amar ou odiar. Não tente entender o final, que faz parte de episódio posterior.”
Em 1992 David Lynch lançou o longa Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer (Twin Peaks: Fire Walk With Me), que também não desvendou nenhum mistério. Pelo contrário, acrescentou outros. Mas mostrou com detalhes o que não podia ser mostrado na tevê: a última semana na vida de Laura, que culminou em seu brutal assassinato. Mas, ao contrário da série, o filme foi um fracasso. Talvez por ter sido lançado após o fim da série, quando não havia mais o interesse do grande público e Twin Peaks já havia perdido o fôlego. Ou então por ser incompreensível para quem não acompanhou o seriado. (Até para quem viu a série, o filme não é facilmente digerível.)
“No entanto, trata-se de um excelente exemplar da obra de Lynch, contendo todos os elementos marcantes de seu universo particular. Recheado de passagens de sonhos, personagens estranhos, ambientes bizarros e imagens bastante perturbadoras, a narrativa é intrigante e misteriosa. O elenco todo trabalha um pouco acima do tom, beirando o exagero, algo que se torna bastante funcional no conjunto, a fim de constituir quase uma realidade paralela na fictícia cidade de Twin Peaks.” (Fernanda Teixeira, “Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer”. David Lynch - O Lado Sombrio da Alma. CAIXA Cultural Brasília, janeiro de 2015)
Felizmente as novas gerações que pegaram a era do DVD desde cedo não passaram pela frustrante experiência de ter que esperar anos para poder assistir à Twin Peaks na íntegra. Em 2004 a Paramount lançou um box com a primeira temporada e, em 2007, outro box com a segunda e última. Com isso, quem estava esperando desde 1991 (como foi o meu caso) para desvendar o mistério de Laura Palmer pôde, finalmente, respirar aliviado.
Edições especiais da série foram depois lançadas em outros boxes de DVDs e blu-ray. Para 2017, a tão esperada terceira temporada de Twin Peaks deve se tornar realidade, 26 anos após seu último episódio. As filmagens já estão em andamento, mas nada se sabe ainda sobre os detalhes dessa nova safra.
Com todo o burburinho que a nova temporada vem causando nas redes sociais, a editora Globo pegou carona no revival da série e relançou O Diário Secreto de Laura Palmer, livro escrito por Jennifer Lynch, filha de David Lynch. Lançado originalmente em 1991 pela Globo Livros, o Diário se tornou um ícone entre os adolescentes dos anos 1990 e agora ganhou também versão digital. É o relato, em primeira pessoa, dos acontecimentos marcantes da vida de Laura desde os 12 anos até os dias que antecedem sua morte. Não desvenda o mistério da série. Serve como complemento. "É melhor do que se poderia esperar de um texto escrito às pressas, no embalo do sucesso de uma série de TV." (Folha de S. Paulo, 26 de maio de 1991)
O Diário em 1991 e a reedição atual |
A série segue com uma enorme legião de fãs fieis, tanto antigos como novos, tornando-se cultuada desde então. Mas a resposta para a pergunta "Quem matou Laura Palmer" ainda intriga muita gente. David Lynch, à sua moda surreal, justifica: “Em Hollywood, toda história é compreendida em seus mínimos detalhes. Mas a vida real é extremamente complicada, então deveria ser permitido aos filmes essa mesma complexidade.”
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Em tempo: O Igor Leoni, do site Twin Peaks Brasil, lembrou que a TV Record também exibiu a série, mas na íntegra, de 1993 a 1995. E ainda foi exibida no extinto canal a cabo TeleUno (que se tornou AXN a partir de 1999).
Ótimo texto Daniel. Mas pq teve que esperar até o lançamento em DVD para desvendar o mistério de Laura Palmer? A Record reprisou a série completa umas duas vezes, de 93 a 95. Eu inclusive assisti por lá, em 91 eu era muito pequeno. Mas lembro dos meus pais reclamando dos cortes da Globo.
ResponderExcluirValeu, Igor! Lembro da época da reprise na Record, mas não sei por quê a Record não pegava direito lá em casa naquela época rsrs (e com isso, quando fiquei sabendo da reprise, já estava quase na metade, não me animei). Quando assisti à versão da Globo, so entendi uma parte do mistério. Com tantos cortes e capítulos faltando, não dava pra entender mesmo. Mas foi ótimo poder ver tudo direitinho no DVD, sem cortes e em inglês.
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