09 abril 2021

O surdo-mudo (Dummy, 1979)

Telefilmesquecidos #38

"Esta é uma história verídica. A história de Donald Lang, um surdo-mudo analfabeto, pego no pesadelo de um julgamento criminal ímpar. Mas poderia ser a história de qualquer um de nós, se nos encontrássemos isolados em um mundo sem som ou linguagem". Assim o narrador da história nos dá uma ideia do que virá, já nos primeiros segundos da abertura de O surdo-mudo. O narrador é o ator Paul Sorvino, que interpreta o advogado Lowell Myers.


Em Chicago, o jovem Donald Lang, negro, 20 anos, surdo, analfabeto e criado nos guetos, é detido e acusado de ter assassinado uma prostituta. Impressionado com a situação sui generis de isolamento e solidão de Donald, além da falta de evidências concretas contra o jovem, Lowell assume o caso. Lowell também é surdo, mas é oralizado (sabe falar) e também sabe a Língua de Sinais Americana. A partir daí, o filme, por meio da narração em off do advogado, vai reconstituindo o passado do réu, desde sua infância até seu trabalho como carregador e descarregador de caminhões. 



Lowell conclui que Donald é inocente e vítima de uma infeliz conjunção de circunstâncias contra as quais achava-se impotente, por sua impossibilidade de se comunicar. O promotor tenta impedir o processo, considerando Donald incapaz, mas Lowell quer levar seu cliente ao tribunal, pois, se for considerado incapacitado, Donald passará o resto da vida atrás das grades, sem merecer um julgamento justo. O júri, porém, resolve internar Donald no Departamento de Saúde Mental para recuperar-se. 

LeVar Burton como Donald Lang

Paul Sorvino como Lowell Myers

Durante três anos, Lowell luta incansavelmente para obter o direito de julgamento para seu cliente, fazendo com que Donald seja alfabetizado e aprenda a língua de sinais. Apesar das tentativas e esforços, Donald não conseguiu progredir no aprendizado. Finalmente, cinco anos após o crime, o Supremo Tribunal de Illinois concede a Donald Lang acesso ao tribunal do júri. Nesse meio-tempo, o rapaz boa-praça e inocente que ele era converteu-se, após anos de confinamento e humilhação, em um adulto antissocial, revoltado e rancoroso. Afinal, ele é inocente ou culpado?


Excelente no papel de Donald Lang, LeVar Burton (o Kunta Kinte jovem da minissérie Raízes) prende a atenção do telespectador ao longo de todo o filme sem proferir uma única palavra. Algo que só um ator extremamente talentoso e carismático como ele poderia imprimir com veracidade, mesmo sendo jovem e com relativamente pouco tempo de experiência na profissão. Paul Sorvino no papel do advogado surdo também garante uma atuação acima da média.




O caso real de Donald Lang atraiu enorme atenção na época em que ocorreu nos EUA, em 1965, e se arrastou por vários anos. Em 1974, Ernest Tidyman, respeitado escritor e roteirista norte-americano, publicou a história de Donald Lang no romance-reportagem Dummy, com base nos fatos apurados do caso. Tidyman também escreveu o roteiro para o telefilme, baseado em seu livro. No Brasil, o livro foi lançado com o título O Condenado, pela Nova Época Editorial, também em 1974.


Ernest Tidyman transcreve a fala de Lowell Myers, na reta final do livro: “Senhoras e senhores do júri, este foi um caso longo e complicado, mas os senhores foram todos muito pacientes. Foi um dos casos mais incomuns jamais levados aos tribunais, e se vierem algum dia a fazer um filme deste caso, ninguém acreditaria. Pensariam que se tratava de ficção, inventada por alguém.”

A própria orelha do livro já instiga: “Donald Lang tinha vinte anos de idade, era pobre, negro, completamente analfabeto — e surdo e mudo. Não podia falar, escrever, ler lábios ou compreender mímica. Era um problema legal sem precedentes: Como poderia o acusado se defender se não podia sequer se comunicar? Atônita, a corte designou o único homem que seria capaz de defender o acusado — um advogado hábil, tenaz, determinado, chamado Lowell Myers. Myers também era surdo.”

Importante ressaltar que o termo “surdo-mudo”, embora ainda seja muito usado por leigos, está errado, é pejorativo e não deve ser utilizado. Como explica o site libras.com.br: “Não é correto dizer que todo surdo é surdo-mudo. A maioria dos surdos têm as cordas vocais em perfeito funcionamento”. O site guiaderodas.com complementa: “A surdez não acarreta nenhuma perda no aparelho fonador, e são mínimos os casos de pessoas com problemas auditivos que não emitem qualquer tipo de som.”  Ou seja, o termo certo é surdo e não surdo-mudo. O surdo é capaz de emitir som e de aprender a falar (embora não possa ouvir a própria voz).


O título original em inglês, Dummy, é hoje um termo igualmente rechaçado para se referir a pessoas surdas. Entre os diversos significados e conotações, o dicionário Merriam-Webster traz as seguintes definições para dummy: a. (datado, ofensivo): pessoa que é incapaz de falar; b. pessoa que é normalmente calada; c. pessoa estúpida, bobalhona. Em outro sentido, dummy também pode significar imitação ou cópia de algo usado como substituição, como um manequim ou boneco, por exemplo.

Chamar um surdo de mudo é depreciativo e ofensivo, mas na época em que o livro e o telefilme foram lançados (década de 1970) ainda era comum e aceitável. O blog Lee & Low explica: 

Hoje, os sinônimos de “dummy” incluem “cabeça de vento”, “estúpido” e “idiota”. Em circunstâncias convencionais, essas palavras não promovem sentimentos positivos para ninguém na sociedade, muito menos para aqueles que são surdos. Como resultado, a comunidade surda não usa mais a palavra “dummy”. Eles também adquiriram uma visão muito mais negativa dos termos “surdo-mudo” e “mudinho”, especialmente porque a maioria das pessoas surdas pode aprender a falar.

Na edição em português do livro, a denominação Dummy, como Donald Lang é chamado no original em inglês (ele era conhecido assim na vida real), foi traduzida como “Bobão”. O próprio autor justificou a escolha proposital da palavra dummy, em nota no livro:


Tanto o telefilme quanto o livro se encerram com a constatação do advogado Lowell Myers: “Bem pode ocorrer que um dia o caso de Donald Lang seja levado à Corte Suprema dos Estados Unidos. Bem pode ocorrer que as acusações contra ele sejam retiradas. Donald Lang nada sabe sobre esses assuntos. Leva as suas mensagens e dirige o seu cortador de grama. É um homem que trabalha, que age. Um dia, talvez — se não for tarde demais — pode ser encontrado um meio para libertá-lo da prisão, do confinamento solitário no qual tem sido forçado a passar toda a sua vida.”



Dirigido por Frank Perry, cujo currículo inclui Enigma de uma Vida (The Swimmer, 1968), O Massacre dos Pistoleiros (Doc, 1971) e Mamãezinha Querida (Mommie Dearest, 1981), O surdo-mudo estreou na TV americana em 27 de maio de 1979, na CBS. No Brasil, foi exibido pela primeira vez em 28 de fevereiro de 1981, na Globo.


Nos jornais brasileiros, as colunas de filmes da TV da época foram positivas. Paulo Perdigão, do jornal O Globo, escreveu: “Vigoroso e comovente drama feito para a TV. Relato competente e expressivo da solidão humana e das injustiças sociais” (O Globo, 28 de fevereiro de 1981). Fernando Morgado, da Folha, também reconheceu: “Elogiado drama de televisão, baseado num caso real, com história diferente e dizem que realizada com garra e alta voltagem." (Folha de S. Paulo, 28 de fevereiro de 1981). Já Hugo Gomez, do Jornal do Brasil, foi moderado: "Obra típica de TV, de relativa empatia" (Jornal do Brasil).

Desde 1971 (quando estava com 26 anos), Donald Lang viveu confinado em instituições para doentes mentais e prisões, passando por testes periódicos para avaliar sua capacidade de ser julgado. Mas o sistema nunca conseguiu achar uma solução para o caso de Donald, que faleceu no Chicago-Read Mental Health Center, instituição de saúde mental de Chicago, em janeiro de 2008, aos 63 anos de idade.

Donald Lang

O advogado Lowell Myers


Um comentário:

  1. eu assisti esse filme estou procurando para assistir novamente. só não estou conseguindo.

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