Eu tinha 10 anos quando um vendedor ambulante de discos bateu na porta lá de casa. (Sim, naquela época ainda era comum vendedores baterem de porta em porta oferecendo enciclopédias, perfumes, roupinhas de bebê, toalhas bordadas, livros, discos, mapas-múndi etc.).
Foi pouco antes do Natal de 1989 que um desses vendedores bateu lá em casa, oferecendo discos natalinos (e também aqueles discos infantis com historinhas). Minha mãe acabou comprando o LP Mamãe, Feliz Natal, que trazia um simpático e sorridente Papai Noel na capa, com os votos de Feliz Natal em várias línguas, para os quatro cantos do mundo. Buon Natale, Joyeux Noel, Fröhliche Weihnachten, Merry Christmas.
Durante aquele período de Natal, esse LP foi tocado lá em casa à exaustão. Nos Natais seguintes ainda voltou a ser tocado, mas com o passar dos anos, foi ficando esquecido. Entretanto, a imagem da capa do LP, assim como a da contracapa, ficaram durante muito tempo em minha memória afetiva. (Quase uma década atrás fiz um post aqui sobre lembranças trazidas por capas de LPs antigos.)
O disco se deteriorou, mofou, enfim, foi deixado de lado. Outro dia, ao remexer em um armário (daqueles onde entulhamos coisas que passam décadas esquecidas), me deparei com o tal disco do Papai Noel. Canções de Natal são sempre batidíssimas e causam até enjoo nesta época do ano, em que são tocadas sem parar em tudo que é canto. Mas a sonoridade desse LP ficou muito marcada pra mim. Dei uma olhada na capa e, claro, viajei no tempo. Resolvi dar uma pesquisada para tentar saber mais sobre aquele obscuro — porém tão marcante — álbum. Ei-lo:
Trata-se, na verdade, de um LP do harpista Sílvio Solis, lançado originalmente em 1979 pela CID (Cia Industrial de Discos). Eu só o conhecia pelo nome e foto na contracapa do LP. Nunca ouvi falar, nem antes e nem depois. "De onde será esse homem? Será que ainda está vivo?", me perguntei. E fui fazer a típica busca no Google. Descobri algumas informações básicas, mas não há praticamente nada sobre ele. Pouquíssimas informações.
Silvio Solis, nascido no Paraguai, aprendeu a tocar harpa (e violão) com alguns dos melhores professores deste instrumento tão tradicional no Paraguai e na América do Sul. (O que, para mim, com o perdão da ignorância, foi novidade). Para quem não é familiarizado com as tradições latino-americanas, pode ser surpresa descobrir que a harpa é muito popular em vários países da região.
Silvio Solis |
A harpa, imortalizada pelo músico e intérprete paraguaio Luís Bordon (1926-2006), é o instrumento nacional do Paraguai, e parte integrante da música do país desde o século XVI. Uma pessoa carregando uma harpa na rua não é algo incomum por lá. Tanto que existem várias fábricas de harpa na capital, Assunção. Silvio Solis foi um dos primeiros a levar essa tradição para outras partes do mundo, com suas interpretações de guarânias, polcas, e galopas, típicas de sua terra natal.
Solis, que tem cidadania americana, toca harpa profissionalmente desde os 15 anos. Mais do que isso, também passou a fabricar seus próprios instrumentos depois de adulto. A harpa não é fácil de ser transportada, razão pela qual o harpista paraguaio decidiu se tornar um luthier (profissional que constrói e conserta instrumentos musicais de forma artesanal), abrindo uma oficina em seu apartamento em Elmhurst, bairro predominantemente hispânico do Queens, em Nova York.
O harpista já se apresentou na Casa Branca, no Kennedy Center, Nações Unidas, no Lincoln Center, embaixadas em Washington DC e celebrações dos governos local e estadual.
A título de curiosidade, a CID (selo pelo qual o "disco do Papai Noel" foi lançado) era também responsável pela prensagem dos famosos LPs e compactos infantis coloridos e transparentes da marca Carroussel. Nos anos 1970, a gravadora se especializou em lançar coletâneas de sucessos internacionais em versões cover a preços populares. Nos anos 1980, a CID se consolidou como gravadora e assumiu a estratégia de popularizar o LP. Vários artistas brasileiros em início de carreira também tiveram álbuns lançados pelo selo.
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