13 maio 2023

6 esquisitices do underground italiano

Na segunda metade dos anos 1970, uma penca de derivados do cinema exploitation brotava a torto e a direito. A Itália foi um terreno fértil para esse tipo de produção. 

Eram filmes obscuros, geralmente apelativos, com muita violência, sexo (não explícito) e assuntos controversos, produzidos sem muita preocupação artística e com baixíssimo orçamento.

Um tipo de cinema transgressor, no qual excentricidades e esquisitices eram retratadas sem nenhum tabu. Nada era "doido" o bastante nesses filmes do underground italiano, muitos dos quais desafiam os limites do "aceitável".

Alguns obtiveram certo sucesso na época, outros caíram no esquecimento total e permanecem obscuros. Por incrível que pareça, dos seis que separei aqui, dois foram lançados em VHS no Brasil e podiam ser encontrados nas videolocadoras do país.

Arrisque-se por sua própria conta:


Bestialità / Dog Lay Afternoon (1976)

Direção: George Eastman e Peter Skerl

Com: Philippe March, Juliette Mayniel, Enrico Maria Salerno 


Uma jovem testemunha a mãe fazendo sexo com o cachorro da família. Quando o pai descobre, queima o cachorro vivo. A jovem fica tão traumatizada que, mais tarde, se transforma em uma ninfomaníaca. Muda-se para uma ilha e passa a morar lá com seu próprio cachorro, fazendo sexo com vários convidados que a visitam. Maluquice pouca é bobagem.

O doberman usado no filme é do próprio roteirista, George Eastman. O título em inglês (Dog Lay Afternoon, algo como “tarde de trepada com o cão”) é um trocadilho infame com Dog Day Afternoon (1975), Um Dia de Cão, filme que havia feito grande sucesso na época, estrelado por Al Pacino.

Escrito e codirigido por George Eastman (nome artístico de Luigi Montefiori), também conhecido como o sujeito que come as próprias entranhas em O Antropófago (Antropophagus, 1980).


L'immoralità (1978)

Direção: Massimo Pirri

Com: Lisa Gastoni, Howard Ross, Karin Trentephol 


Este é para estômagos fortes. Federico é um assassino pedófilo procurado pela polícia. Ferido durante uma fuga, é acolhido por Simona, uma menina precoce de 11 anos, que o esconde nos arredores da propriedade onde mora.

A garota se apaixona e os dois vivem um estranho caso, interrompido por Vera, a mãe deprimida e sexualmente compulsiva de Simona. Vera e Federico armam um plano para matar o marido de Vera, recluso e preso a uma cadeira de rodas.

O tipo de história que nem seria cogitada nos dias de hoje, muito menos realizada! Tudo no filme é desconfortável. Talvez por isso seja difícil se afeiçoar aos personagens. Mesmo assim, o diretor Massimo Pirri conduz o longa como um thriller cheio de camadas psicológicas (e patológicas), mas sem descambar para o trash.

Surpresa mesmo é a participação do veterano Mel Ferrer nesta produção obscura. A atriz Karin Trentephol, que interpretou Simona, tinha 12 anos quando fez o filme. Na cena de sexo, foi substituída por uma dublê mais velha.


A Freira Assassina (Suor Omicidi / The Killer Nun, 1979)

Direção: Giulio Berruti

Com: Anita Ekberg, Alida Valli, Joe Dallesandro


Com esse título, o filme só podia mesmo ser italiano e dos anos 1970! Uma freira que trabalha em um sanatório fica paranóica e viciada em heroína e morfina, após a retirada de um tumor no cérebro.

Nesse emaranhado de vício e loucura, abusa dos pacientes, mantém relações sexuais com estranhos que caça em bares, além de relações sexuais lésbicas com outra freira. De quebra, ainda pratica toda sorte de maldades.

Os pacientes do hospital acabam mortos e tudo indica que seja por obra da tal freira alucinada, claro. O filme, pessimamente dirigido e com atuações canastríssimas, tenta se valer de elementos de giallo, mas de forma pobre. Tosco e cheio de tipos caricatos, parece um delírio alucinógeno. Acabou virando cult, mas permanece obscuro. 

Basta ler a crítica de Rubens Ewald Filho publicada na revista Video News (fevereiro de 1987), quando a fita foi lançada em VHS no Brasil:





Buio Omega / Beyond the Darkness (1979)

Direção: Joe D'Amato

Com: Kieran Canter, Cinzia Monreale, Franca Stoppi 


Frank Wyler é um órfão rico de vinte e poucos anos. Mora com sua governanta Iris em uma suntuosa villa no campo. Iris cuidou de Frank desde que os pais do menino morreram em um acidente, quando ele ainda era pequeno. Porém a relação que se desenvolveu entre Iris e Frank é bastante bizarra e doentia, para dizer o mínimo.

Mas Frank pretende se casar com o grande amor de sua vida, Anna. Iris fica possessa de ciúme. Tanto que recorre a um feiticeiro vodu e lança uma maldição sobre Anna, que acaba morrendo.

Inconformado, Frank desenterra a namorada e a "recompõe", como um animal empalhado, colocando-a na cama da mansão. A partir daí, passa a buscar uma substituta para Anna. Em outras palavras, sai matando jovens mulheres e as descarta com a ajuda da governanta.

Os familiarizados com o terror italiano underground e infame dos anos 1970 provavelmente já conhecem o diretor Joe D'Amato. Buio Omega (que ganhou títulos como Beyond the Darkness e Buried Alive fora da Itália), é uma de suas obras mais conhecidas. O longa é um remake de O Terceiro Olho (Il terzo occhio, 1966), outro filme de terror italiano.

Apesar de seu orçamento limitado, o filme é bem construído e funciona bem, por incrível que pareça. Mas parece extrapolar os limites do que pode ser mostrado na tela: mutilação, necrofilia, canibalismo, cenas de tortura detalhadas e outros tabus com efeitos sangrentos bastante convincentes, que chegam a incomodar.


Trhauma (1980)

Direção: Gianni Martucci

Com: Gaetano Russo, Domitilla Cavazza, Roberto Posse


Vou deixar o Rubens Ewald Filho descrever o filme, em sua crítica sobre os lançamentos em VHS do mês, na revista Video News (fevereiro de 1987):

“Imitação de todos os filmes sobre psicopatas e assassinos que atacam pessoas isoladas (tipo Sexta-feira 13). No caso, é uma casa de campo elegante, que um casal construiu na cidade natal do marido. Os convidados formam uma turma pouco simpática (há a lésbica, a modelo ambiciosa etc.) que vai sendo dizimada até o final absolutamente previsível.”

Enfiaram um h na palavra trauma, provavelmente para dar um "tchan". O filme começa com dois meninos brincando. Um deles é cego de um olho e parece um pouco mais lento. O outro, mandão, diz ao deficiente que se ele não subir na árvore não será mais seu amigo. Ele obedece, sobe e cai da árvore. O outro foge. 

Anos depois, um grupo de amigos vai passar um fim de semana em uma casa de campo. O menino deficiente já está crescido e começa a matar os convidados um a um. (Teria a queda da árvore prejudicado seu desenvolvimento mental? Pois ele ainda brinca com bloquinhos de Lego). Mas alguém está por trás de tudo isso.

A trama não é muito interessante, há pouco suspense, muita briguinha e personagens vagando aleatoriamente. Quem também resumiu bem foi Coventry, usuário do site Internet Movie Database, em seu comentário de 1º de abril de 2019: “No final das contas, não passa de um péssimo filme de terror amador com orçamento zero, feito e estrelado por um bando de desconhecidos. (...) Devido ao orçamento inexistente, as sequências de assassinato ocorrem fora da tela ou são de dar pena. (...) A atuação, direção, edição e cinematografia são horrendas, mas assista caso esteja interessado em testemunhar o final mais idiota da história do terror."

Embora tenha sido lançado em VHS em toda a Europa, partes da Ásia e até aqui no Brasil (pela Look Video), o filme nunca foi lançado nos EUA.

Não confundir com o italiano Trauma (Trauma, 1993), de Dario Argento, ou o alemão Trauma (Trauma, 1984), de Gabi Kubach, ou ainda com o espanhol Trauma (Violación fatal, 1978), de León Klimovsky, nem com o inglês Trauma (House on Straw Hill / Exposé, 1975), de James Kenelm Clarke. Haja trauma!


Patrick vive ancora / Patrick Still Lives (1980)

Direção: Mario Landi

Com: Sacha Pitoëff, Gianni Dei, Mariangela Giordano


“Sequência” (só que não) do filme australiano Patrick (1978), de Richard Franklin, no qual um rapaz em coma usa seus poderes de telecinese para matar pessoas. Logo de cara, o tal Patrick do título é atingido por uma garrafa na cabeça, jogada por um motorista desconhecido que passava de carro. (Apesar do mesmo nome, não tem nada a ver com o personagem do filme Patrick, de 1978).

Patrick entra em estado permanente de coma. Seu pai, um médico com um parafuso a menos, convida um grupo de visitantes para seu sofisticado resort. E usa os poderes de telecinese do filho em coma para matar os potenciais suspeitos que levaram seu rebento àquele estado vegetativo.

A primeira metade do filme é meio arrastada. Do meio para o final, o entretenimento melhora. As mortes são as mais estrambóticas possíveis. O filme é de segunda, mas acaba atraindo pelo nível de maluquice da história absurda. Aliás, nesse tipo de filme italiano, nada precisa fazer muito sentido. Basta juntar um monte de excentricidades e bizarrices em um enredo (?) deliciosamente inverossímil e pronto: diversão garantida.

04 maio 2023

Clube para Mulheres (For Ladies Only, 1981)

Telefilmesquecidos #56

John (Gregory Harrison) é um jovem aspirante a ator que chega a Nova York com grandes sonhos. Como já era de se esperar, os sonhos do bonitão se mostram muito difíceis de realizar. Afinal, ele é só mais um na multidão em busca de sucesso e reconhecimento na cidade grande.

Mesmo assim, ele batalha. Apesar dos esforços, no entanto, a carreira de John não avança. Até que ele faz amizade com Stan (Marc Singer), que lhe diz que há muito dinheiro a ganhar tirando a roupa.

John então se junta a Stan no ClubMax, um clube onde homens fazem striptease para mulheres. E se torna o grande sucesso da casa, ofuscando o próprio Stan, cujo vício em álcool e cocaína o leva rapidamente para baixo.


Gregory Harrison

Marc Singer

Como, segundo o dito popular, não se pode ter tudo na vida, a fama de John como stripper pode matar suas esperanças de se tornar um ator sério. 



Entre as mulheres que cruzam o caminho de John, há uma jovem atriz (Dinah Manoff), uma professora experiente (Viveca Lindfors) e uma esposa infeliz abandonada pelo marido (Louise Lasser). Curiosidade: Patricia Davis Reagan, filha do então presidente dos EUA, Ronald Reagan, fez sua estreia na TV em Clube para Mulheres. Ela interpretou Sandy, secretária meio fria de uma agência, que acaba demonstrando interesse por John e se tornando sua amiga.

Lee Grant


Patricia Davis 

A história pode não ser surpreendente, mas o filme é honesto e consegue manter o interesse do telespectador. As atuações são muito boas, apesar dos shows exagerados e risíveis — e já bastante datados — dos strippers.




Embora extremamente inocente para os padrões de hoje, Clube para Mulheres é mais ousado do que se poderia esperar de um telefilme. Serviu de vitrine para Gregory Harrison, que também é coprodutor e até escreveu algumas canções (cafoninhas) para o filme. Harrison é um rosto popular da TV americana, tendo feito inúmeros filmes, telefilmes e seriados desde a década de 1970.

Gregory Harrison

Escrito por John Riley e Charles Hairston, Clube para Mulheres foi bem dirigido por Mel Damski, com centenas de telefilmes e seriados em seu currículo de diretor, incluindo O Resgate de Jessica.



Clube para Mulheres foi ao ar na tevê brasileira pela primeira vez no Cinema em Casa, do SBT, em 5 de abril de 1989. Na ocasião, o filme foi transmitido no novo dia da sessão, uma quarta-feira à noite. (Como todos sabem, o SBT vivia mudando o dia e o horário de seus programas).


A estreia na tevê americana havia sido oito anos antes, em 9 de novembro de 1981 no canal NBC. 


As sinopses dos jornais brasileiros destacavam a presença da "filha do presidente" no telefilme, sempre com sutis alfinetadas: 

"Telefilme em que atua a filha de Ronald Reagan, Patricia Davis, o que pode ser um acontecimento político ou social, mas não levará a ninguém esperar por uma obra-prima." (Folha de S. Paulo, 12 de fevereiro de 1990)

"Patricia Davis, filha do ator presidente Ronald Reagan, faz aqui seu debut. Por falta de convite melhor, talvez." (Jornal do Brasil, 3 de dezembro de 1991)

Claro que o SBT reprisou o filme inúmeras vezes, no começo da década de 1990, tanto na faixa da noite quanto na faixa da tarde. Mesmo assim, permanece um telefilme pouco (ou nada) lembrado hoje em dia.