25 fevereiro 2024

Chanchada italiana na discoteca com John Travolta e Cicciolina?

John Travolto... da un insolito destino (1979) 

No drama chileno Tony Manero (2008), dirigido e escrito por Pablo Larraín, Raúl Peralta (Alfredo Castro), um homem de 50 e poucos anos, é fascinado por Tony Manero, o icônico personagem interpretado por John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever, 1977). A história se passa em 1978, quando Os Embalos e a febre das discotecas estavam no auge. A obsessão de Raúl é tamanha que ele pretende vencer, a qualquer custo, um concurso de imitadores de Travolta na TV. E isso o leva também a revelar seu lado psicopata.

É verdade que essa incursão pouco usual no universo do personagem de John Travolta ganhou contornos bem sombrios no longa chileno. Em nada remete ao clima colorido e dançante de Os Embalos de Sábado à Noite, que John Badham dirigira três décadas antes.

Mas lá no final da década de 1970, quando a moda das discotecas dominava os quatro cantos do planeta e John Travolta era o ídolo máximo, todos queriam ser um pouco Travolta. Os homens o imitavam e as mulheres o cobiçavam. Vários filmes tentavam pegar carona na onda das discotecas e no sucesso de Os Embalos.


A edição da revista Veja de 30 de agosto de 1978 trazia uma extensa matéria, de quatro páginas, sobre a “ travoltecamania”:


(...) À semelhança do enredo do filme [Os Embalos de Sábado à Noite] — onde John Travolta vive um balconista suburbano transformado em rei quando entra na pista de dança para dançar —, organizam-se concursos de dança com prêmios tão valiosos como viagens à Europa ou reluzentes automóveis. (...) A febre atingiu tal temperatura que até o poeta Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe uma crônica, na terça-feira da semana passada. Mas, afinal, de que maneira o vírus da “Travolteca” (como prefere chamar Drummond) se instaurou no organismo da juventude? (Joaquim Ferreira dos Santos e Luiz Henrique Fruet)


Anúncio da revista Dancin' Days (O Globo, 6 de agosto de 1978)

Um filme italiano de 1979, no entanto, foi às últimas consequências e arranjou um ator que fisicamente lembrava muito o Travolta original daquela época. O enredo da comédia era o mais simplório possível: o tímido e desajeitado Gianni (Giuseppe Spezia) trabalha como cozinheiro em um hotel bacana. Ele passa seu tempo livre na discoteca local (chamada, não por acaso, de John's Fever), olhando de longe a DJ do clube, Illona (Ilona Staller), por quem tem uma paixão platônica.

Os amigos do rapaz (que também são seus colegas de trabalho no hotel) só pensam em se requebrar na discoteca e querem que ele deixe de ser tão medroso e se apresente a Ilona. Mas sua timidez e total falta de jeito na pista de dança o impedem.




Um dia, ao fazerem uma piada e desenharem bigode e óculos em um pôster do John Travolta, os amigos galhofeiros de Gianni percebem que ele é simplesmente a cara de John Travolta, apesar do bigode e do visual careta. A partir disso, empreendem uma força-tarefa para deixar Gianni (o equivalente italiano de “Johnny”) descolado e ainda mais parecido com John Travolta.







Mas a turma não se contenta só com isso: quer que Gianni aprenda a dançar e participe de um concurso de dança na discoteca, para impressionar Ilona e se declarar a ela. Mas será que aquele sujeito totalmente desengonçado vai conseguir tal proeza?





Esta paródia de Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever, 1977), escrita por Neri Parenti, foi também sua estreia como diretor. Na Itália ele é mais conhecido como diretor de cinepanettone (filmes de comédia exibidos na época do Natal).




O título original do filme em italiano — John Travolto... da un insolito destino [John Travolto... por um destino insólito] — é uma brincadeira com o nome de outro filme italiano, Travolti da un insolito destino nell'azzurro mare d'agosto (1974), de Lina Wertmüller, que poderia ser traduzido como “levada por um destino insólito no mar azul de agosto”. No Brasil, ficou Por um Destino Insólito. Ganhou remake estrelado por Madonna em 2002, Swept Away, que aqui foi Destino Insólito.


Curiosidade: em italiano, travolta é o particípio passado do verbo travolgere, que pode significar "rolar", "deslizar" e "atropelar", mas também tem sentido figurado de "ser arrebatado", "varrido", "impressionado". Além disso, travolta é feminino e singular, enquanto sua forma masculina é travolto.

Digressões à parte, a palavra insólito do título se aplica bem a este filme com ares de chanchada na discoteca. Lançado em maio de 1979 — apenas um ano e meio depois da estreia de Os Embalos de Sábado à Noite — caiu rapidamente no esquecimento, com a ressaca deixada pela disco music, que culminou em seu repúdio, iniciado na segunda metade de 1979. (Mas lá na Itália a disco music ainda teve uma sobrevida que durou até o começo dos anos 1980, embora no resto do mundo já fosse uma “onda passada”.)

No filme John Ttravolto...da un insolito destino, os próprios personagens vão ao cinema assistir a Os Embalos de Sábado à Noite. A semelhança física de Giuseppe Spezia com o próprio John Travolta é, de fato, impressionante. E naquela época, não só os concursos de dança eram comuns nas discotecas do mundo todo, como também concursos de sósias de Travolta, muitos deles transmitidos pela TV (como no filme Tony Manero, citado na abertura deste post).




Foi o único papel de Giuseppe Spezia, que costumava aparecer na TV italiana no final dos anos 1970 como sósia italiano e imitador de John Travolta.

Mas a curiosidade maior em relação ao elenco desta fuleira comédia italiana é Ilona Staller, cuja personagem tinha o mesmo nome da atriz. Para quem ainda não ligou o nome à pessoa, trata-se de ninguém menos que a peituda Cicciolina.

Na época ela ainda não era conhecida fora da Itália. Aliás, Ilona Staller é seu nome de batismo. Na verdade, ela é uma húngara que se naturalizou italiana após se casar e se estabelecer na Itália, ainda na década de 1970. A partir de 1973, ganhou fama com seu programa de rádio chamado Voulez-vous coucher avec moi?, para o qual adotou o nome Cicciolina, que a transformaria em ícone da indústria pornô (e da “pornopolítica”) na década seguinte.




Voltando à comédia em questão, John Ttravolto...da un insolito destino é conhecido por uma penca de diferentes títulos em inglês, como Runaround, Travoltomania, John's Fever, John Travolto, The Face with Two Left Feet e The Lonely Destiny of John Travolto. (Como um filme tão modesto pode ter tantos títulos diferentes?)


E um bônus: para quem curte músicas “obscuras” do cinema italiano, a canção Baby I Love You, que faz parte da trilha sonora, foi composta pelo pioneiro da disco music italiana, Giancarlo Meo, juntamente com Claudio Simonetti, do Goblin — grupo italiano de rock progressivo conhecido por compor trilhas para os clássicos de Dario Argento, Profondo Rosso (1975) e Suspiria (1977). A faixa foi gravada pelo Easy Going, grupo formado por três DJs italianos, e obteve considerável sucesso local.


Easy Going

Um último aviso: não espere nenhuma canção dos Bee Gees neste filme. A trilha sonora — de centavos — contém pastiches baratos de disco music. O tipo de canastrice que agrada a quem curte o gênero (eu me incluo nesse grupo). 




18 fevereiro 2024

Entre para Morrer (Dying Room Only, 1973)

 Telefilmesquecidos #70

Voltando para casa depois das férias, Bob Mitchell (Dabney Coleman) e sua esposa Jean (Cloris Leachman) param em um motel empoeirado e deserto à beira da estrada. A lanchonete do lugar, nada convidativa, só tem duas pessoas: o rude cozinheiro Jim Cutler (Ross Martin) e um cliente de jeito cínico, Tom King (Ned Beatty).

O casal entra para beber algo e logo sente a hostilidade dos dois homens. Apesar do clima tenso, o casal se senta, na esperança de fazer um lanche. Enquanto Bob vai ao banheiro, a esposa usa o telefone do bar. Quando ela volta, o marido está desaparecido. Tudo indica que ele sumiu logo após entrar no banheiro.



Aflita com a falta de informações e com o descaso dos dois homens do bar, Jean se desespera e ameaça avisar à polícia. Mas vê, da janela do bar, o carro do casal indo embora. Os dois homens tentam convencê-la de que o marido a deixou ali e simplesmente foi embora sozinho. 



Assim começa o pesadelo de Jean, que tenta convencer o xerife local (Dana Elcar) de que há algo muito errado ali. Pior: ela está sendo vítima de algum tipo de complô. A administradora – nada confiável – do motel, Vi (Louise Latham), também não faz nada para ajudar.


Dirigido pelo experiente Phillip Leacock, que também dirigiu para a TV Quando Michael Chama (When Michael Calls, 1972) e Ponto de Interrogação (Baffled!, 1972), entre outros tantos. 

Roteiro de Richard Matheson, baseado em seu conto homônimo, publicado na edição de outubro de 1953 da revista Fifteen Detective Stories. Após o sucesso de Encurralado (Duel, 1971), dirigido por Steven Spielberg — com roteiro que Matheson também adaptou de seu próprio conto — era inevitável que o prolífico autor escrevesse mais filmes para TV naquele estilo.

Embora nenhum desses projetos subsequentes tenha alcançado o mesmo sucesso de Encurralado, vários deles estão entre os mais populares da TV americana da década de 1970: Pânico e Morte na Cidade (The Night Stalker, 1972), A Noite do Estrangulador (The Night Strangler, 1973), O Grito do Lobo (Scream of the Wolf, 1974), Trilogia do Terror (Trilogy of Terror, 1975) e vários outros, além de episódios marcantes do seriado Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959-1964).

A história é envolvente e o elenco é enxuto e muito bom, mas o filme pertence a Cloris Leachman. A ex-Miss Chicago de 1946 (e vice-campeã do Miss América) tornou-se uma das atrizes mais queridas e populares da TV americana graças à sua personagem Phyllis, no clássico seriado Mary Tyler Moore (1970-1977), que ganhou depois série própria. Participou também de inúmeros telefilmes, sem falar em sua carreira no cinema. Dominava com maestria tanto o drama quanto a comédia. Ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu trabalho em A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show, 1971).

O filme Breakdown: Implacável Perseguição (Breakdown, 1997), protagonizado por Kurt Russell, tem enredo bastante semelhante ao de Entre para Morrer. A diferença é que o marido procura a esposa que desaparece no meio do deserto.

Entre para Morrer estreou na TV americana em 18 de setembro de 1973, pela ABC. No Brasil, a primeira exibição foi em 7 de dezembro de 1975, na Globo. Depois disso, foi reprisado nas madrugadas da emissora. No começo dos anos 1980, andou pela Record. Já no começo dos anos 1990, estava na Manchete.

A coluna Filmes na TV, da Folha de S. Paulo, assinada por Fernando Morgado, trazia na edição de 7 de dezembro de 1975: "Entre Para Morrer, suspense feito para a televisão, chega com muitos elogios dos Estados Unidos, com argumento de autoria de um mestre do ‘dia-a-dia-fantástico’, Richard Matheson, o mesmo de Encurralado.”

Foi lançado em VHS nos EUA e, mais tarde, em 2010, ganhou edição em DVD, da Warner Archive Collection.