No showbizz, o sucesso é algo árduo e delicadíssimo — e, por isso mesmo, muito almejado. A linha que o separa do fracasso é tênue e difícil de ser mantida. Seja na TV, no cinema ou na música, inúmeros são os casos de artistas talentosos que atingiram o ápice e, logo em seguida, estavam por baixo. Mas engana-se quem pensa que isso só acontece com iniciantes. Mesmo entre artistas experientes e consagrados, é comum conhecer o sucesso retumbante em um ano e, no seguinte, o desprezo imposto por um fracasso. Como diz o ditado, "o sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão".
Como o foco deste post é a música, reuni seis exemplos de cantores ou grupos que conseguiram sucesso mundial com hits pelo mundo todo e que, de um ano para o outro, foram praticamente banidos das paradas de sucesso ou não conseguiram chegar nem perto dos êxitos anteriores. Alguns desses artistas recuperaram o sucesso posteriormente. Outros, extinguiram-se gradativamente. De um jeito ou de outro, todos são muito talentosos e bem conhecidos. Vale lembrar que o fato desses álbuns terem sido fracassos comerciais não significa que não possam ter seus méritos.
Elton John - Victim of Love (1979)
O 13° álbum da admirável carreira de Elton John é totalmente diferente de qualquer coisa que ele já tenha gravado. Pouco conhecido do grande público, foi um retumbante fiasco. Lançado em uma época difícil na carreira de Elton, Victim of Love é aquele trabalho que tanto os fãs como o próprio artista preferem ignorar. O LP anterior, A Single Man (1978), não fizera o megasucesso que seus álbuns faziam até meados anos anos 1970, mas também não chegou a fazer feio. A canção de maior destaque foi, curiosamente, a instrumental Song for Guy. Mas 1978 foi o auge da febre disco que assolou o planeta e Elton não queria ficar para trás. Em 1979, o mundo ainda vivia a onda disco, apesar de ela já mostrar sinais de declínio. Mesmo assim, Elton não quis perder o bonde.
No livro Elton John - A Biografia (Companhia Editora Nacional, 2011), o autor David Buckley explica: "Cercado pela música disco, era simplesmente natural que alguém tão observador das tendências da época quanto Elton John fizesse a sua tentativa. Infelizmente, o resultado foi um desastre. Gravado no Musicland, em Munique, e no Rusk Sound Studios, em Hollywood, e lançado em outubro de 1979, tudo no álbum Victim of Love foi equivocado. Da capa terrível, passando pelas fotos promocionais que exibiam o implante de cabelo malsucedido de Elton, às musicas de duração exageradamente longa, que mal saíam da primeira marcha, o álbum foi um projeto bem-intencionado que morreu na praia."
Talvez Elton tenha chegado um pouco atrasado para surfar na onda disco, ou então, simplesmente, seu estilo não se adaptou ao novo movimento. Trata-se de um LP atípico na carreira do cantor e compositor: é o menor deles, com apenas 36 minutos. O autor de sua biografia explica novamente: "Elton chamou Pete Bellote, produtor britânico que vivia em Munique, para produzir o álbum. Bellote havia trabalhado com Giorgio Moroder em alguns compactos de Donna Summer, incluindo o clássico de 1977 I Feel Love, uma fusão entre o som do Kraftwerk e o soul americano. Contudo, Elton disse que dessa vez não queria se envolver no processo de composição. Isso acabou sendo o tendão de Aquiles do álbum, pois, por mais que Bellote tenha tentado, ele não conseguiu reunir o tipo de material adequado para o estilo e a voz de Elton. As sete faixas — seis compostas em colaboração com Bellote mais uma regravação de Johnny B. Goode — fizeram Elton parecer um convidado no álbum de outra pessoa. As críticas foram as piores possíveis. Stephen Holden, da Rolling Stone, concluiu que o álbum "não teve um único suspiro de vida". Colin Irwin, da Melody Maker, escreveu: "Esse álbum não pode de forma alguma ser apenas considerado um tédio. Há momentos em que ele é completamente insuportável."
Nenhuma turnê foi feita para divulgar Victim of Love, e nenhuma de suas faixas sequer chegou a ser tocada em shows por Elton.
James Taylor - Flag (1979)
Em 1977, James Taylor estava em ótima fase. Além dos vários sucessos que havia emplacado ao longo daquela década, JT, seu LP naquele ano, trazia um de seus maiores hits: Handy Man, além de outros como Your Smiling Face e Secret O' Life. O álbum seguinte foi Flag, lançado em maio de 1979. Era o nono da carreira do cantor e compositor. A julgar pela trilha de sucessos anteriores, era de se esperar que Flag continuasse naquele bem-sucedido caminho. Mas não foi o que aconteceu.
O álbum foi mal recebido, apesar de ter gerado um hit com a versão cover que o cantor fez para Up on the Roof, composta por Gerry Goffin e Carole King e gravada originalmente pelo conjunto The Drifters no começo da década de 1960. Mas Flag, no geral, foi considerado um disco confuso. Incluía ainda outra versão cover, Day Tripper, dos Beatles, que também passou batida. O crítico Stephen Holden, da Rolling Stone de 28 de junho de 1979, detonou: "Se JT [o LP anterior] trouxe o tipo de pessoa refinada, sexy e bem-humorada que todos queríamos conhecer, Flag removeu o glamour e deixou à mostra a essência endurecida de um forasteiro hostil. Nenhuma das novas canções tem a sagacidade irresistível de Handy Man ou o delicioso prazer irônico de Secret O' Life. Em vez disso, Flag oferece o sombrio autorretrato de um deprimido crônico carregando nas costas seu problema com as drogas, pois Taylor acumula, incansavelmente, outros medos a seu próprio desespero."
Chic - Real People (1980)
Fundado pelo guitarrista Nile Rodgers e pelo baixista Bernard Edwards, o Chic foi um dos grupos de maior sucesso da chamada era disco, na segunda metade da década de 1970. O álbum de estreia, em 1977, trazia dois grandes sucessos, Everybody Dance e Dance, Dance, Dance. O segundo LP, C'est Chic (1978), representou o auge da carreira do grupo, com seu maior hit, Le Freak. Foi o único compacto da Alantic Records a vender 6 milhões de cópias e um dos dois únicos que chegaram ao topo da parada de sucessos da Billboard três vezes. E o álbum ainda tinha I Want Your Love, outro grande sucesso. Em 1979, o LP Risqué trouxe mais um hit eterno, Good Times. Até aquele ano, o Chic já havia lançado sete compactos de ouro (1 milhão de cópias), seis de platina (2 milhões de cópias), três de platina dupla e um de platina tripla. Isso só nos Estados Unidos, sem contar o resto do mundo, onde haviam vendido o dobro daquela quantia. Mas na segunda metade de 1979, foi declarada uma espécie de "caça às bruxas" para a disco music.
"Tudo começou com uma brincadeira de um DJ de uma rádio local que havia sido demitido depois que a rádio deixou de tocar rock e passou a tocar disco, o que acabou virando um movimento chamado Disco Sucks [a disco é uma droga]", explica Nile Rodgers em seu excelente livro Le Freak - Autobiografia do Maior Hitmaker da Música Pop (Zahar, 2015). De repente, a irresistível febre que havia tomado conta do mundo tornara-se execrável e devia ser violentamente combatida. "Era como se estivéssemos em uma lenda gótica cheia de elfos, dragões, cavaleiros e reis", conta Nile em sua autobiografia. "Um grupo continuava a sujar o trono sob a autoridade sombria da disco (a música de negros, gays, mulheres e latinos), enquanto o outro grupo tentava devolver o trono ao legítimo governante (os brancos)."
Em junho de 1980, o Chic lançou seu quarto álbum, Real People. Mas o grupo tornara-se uma espécie de bode expiatório do movimento Disco Sucks e passara a representar tudo que deveria ser varrido da face Terra, em termos de música. Assim, apesar de conter alguns compactos dignos de lembrança como Rebels Are We e 26, o LP, em comparação ao sucesso dos dois anteriores, foi praticamente nulo. "O movimento Disco Sucks havia sido tão tóxico que as pessoas da própria indústria — que estavam vendendo um monte de discos de dance music — tinham medo de ser associadas com qualquer coisa relativa à disco (...)."
O curioso é que Nile e Bernard, a talentosa dupla de músicos/compositores/produtores, produziam, paralelamente ao Chic, outros artistas de sucesso como Diana Ross (cujo álbum de 1980, Diana, foi o mais vendido da carreira da cantora) e Sister Sledge (com os hits We Are Family e He's The Greatest Dancer, de 1979, entre outros). O grupo acabou se separando poucos anos depois, mas Nile Rodgers tornou-se um dos maiores produtores de música pop, tendo ressuscitado a carreira de David Bowie com o álbun Let's Dance (1983) e alavancado a de Madonna com Like a Virgin (1984), só para citar dois entre as dezenas de exemplos.
Bee Gees - Living Eyes (1981)
Outro exemplo de grupo que foi severamente boicotado pela própria indústria que o havia elevado à categoria de sensação mundial, os Bee Gees também sofreram na pele a repressão à disco music no comecinho dos anos 1980. Seu 16° LP, Living Eyes, lançado em outubro de 1981, foi a pá de cal na vasta carreira de hits do trio. Mesmo tentando se desvencilhar do rótulo da discoteca, o grupo não conseguiu emplacar com seu novo álbum. As vendas mundiais não passaram de 750 mil cópias, um número pífio se comparado aos 16 milhões que seu disco anterior, Spirits Having Flown, vendera em 1979. Isso sem falar na trilha sonora de Saturday Night Fever (1977), a mais vendida da história na época.
Living Eyes foi o último disco do grupo lançado pelo selo da RSO Records (que seria adquirido pela Polydor e depois extinto). O boicote à disco music continuava forte e muitas rádios simplesmente não estavam tocando os álbuns dos Bee Gees em 1981. A faixa-título do LP foi a escolhida para a divulgação do novo trabalho, mas passou em branco.
Os próprios Bee Gees consideraram o LP fraco, por ter sido gravado sob pressão de sua gravadora, numa época em que o grupo precisava repensar sua direção. Em 1984, Barry Gibb, o líder do trio, admitiu: "Estávamos, obviamente, com medo de Living Eyes. Não era o tipo de álbum que deveríamos ter lançado naquele ponto. Era mais melancólico, não tinha muita energia. Mas estávamos tentando mudar, nos distanciar dos falsetes e fazer algo um pouco diferente. Sabíamos dos riscos quando o fizemos."
Resultado: a carreira do grupo deu uma estagnada e os irmãos Gibb passaram a trabalhar em projetos solo ou produzindo outros artistas. O álbum Guilty (1980), de Barbra Streisand, é um bom exemplo dessa época. Tornou-se o disco mais vendido da carreira da cantora. Os Bee Gees só conseguiriam recuperar seu prestígio como grupo muitos anos depois.
Kim Carnes - Voyeur (1982)
Stephen Thomas Erlewine, do site AllMusic (também conhecido como All Music Guide ou AMG), disse sobre Kim Carnes e o álbum Voyeur: "O problema com o sucesso é continuá-lo". O crítico ressalta ainda que Kim teve grande dificuldade de alcançar o sucesso de Mistaken Identity (1981), seu LP anterior, que trazia o hit Bette Davis Eyes, maior sucesso de sua carreira e premiado como música do ano pela Billboard em 1981.
Voyeur é o sétimo álbum de Kim Carnes, descrito por ela como "mais consistente" que seu anterior. Não só a gravadora, EMI, como os críticos, esperavam que seria um LP de sucesso imediato, como seu antecessor. Pop/rock caprichado, pós-new wave, muitos sintetizadores casados com melodias que tinham tudo para emplacar. Lançado em setembro de 1982, Voyeur recebeu críticas contraditórias, com algumas em sua defesa e outras que afirmavam que ele não fazia jus ao padrão de sucesso alcançado com Mistaken Identity, que havia sido nomeado a álbum do ano no Grammy Award e foi um dos maiores discos de 1981.
Mas Voyeur não teve o mesmo destino. O álbum não causou grande impacto e acabou ficando perdido no meio do caminho, apesar de Kim ter consolidado seu prestígio como cantora e compositora ao longo da década de 1980.
Blondie - The Hunter (1982)
No final dos anos 1970 e início dos 1980, o Blondie ganhou as paradas de sucesso mundo afora e se destacou como um dos pioneiros nos gêneros new wave e punk rock. Fundado pela vocalista Debbie Harry e seu marido, o guitarrista Chris Stein, o grupo emplacou vários sucessos entre 1977 e 1981. O auge foi o LP Parallel Lines (1978), com um dos maiores hits da banda: Heart of Glass. Os álbuns seguintes, Eat to the Beat (1979) e Autoamerican (1980), também vieram recheados de hits e consolidaram ainda mais o prestígio do Blondie. Mas The Hunter, o álbum seguinte, lançado em maio de 1982, acabou fracassando. Não fez nem a metade do sucesso dos anteriores. Era o sexto LP do grupo e se tornou o último daquele período.
The Hunter era um álbum levemente conceitual, de acordo com o release da gravadora, na época. A música de trabalho escolhida foi Island of Lost Souls, que não causou impacto. Curiosamente, a faixa foi regravada em 1990 por Mara Maravilha com o título Na Ilha dos Sonhos Perdidos, e foi incluída em seu LP Deixa a Vida Rolar, daquele mesmo ano.
A temática predominante nas canções de The Hunter era a procura, a busca e a caça. Mas comparado aos três discos anteriores do Blondie, todos produzidos por Mike Chapman, The Hunter foi uma grande decepção, tanto para a crítica quanto para o público. Seis meses após seu lançamento, a banda se dissolveu. O grupo só voltaria a gravar em 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário