10 julho 2020

Nem só de luz vive um sucesso

Filmes nem sempre permanecem na memória coletiva do público como seus diretores gostariam. Alguns longas só são lembrados por um detalhe específico, seja uma cena marcante e icônica ou a canção-tema. É o caso de Luz da Minha Vida (1977), vítima  desse fenômeno. A maior parte do público nem sequer se lembra de que esse filme não só existiu como também justificou a existência do tema musical homônimo (You Light Up My Life, no original).



Vamos à história: desde pequena, Laurie (Didi Conn) se apresenta em pequenos shows locais de humor, animando festinhas, orientada por seu pai, o comediante Si (Joe Silver). O único sonho de Si é ver a filha seguir seus passos. Mas Laurie não leva o menor jeito para a coisa. Sua real vocação é cantar e atuar. No entanto, para não desapontar o dedicado pai, que a criou sozinho, Laurie sujeita-se a fazer os batidos e sem graça números de comédia stand up dirigidos por ele. Paralelamente, grava jingles para campanhas publicitárias e faz pequenos bicos.


Até o dia em que conhece Chris Nolan (Michael Zaslow) em um bar, totalmente por acaso, e se rende a seus galanteios. O simpático (e insistente) sujeito lhe rouba um beijo e os dois acabam passando a noite juntos, na casa de Chris. No dia seguinte, a vida volta ao normal: meio sem jeito, Laurie confessa que é noiva e está de casamento marcado, agradece a noite e despede-se de Chris. Mesmo interessado em Laurie, ele é obrigado a se conformar. Cada um segue seu caminho.



O pequeno fato serve de gatilho para Laurie se questionar sobre como tem conduzido sua vida. Além de se arrastar em uma rotina profissional que não é a que ela deseja, seu noivado com o treinador de tênis Ken (Stephen Nathan) também é desprovido de empolgação e de desejo real. E Laurie sente que sua vida pode estar descambando para o caminho errado.

Dias depois, Laurie aparece em um estúdio para gravar uma música e descobre que Chris é diretor de cinema. Uma oportunidade inimaginável surge para Laurie. Como teste, ela grava sua música em um estúdio profissional pela primeira vez, com acompanhamento de orquestra e tudo. Chris e a equipe se impressionam com a qualidade do trabalho de Laurie. É quando ele sugere que ela poderia também atuar no filme que ele está prestes a dirigir. E agora, o que fazer? Agarrar a rara oportunidade e dar adeus aos sonhos do pai? Desfazer o noivado, às vésperas do casamento com Ken, e ficar com Chris?

 

O filme, que estreou nos EUA em 31 de agosto de 1977, é uma história romântica que, apesar de sua modesta produção, revela-se até envolvente. A familiar premissa da jovem correndo atrás de seu sonho continua atraente, ainda mais quando há romance envolvido. Didi Conn — cujo rosto tornou-se conhecido no ano seguinte, em Grease - Nos Tempos da Brilhantina, vivendo a atrapalhada Frenchy — empresta sua doçura e carisma à protagonista de Luz da Minha Vida. Mas o grande feito deste longa foi mesmo ter lançado um dos maiores sucessos românticos da música americana, You Light Up My Life (mesmo nome do filme), imortalizada na voz de Debby Boone e ganhadora do Oscar de Melhor Canção Original de 1977. 


Aliás, aquele foi um ano singular em matéria de temas musicais no cinema. A escolha da excessivamente sentimental You Light Up My Life, cantada por Debby Boone, como Melhor Canção Original, no Oscar de 1978, divide opiniões. Foi uma daquelas ocasiões estarrecedoras em que a Academia ignorou tanto a lendária Theme From New York, New York quanto a trilha sonora inteira de Os Embalos de Sábado à Noite, que nem chegaram a entrar na disputa. Vai entender… Para completar, You Light Up My Life venceu nada menos que Nobody Does It Better, de Carly Simon — tema do filme 007 - O Espião Que Me Amava (The Spy Who Loved Me). Um vitória altamente questionável.

Joseph Brooks


Kvitka Cisyk (primeira à esquerda) no set de gravação

Composto por Joseph Brooks e cantado por uma tal Kvitka Cisyk, o pegajoso hit de Debby Boone ficou conhecido do público pela primeira vez como parte do filme, que também foi escrito, produzido e dirigido por Brooks. No filme, Cisyk fornece a voz para Didi Conn. Debby Boone, por sua vez, regravou a canção para um LP próprio, depois que o filme foi concluído. No Brasil, o nome de Debby não chegou a se tornar tão conhecido como a canção, mas em seu país natal, os EUA, a cantora ficou extremamente popular quando lançou-se em carreira solo, em 1977, com o álbum (adivinha?) You Light Up My Life.


De acordo com a revista People de 28 de novembro de 1977, Kvitka "Kacey" Cisyk,  além de ter emprestado a voz para Didi Conn, também fez uma participação-relâmpago no filme, como uma das damas de honra da história. Quando a Arista Records lançou o compacto e a trilha sonora do filme, Cisyk aparecia nos créditos como integrante do "Elenco original." Logo depois, Debby Boone também gravou You Light Up My Life para a Warner Bros. Records usando a mesma trilha instrumental de Joseph Brooks, que havia sido utilizada no filme. A versão original de Cisyk fez um pequeno sucesso, ao passo que o compacto com a versão de Debby Boone alavancou a faixa e explodiu no mundo todo. Ficou em primeiro lugar nas paradas americanas por nada menos do que dez semanas consecutivas, tornando-se o compacto de maior sucesso da década de 1970. Em uma entrevista para a revista Entertainment Weekly, em 2003, Debby admitiu: "Não tive liberdade alguma. Joe [Joseph Brooks] me falou exatamente como cantar e como imitar cada inflexão da gravação original".

Debby segurando o Grammy de 1978 com o pai, Pat Boone

Quando o filme foi lançado, ganhou muita divulgação e promoção, em conjunto com o lançamento da canção. No entanto, ao que parece, a campanha de lançamento de Luz da Minha Vida prometeu mais do que conseguiu alcançar no resultado final. O público não caiu de amores pelo filme e sim pela música. 


A faixa You Light Up My Life foi um verdadeiro fenômeno. Além de ter permanecido por dez semanas no topo das paradas, faturou o Grammy e o Golden Globe (além do Oscar de Melhor Canção Original). "Já perdi a conta. Não sei dizer em quantos casamentos cantei essa música”, disse Debby Boone, décadas depois. "Ao longo dos anos, muitos DJs vinham até mim para dizer que não aguentavam mais tocar esse disco".

Em 1978, a canção entrou na trilha internacional da novela Dancin’ Days, de Gilberto Braga (embora sua execução na novela tenha sido inexpressiva). Mas o filme só estreou aqui no Brasil em junho de 1979, no Rio, e em fevereiro de 1980 em São Paulo. A coluna Estreias da semana, do jornal O Globo, de 24 de junho de 1979, resumiu o espírito da coisa: "Em Luz da Minha Vida, a canção You Light Up My Life, recordista em paradas de sucesso e da autoria do diretor Joseph Brooks (Oscar de Melhor Canção em 1978), é a principal estrela do espetáculo." 



Quando o filme foi exibido na TV aqui no Brasil, em 1981, Fernando Morgado, em sua coluna Filmes na TV, da Folha de S. Paulo, foi menos comedido: "O outro [filme] inédito do Canal 13, bem mais modesto, é o drama do mundo artístico Luz da Minha Vida, que consegue ser lembrado ainda hoje apenas por sua música You Light Up My Life, que a filhinha cantora de Pat Boone, Debbie, tão chatinha como a canção, conseguiu levar até a noite do Oscar de anos atrás e sair com o prêmio principal." (Folha de S. Paulo, 14 de dezembro de 1981)

Após a explosão com a canção que lhe rendeu uma penca de prêmios e sucesso que correu o mundo, Debby Boone direcionou sua carreira para a música country. Na década de 1980, voltou-se para a música cristã e abocanhou mais alguns Grammys. A quem interessar possa, Debby — terceira das quatro filhas do ator e cantor Pat Boone — e as irmãs começaram cantando música gospel com seus pais, sob o nome The Pat Boone Family e, depois, The Boones. O grupo chegou a figurar nas paradas americanas em 1975, com When The Lovelight Starts Shining Through His Eyes, cover de um antigo hit das Supremes, e em 1977 com Hasta Mañana, cover da faixa que o ABBA havia lançado três anos antes, no álbum Waterloo. (Hasta Mañan foi, inclusive, o lado B do compacto You Light Up My Life, de Debby).


The Boones: Debby (primeira à esquerda) e suas irmãs

A canção You Light Up My Life pode ter sido a estrela que ofuscou o filme homônimo, mas o colossal sucesso da faixa foi manchado décadas depois, de forma sombria. Joseph Brooks, que em 1978 recebera o Oscar pela composição da canção, acabou caindo na obscuridade logo depois do filme. Ex-criador de jingles, Brooks voltou a ganhar destaque na mídia 30 anos depois de seu Oscar, mas por um motivo nefasto. Em junho de 2009, foi preso e acusado de ter armado falsas chamadas de elenco e assediado sexualmente e/ou estuprado quase uma dúzia de mulheres. (Kvitka "Kacey" Cisyk estava as mulheres assediadas por Brooks. Por ter recusado suas investidas, Kvitka sofreu retaliação do diretor e não recebeu o devido pagamento pelo uso de sua voz na gravação original de You Light Up My Life. A cantora levou décadas para conseguir, na Justiça, o devido pagamento). Outras denúncias contra Brooks surgiram, referentes a assédios que vinham sendo cometidos há mais de 40 anos. O diretor cometeu suicídio em 2011, enquanto ainda aguardava julgamento.

Joseph Brooks

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