01 dezembro 2018

A tesoura também bailou


Guardo este recorte desde a infância. Eu costumava colá-los em um caderno velho, pelo prazer de colecionar recortes sobre filmes, TV, música e coisas do gênero. Este aqui não me lembro se tirei de uma Nova ou uma Claudia de 1981, que encontrei já meio mofada na casa da minha tia-avó. Mas sei que foi em uma dessas duas revistas. Outro dia, ao remexer nesses recortes, este que transcrevi abaixo me elucidou alguns pontos obscuros sobre Baila Comigo, atualmente em exibição no canal Viva.


Televisão
Por Dalce Maria
(Agosto/1981)

Não teve jeito: agosto chegou e com ele lá se foram as férias de meio de ano da garotada. Agora é “começar de novo” — como já disse o poeta. E isso é até bem saudável. Até porque, mais que ninguém, as mamães merecem descansar do verdadeiro sufoco que é ter a filharada o dia inteiro de boa vida em casa, a exigir muito mais atenção e cuidado. Daí que boa sorte a todos os aluninhos e alunões deste patropi e que a performance de cada um neste segundo semestre supere — e muito — a registrada de março a junho. Amém.

E para não parecer que estou fazendo fofoca ou transferindo culpas, darei exemplos da tese que defendo e tento divulgar calcados no que já aconteceu e ainda está acontecendo com a novela de maior sucesso do momento: Baila Comigo. A começar pelo próprio título da obra, meses atrás, quando ela ainda nem tinha estreado, já acontecia a primeira interferência: Manoel Carlos, o autor, queria que a novela se chamasse Quadrilha, numa alusão ao poema de mesmo nome de Carlos Drummond de Andrade e já aproveitado por Chico Buarque numa música que fala dos desencontros do amor. Em verdade, Pedro que amava Dora, que amava Paulo, que amava Luiza, e assim por diante — ou seja, Quadrilha — têm muito pouco a ver com Baila Comigo, já que esta conta a história de Plínio que amava Helena, que amava Quim, que casou com Marta, e assim por diante — ou seja, de fato, outra Quadrilha. Mas a cúpula mandou que o baile acontecesse e lá se foi a primeira intenção do autor, ao sabor da ordem — hierárquica. Semanas se passaram e eis que surge a segunda interferência: Manoel Carlos criou dois personagens — Fauna e Flora — que deveriam aparecer no máximo, a partir do 30º capítulo da novela. No entanto, Baila Comigo passou das 85 apresentações e nada das duas surgirem. Esquecimento do autor? Maneco teria se perdido pelas outras tramas, sem ter fôlego para criar mais uma? Nada disso. A razão: a Globo não tinha meios de realizar mais um cenário para a novela e o autor teve que aguardar até que isso pudesse acontecer — quer dizer: o chamado motivo de ordem material. E para sintetizar — já que meu espaço está acabando, vamos à maior interferência da qual um autor de novelas pode padecer: a Censura. E citemos apenas alguns dos exemplos de como a chamada grande tesoura tem atingido Baila Comigo. Um: o episódio do tiro deflagrado por Mauro contra Caio — a mão deste surgiu, de repente, sangrando, sem que o ataque propriamente dito fosse mostrado. Outro: o personagem interpretado por Lilian Lemmertz vinha falando continuamente dos problemas ligados ao sexo durante a maturidade, de repente, o papo mixou como se não tivesse a menor importância. Mais um: o romance de Quim e Sílvia parecia evoluir às mil maravilhas, de uma hora para outra, um flagrante da quase ex-mulher dele, Marta, foi o que bastou para gorar o grande amor. Tudo isso foi bobeira de Manoel Carlos? Pois sim… Foi é corte da Censura — ou sejam, os chamados motivos de força maior, bem maior.

Um comentário:

  1. Também tinha esse hábito. Alguns recortes talvez ainda andem soltos por aí...

    ResponderExcluir