13 abril 2015

O primeiro Truffaut a gente nunca esquece


Um dos filmes menos conhecidos de François Truffaut, o constantemente subestimado Uma Jovem Tão Bela Como Eu (Une belle fille comme moi, 1972) foi meu primeiro filme do diretor francês. A paixão foi imediata. Na época — começo da minha adolescência — eu havia gravado do Corujão, meu deleite nas madrugadas da Globo. Assisti ao filme um sem-número de vezes desde então e sempre me surpreendi por quase nunca ter lido muitas críticas ou elogios ao filme, que considero um dos melhores de Truffaut.


Foi feito pouco antes do aclamado A Noite Americana (La nuit américaine, 1973), ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A mistura de humor negro, suspense e romance é irresistível, apesar de tratar-se de um filme simples. Não tem atores conhecidos, efeitos especiais e nem cenas antológicas. Mas essa aparente simplicidade não deixa de ser fascinante. 

Camille (Bernadette Lafont) e Stanislas (André Dussollier)
O jovem sociólogo Stanislas Prévine (André Dussollier) está prepara um tratado sobre mulheres criminosas, que será publicado como livro. Para sua pesquisa de campo, vai à cadeia entrevistar Camille Bliss (Bernadette Lafont). Camille é, como disse uma das agentes de segurança da prisão, apenas "uma vagabundinha sem interesse". Mesmo assim, Stanislas abre mão de entrevistar criminosas de peso para se dedicar à bela Camille.

O contraste da irresistível malandragem e esperteza de Camille com a ingenuidade e caretice de Stanislas é cômico. Aos poucos, ao contar sobre sua vida e os fatos que levaram à sua prisão, a jovem criminosa seduz não apenas o sociólogo mas também o espectador do filme.

Philippe Léotard, Gilberte Géniat e Bernadette Lafont em foto de divulgação do filme
As histórias de Camille, mostradas em flashback, são sempre recheadas de "apostas da fatalidade" (uma expressão usada por ela própria), distorcidas para serem convenientes e mostrarem a moça como uma pobre vítima da sociedade. Mas de vítima ela não tem nada.

Trechos da crítica de José Carlos Avellar, publicada no Jornal do Brasil de 30/07/1973: 

Para Stanislas a vida de Camille é um caos impossível de existir sem razões e justificativas precisas e identificáveis. O mundo em si mesmo parece não ter qualquer sentido fora de uma organização que só o conhecimento científico possa dar, e por isso Stanislas interpreta de forma complicada, e sempre errônea, cada uma das vigarices de Camille. (...) 
Não se trata de uma conversa em tom sério, à maneira intelectual, mas de uma exposição materializada em dois personagens e numa série de acontecimentos leves bem ao estilo do cinema americano. O confronto entre a ingenuidade de Stan e a malícia cheia de vida de Camille é feita em termos simples. Ela mesma conta sua história ao gravador, e frequentemente um contraponto entre a imagem e o som mostra o que Camille procurou disfarçar com palavras. (...)

Bernadette Lafont está ótima como Camille. A atriz já havia trabalhado anteriormente com Truffaut no primeiro filme do diretor, o curta Os Pivetes (Les Mistons, 1957). 

Truffaut dirige Bernadette Lafont no set de Uma Jovem Tão Bela Como Eu

Bernadette Lafont encarnando Camille Bliss
Uma Jovem Tão Bela Como Eu foi baseado no romance Such a Gorgeous Kid Like Me (1967), do escritor e roteirista americano Henry Farrell (mais conhecido como o autor do livro What Ever Happened to Baby Jane?, que se tornou um clássico do cinema).




No fim, o filme, apesar do constante flerte com o humor negro, deixa uma pontada de melancolia no ar, assim como a promessa de uma espera que poderá - ou não - ter um final satisfatório, como deixa no ar a canção J'attendrai, na voz de Rina Ketty. 

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