13 novembro 2014

Perla, a embaixadora do ABBA no Brasil


Se alguém perguntar quem é Ermelinda Pedroso Rodríguez D’Almeida, provavelmente ninguém saberá responder. Mas basta mencionar o nome Perla e, automaticamente, surge na memória afetiva do público a mais autêntica paraguaia do Brasil. 


Nas décadas de 1970 e 1980, Perla reinava nas mais altas posições das listas de vendas de discos. Suas músicas não saíam das rádios e ela estava sempre nos programas de TV. Foram mais de 50 álbuns gravados, milhões de discos vendidos, 11 de ouro, dois de platina, um de platina duplo, cinco vezes em primeiro lugar na Bilboard Latina.

Atualmente ela vive uma fase de mais quietude. Mas isso não quer dizer que tenha parado de cantar. Pelo contrário. A carreira muito atribulada e a vida pessoal tiveram seu preço. Hoje, Perla prefere fazer as coisas no seu tempo. Mas continua se apresentando na TV e fazendo shows. Não como antigamente, claro. "Durante muito, tempo fui um robô. Hoje não faço mais isso comigo", afirmou. 

A grandiosidade de sua voz é parte de seu talento. O enorme carisma e simpatia também foram essenciais na construção de sua imagem romântica e alegre. A voz possante chamou a atenção do público carioca assim que ela começou a se apresentar no Rio de Janeiro, ainda no começo da década de 1970, quando se casou e veio para o Brasil. Nelson Rodrigues, um dos maiores dramaturgos do nosso país, foi um dos primeiros fãs de Perla. Ele a comparou a divas como Ima Sumak e Edith Piaf e profetizou: "Essa pequena índia paraguaia vai fazer sucesso, não só no Brasil, mas em vários países". Estava certo. 

O primeiro álbum da cantora, lançado em 1972 pela Odeon, trazia, em sua maioria, canções espanholas e latinas já consagradas. Apesar disso, o disco não emplacou. O potencial de Perla, no entanto, já era notório entre as gravadoras, que a disputavam. A RCA saiu na frente e deu a ela o impulso que sua carreira precisava. Os produtores achavam que ela devia cantar canções que se aproximassem mais do público. Em 1975, seu LP de estreia na RCA trazia versões de canções famosas na época, interpretadas por Perla. O carro-chefe foi Estrada do Sol (Alle Porte Del Sole), que estourou nas paradas de sucesso do Brasil.


Mas o álbum seguinte, Palavras de Amor (1976), firmaria Perla como uma das cantoras mais populares não só do Brasil, como da América Latina. A RCA era também a gravadora licenciada para lançar os álbuns do ABBA no Brasil. Como o grupo estava começando a aparecer nas paradas brasileiras com Fernando, a gravadora providenciou para que Perla lançasse uma versão em português. Imediatamente ela imprimiu seu estilo característico e Fernando virou febre no país todo. Tanto que muitos ficaram conhecendo Perla e, só depois, o ABBA. 


Mostrando-se excelente intérprete popular de hits estrangeiros, a cantora dava sua personalidade às músicas, que eram bem recebidas pelo público brasileiro. O indefectível sotaque era parte desse tempero. Perla virou celebridade no Brasil inteiro e, de quebra, seu disco incluía também outra versão em português do ABBA, Hasta Mañana. Outros sucessos da época, como Moviestar, de Harpo, La Maladie D'Amour, de Michel Sardou, e Nuvem Passageira, de Hermes Aquino, ganharam versões no LP.


Seu álbum de 1977, intitulado apenas de Perla, trazia novamente uma versão do ABBA: Recordar É Viver (Knowing Me, Knowing You). “Essa história de Perla cantar versões foi coisa dos produtores dela na RCA. Eles é quem escolhiam a maioria de seu repertório”, explica o pesquisador musical Rodrigo Faour, organizador da coletânea Perla Canta ABBA e Outros Hits (2002).


Em 1978 foi a vez de Perla gravar Sonho Que Sou Uma Águia, versão em português de Eagle, que o ABBA lançara recentemente. O nome do grupo tornou-se ainda mais ouvido no Brasil em 1979, quando Perla chegou ao auge de sua popularidade graças ao estrondoso sucesso Chiquitita, rebatizado na versão em português de Pequenina. A canção também dava nome ao disco da cantora naquele ano e tornou-se hit obrigatório.


Por esse motivo, no ano seguinte, seus produtores trataram de fazer com que Perla gravasse mais três versões do ABBA para seu álbum Nosso Amor Será Um Hino (1980): Hoje Eu Agradeço (Thank You For The Music), Paz De Um Grande Amor (S.O.S.) e Diga Que Me Quer (Gimme! Gimme! Gimme!). Uma quarta versão, Eu Vou Sonhar (I Have A Dream), também foi lançada naquele ano, em compacto. 

Propaganda do LP Nosso Amor Será Um Hino (1980)
Perla prosseguiu com o sucesso e, em 1981, imortalizou outro hit do ABBA em português: Super Amor, versão de Super Trouper para seu LP É o Amor. E não parou por aí. Regravou mais um clássico, O Jogo Já Acabou, versão de The Winner Takes It All. E não parou por aí: lançou, em compacto, Nosso Caminho, versão de Andante Andante, também incluída em seu LP Grandes Sucessos, de 1982.



Àquela altura, estava mais que provado seu talento como cantora. O Brasil ficou pequeno para Perla, que começou então a dominar as paradas da América Latina com hits como Comienza a Amanecer (Começa a Amanhecer) e Mas Alla (Mais Pra Lá), passando a se distanciar das versões do ABBA e sendo reconhecida como uma cantora de personalidade artística própria.


Comienza a Amanecer virou tema da novela Baila Comigo, de Manoel Carlos, quando foi exibida em outros países. Na Venezuela, a trilha sonora oficial da novela, lançada em 1985, incluía a faixa, que abria o lado B do disco.

Trilha sonora de Baila Conmigo (Venezuela, 1985)


“Apesar de taxada de brega pela imprensa por ter um repertório baseado em versões, ser bastante passional e ter uma figura de forte apelo popular – de longuíssimos cabelos pretos de índia, sempre risonha e com aquele sotaque ‘portunhol’ característico – Perla pouco se importa com rótulos e continua muito querida por seu público”, explica Rodrigo Faour. 

Classificar suas canções de “brega” é simplificar demais um talento que vai muito além desse rótulo tão batido. Músicas românticas e populares sempre foram consideradas bregas. Mas a riqueza do repertório de Perla, associada à sua versatilidade como cantora, extrapola essa classificação. 

Com Silvio Santos, em 2006
Ela gravou desde canções tradicionais do Paraguai – as guarânias – passando por touradas espanholas, músicas românticas e versões de sucessos italianos, franceses e americanos. Mas foram as versões em português do ABBA que a fizeram cair de vez no gosto do Brasil. 

A artista nunca se deslumbrou com as facilidades do sucesso e sempre manteve os pés no chão, ao lado da família. E, o mais importante, nunca desistiu de seu sonho: levar alegria ao maior número possível de pessoas, com suas canções simples, quase ingênuas, mas cheias de sentimento e que continuam embalando o público mesmo depois de quatro décadas.



* Agradecimentos especiais a Iuri Vovchenco, por ter gentilmente cedido as fotos digitalizadas de seu acervo pessoal. 

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