05 junho 2025

A Ira de um Anjo (Child of Rage, 1992)

Telefilmesquecidos #97

Rob Tyler (Dwight Schultz), pastor de uma pequena igreja metodista, e sua esposa Jill (Mel Harris) adotam Catherine (Ashley Peldon), uma garotinha de 7 anos, e seu irmão mais novo, Eric (Sam Gifaldi). Eric é uma criança doce e tímida, bem como sua irmã Catherine, que também se mostra desta maneira, de início.

Não demora muito para que Catherine comece a ter fortes explosões de raiva, sem razão aparente. Alguns dos atos violentos da garotinha, que no começo passavam despercebidos, evoluem para agressões e tentativas de assassinato, nas quais o irmão é quase sempre a principal vítima. 




Percebendo que algo está muito errado, Jill e Rob procuram uma terapeuta, Dra. Rosemary Myers (Mariette Hartley). Questionam Doris (Rosanna DeSoto), a assistente social das crianças, que se recusa a falar do passado de Catherine e Eric por motivos profissionais e éticos.



Com a situação cada vez mais insustentável e perigosa, Doris acaba admitindo a verdade sobre o passado das crianças: elas haviam sido resgatadas de um lar abusivo, em condições abomináveis. As crianças estavam abandonadas, sujas, sem alimentação e com vários sinais de violência e abuso. É assim que Jill e Rob descobrem, consternados, os fatos chocantes do passado de Catherine e do irmãozinho.



Seria possível tratar as profundas cicatrizes emocionais da pequena Catherine? Ou controlar os impulsos que a impedem de criar laços de afeto e a fazem querer ferir e  matar todos ao seu redor? Este telefilme é baseado na história real da menina Beth Thomas, que teve graves problemas de comportamento como resultado de abuso sexual severo ainda muito pequena.



Há uma penca de filmes sobre crianças psicopatas como A Tara Maldita (The Bad Seed, 1956), Aniversário Sangrento (Bloody Birthday, 1981), Mikey (Mikey, 1992), O Anjo Malvado (The Good Son, 1993) e Jovem Obsessão (Paperboy, 1994), só para citar alguns. O que assusta em A Ira de Um Anjo é saber que não se trata de ficção e sim de uma história que realmente aconteceu. O tamanho das atrocidades e abusos sofridos pela menina tornaram-na uma espécie de monstro sádico e aparentemente “incurável”.


Tanto que, para a adaptação do telefilme, alguns incidentes reais tiveram que ser omitidos devido ao teor perturbador e explícito. Por exemplo, Eric, irmão de Catherine, também havia sido vítima de abuso sexual tanto por parte de seu pai biológico quanto por parte da irmã. O hábito de Cathrine de se masturbar em lugares públicos diariamente também teve que ser omitido.


Antes do lançamento do filme, o documentário Child of Rage: A Story of Abuse (1990), da HBO, já havia mostrado o caso de Beth Thomas, por meio de entrevistas com a própria Beth, nas quais se baseia a história retratada no telefilme.


Além de trechos compilados dessas entrevistas de Beth com o terapeuta Ken Magid, o documentário também mostra filmagens dos procedimentos e da recuperação parcial de Beth em um centro de tratamento para crianças. Pouco antes, Magid havia lançado o livro High Risk: Children Without A Conscience, sobre crianças com o mesmo transtorno de Beth, que desde muito pequena desenvolveu traços perversos e comportamento “psicótico” decorrentes dos abusos que sofreu.

O tratamento levou anos e foi bastante controverso, mas Beth Thomas foi diagnosticada com transtorno de apego reativo, reação traumática presente em crianças que não formam vínculo emocional com seus cuidadores, condição só diagnosticada nos casos mais extremos.

Trecho do documentário com Beth e o médico

Beth superou os abusos na infância e, depois de adulta, formou-se na Universidade do Colorado, onde recebeu seu diploma de Enfermagem. Em 2005, começou a trabalhar como enfermeira registrada no Flagstaff Medical Center, no Arizona, onde cuida de bebês e ajuda crianças que passam pelo que ela passou na infância.

Filmado em Vancouver, no Canadá, A Ira de Um Anjo traz um elenco eficiente de figurinhas habituais dos telefilmes. Mel Harris participou de inúmeras séries e telefilmes, além de filmes para o cinema como K-9: Um Policial Bom pra Cachorro (K-9, 1989) e Síndrome de Caim (Raising Cain, 1992).

Mel Harris

Dwight Schulz ficou mais conhecido como o Murdoch do seriado Esquadrão Classe A (The A-Team, 1983-1987), além de uma infinidade de telefilmes e séries como Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (Star Trek: The Next Generation, 1987-1994). 

Dwight Schulz

Ashley Peldon, a menininha que faz o papel de Catherine, está assustadora e também se sai muito bem. Já havia participado de filmes como Mulheres, Amigas e Irmãs (The Lemon Sisters, 1989), Stella, uma Prova de Amor (Stella, 1990) e O Engano (Deceived, 1991). 

Ashley Peldon

O diretor, Larry Peerce, sobressaiu no cinema com O Incidente (The Incident, 1967) e Paixão de Primavera (Goodbye, Columbus, 1969). Na década de 1970, teve mais destaque com Uma Janela para o Céu (The Other Side of the Mountain, 1975) e Uma Janela para o Céu 2 (The Other Side of the Mountain: Part II, 1978). Na TV, entre seus inúmeros trabalhos, destacam-se as minisséries Jacqueline (A Woman Named Jackie, 1991), Queenie (Queenie, 1987) e Elvis e Eu (Elvis and Me, 1988).

Sobre A Ira de Um Anjo, Ray Loynd, do jornal The Los Angeles Times, escreveu: "Este é um filme sem espaço para leviandade. O ponto é que a história é verdadeira e, como tal, sabiamente não escondendo nada, o roteirista Phil Penningroth e o diretor Larry Peerce, com uma contribuição angustiante da jovem [Ashley] Peldon, nos aproximam da compreensão da dor transmitida de geração para geração."

Estreou na TV americana em 29 de setembro de 1992, na CBS. Demorou um pouco para estrear na TV brasileira, em 13 de março de 1999, na Globo, como destaque no Supercine.

Lançado em VHS nos EUA e vários outros países, inclusive no Brasil. Na Argentina, a capa da edição em vídeo foi um tanto quanto sensacionalista.

Edições americana e brasileira do VHS

A edição argentina do VHS

24 maio 2025

Alguém Me Vigia (Someone's Watching Me!, 1978)

Telefilmesquecidos #96

Leigh Michaels (Lauren Hutton) é uma jovem diretora de TV que acaba de se mudar para Los Angeles, para trabalhar em uma emissora. Faz amigos no novo trabalho e conhece Paul Wilker (David Birney), um professor de Filosofia, com quem inicia um romance.

Leigh vai morar em um moderno apartamento de luxo, mas não demora muito para começar a receber telefonemas estranhos, presentes misteriosos e cartas falsas. Acaba deduzindo que alguém em um dos prédios vizinhos está observando cada um de seus movimentos e isso a apavora. Mas quem é essa pessoa e por que Leigh é o alvo? 




A premissa é bem hitchcockiana: uma mulher linda no luxuoso apartamento de um arranha-céu é atraída para um perigoso jogo de gato e rato com o voyeur predador que a espia do prédio em frente.

Ela pede ajuda às autoridades, mas a polícia a informa de que não há nada que possam fazer a menos que o tal stalker, de fato, apareça e a ataque.



É então que Leigh decide resolver o problema por conta própria e pede a ajuda de Sophie (Adrienne Barbeau), sua colega de trabalho, e de seu amigo Paul.



O elenco  é pequeno e funciona bem. Lauren Hutton, mais lembrada aqui no Brasil por filmes como Gigolô Americano (American Gigolo, 1980) e Procura-se Um Rapaz Virgem (Once Bitten, 1985) consegue transmitir as emoções da personagem, começando despreocupada e tornando-se cada vez mais paranoica e assustada. 


Adrienne Barbeau, como coadjuvante, está notável em um papel pouco usual (e até ousado) para um telefilme da década de 1970: uma mulher abertamente lésbica, cuja orientação sexual é naturalizada e nada estereotipada. 

Adrienne Barbeau e Charles Cyphers, presentes em Alguém Me Vigia, também trabalharam em A Bruma Assassina (The Fog, 1980), que John Carpenter lançou após Halloween

O diretor John Carpenter havia sido contratado pela Warner Bros. em 1976 para escrever um roteiro baseado na história real de uma mulher que foi espionada dentro de seu apartamento em Chicago. 



O projeto, originalmente escrito para o cinema, foi readequado para a televisão quando o canal NBC se ofereceu para financiá-lo. O roteiro, intitulado High Rise [arranha-céu], acabou se tornando Alguém Me Vigia, tornando-se a primeira experiência de John Carpenter na televisão.


As filmagens – durante as quais o diretor conheceu sua futura esposa, Adrienne Barbeau – levaram 18 dias (entre março e abril de 1978) e permitiram que Carpenter testasse muitas das técnicas que usaria quando começou a trabalhar em Halloween - A Noite do Terror, duas semanas depois. 

Mais tarde, o diretor disse estar "muito orgulhoso" do filme, embora não fosse uma de suas obras mais conhecidas. A partir de Halloween, Carpenter se consagraria como um dos diretores mais cultuados na década seguinte. (Halloween, no entanto, estreou nos cinemas um mês antes de Alguém Me Vigia estrear na TV americana).

Por mais de duas décadas, Alguém Me Vigia ficou mais conhecido como "o filme perdido de Carpenter", por não estar disponível em VHS em seu país de origem. Ao contrário de muitos países na Europa, onde o filme foi lançado em VHS, nunca houve um lançamento oficial em vídeo nos EUA. Aqui no Brasil, entretanto, foi lançado em VHS pela Warner em 1991. Só em 2007 o filme ganhou um lançamento em DVD e, em 2018, em Blu-ray.

A estreia na TV americana foi em 29 de novembro de 1978, na NBC. No Brasil, estreou na Globo em 22 de julho de 1979. Foi bastante reprisado ao longo da década de 1980.