O cinema australiano sempre foi peculiar e instigante. A partir da segunda metade da década de 1970, produções como o cult Picnic na Montanha Misteriosa (Picnic en Hanging Rock, 1975) e Mad Max (1979), por exemplo, ganharam reconhecimento mundial, ainda que em escalas bem distintas. Há poucos meses esbarrei em outro longa australiano daquela época, Tim, estrelado por Mel Gibson.
O filme, de ritmo lento e contemplativo, mistura drama e romance. Foi um dos primeiros filmes de Mel Gibson, antes da fama mundial que o ator conquistaria com Mad Max (1979), de George Miller. Escrito e dirigido por Michael Pate, Tim baseia-se no livro homônimo de Colleen McCullough (autora do best-seller Pássaros Feridos), de 1974.
É a história do relacionamento gradual que se desenvolve entre Mary Horton (Piper Laurie), uma mulher de meia-idade, rica, sofisticada e solitária, e Tim Melville (Mel Gibson), um jovem de 24 anos com um certo grau de déficit mental. Mary contrata o rapaz para fazer trabalhos de jardinagem, consertos e arrumações em geral, no jardim de sua casa de campo. Ele é uma espécie de ajudante de serviços gerais. Mora com a irmã Dawnie (Deborah Kennedy), um ano mais velha que ele, e seus pais Ron (Alwyn Kurts) e Emily (Pat Evison).
Além da beleza física de Tim, Mary percebe que ele tem a mente ingênua de uma criança. (Aqui vale um alerta: os mais frágeis podem se abalar com o estonteante sex-appeal de Mel Gibson, ainda rapazote, que passa praticamente o filme todo usando camisetas e shorts minúsculos e justíssimos). Responsável, trabalhador e simpático, Tim possui uma mentalidade infantil, mas não é retardado. Há certa conivência da família em relação ao déficit de Tim, como se preferissem não ir muito a fundo, já que ele é fisicamente sadio e executa suas tarefas diárias de forma eficiente.
Inicialmente arredia, Mary tenta evitar a proximidade com Tim, mas logo sente-se cativada pela pureza e gentileza do rapaz. Ela o ensina a ler e percebe que ele tem grande capacidade de aprendizado, apesar de todos parecerem conformados com a aparente limitação do moço. Aos poucos, os laços de amizade e carinho entre os dois crescem. Tornam-se mais próximos e o inevitável acontece: apaixonam-se. A família não vê com bons olhos o relacionamento. A irmã de Tim fica totalmente contra e passa a hostilizar Mary.
Em meio a descobertas de sentimentos como amor, perda, felicidade e saudade, Tim começa a enxergar seu lado emocional até então estagnado. Mais do que a relação entre Mary e Tim, o filme retrata o amadurecimento pessoal e progressivo do personagem-título. Talvez por ser australiano, o ritmo é mais lento e introspectivo. A fotografia é linda e a escolha de Mel Gibson e Piper Laurie como protagonistas foi extremamente feliz. Os coadjuvantes também não ficam atrás. Trata-se de um belo filme, subestimado e pouco comentado.
Mel Gibson se sai muito bem em um papel difícil, principalmente para um iniciante. Suas expressões faciais e corporais infantis poderiam cair facilmente na caricatura, assim como a mentalidade simplória do personagem. Mas Mel mostra-se bastante convincente. Piper Laurie, atriz que nos acostumamos a ver em papéis histriônicos de vilãs ou megeras (a mãe de Carrie do filme homônimo de Brian de Palma, e a pérfida Catherine Martell de Twin Peaks, só para citar alguns) consegue passar, afeto, insegurança e comedimento como a indefesa Mary.
Com a enorme popularidade e o reconhecimento internacional de Mel Gibson após Mad Max, Tim chegou a ser exibido nos cinemas e até lançado em vídeo (no Brasil, Tim - Anjos de Aço), mas foi totalmente ofuscado pelos filmes de ação de Gibson. A edição brasileira da fita, lançada pela Opção, traz um erro gritante (e oportunista) na data: 1987. A intenção deve ter sido ‘vender’ o filme para o público como um lançamento. A sinopse também é grosseira:
A partir dos anos 1980, o ator estrelou vários sucessos campeões de bilheteria e tornou-se um dos maiores nomes de Hollywood. Tim foi filmado enquanto Mad Max ainda estava na fase de pós-produção. Já na era do DVD, Tim - Anjos de Aço chegou a ganhar edições baratas em DVD aqui no Brasil, mas passou batido. O estranhíssimo subtítulo brasileiro ("Anjos de Aço") não faz sentido. Provavelmente uma tentativa de tapear o público, que ao ler o nome de Mel Gibson automaticamente associaria o filme a mais uma produção cheia de explosões e tiros.
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