Uma das coisas que mais gosto de fazer é passar horas olhando as estantes empoeiradas dos sebos de livros, sem compromisso. Adoro descobrir aqueles exemplares esquecidos no meio de uma seção promocional, por exemplo. Romances já amarelados, bem velhos, que passam anos ali e o dono do sebo praticamente implora para alguém levá-los. Por algum motivo, adoro "adotar" essas obras abandonadas.
Tenho especial preferência pelo gênero policial, embora minha atenção seja geralmente voltada para livros de suspense ou terror psicológico também. Estava aqui escarafunchando na minha estante e resolvi juntar quatro títulos que resgatei, em diferentes ocasiões, das profundezas poeirentas dos sebos. Livros já esquecidos e, hoje em dia, praticamente desconhecidos, mas que me proporcionaram bons momentos de entretenimento. Bem, nem todos eles foram exatamente bons, mas tive algumas agradáveis surpresas.
Kill Once, Kill Twice - Kyle Hunt (1956)
Ron Kemp encontra-se acuado pela esposa que reclama o tempo todo, assustado com a amante que o ameaça e desesperado para salvar seu pequeno negócio da falência. Sentindo o peso das pressões constantes de todos os lados, Ron depara-se com o que poderia ser a solução para todos os seus problemas: assassinato. A questão é: valeria mesmo a pena aproveitar aquela chance? Conseguiria ele lidar com o medo e a culpa posteriores?
O clima de tensão da narrativa é crescente, com a exposição das fraquezas do personagem principal, cujos problemas prosaicos tomam proporções muito maiores e opressoras diante da estressante rotina e da urgência por dinheiro. Essa necessidade acaba o levando a matar uma senhora. Com isso, Ron dá vazão a uma força sinistra, que jazia escondida sob sua personalidade medíocre e sem graça. Após matar uma vez, ele percebe que a fronteira foi rompida e que matar novamente não está fora de cogitação.
O título fala exatamente disso (na tradução, seria algo como "quem mata uma vez, mata duas"). A edição que li foi uma de bolso, em inglês, já bem velha e reeditada no começo da década de 1970. Acredito que esse livro nunca tenha sido publicado no Brasil, mas foi lançado em Portugal com o nome Quem Mata Torna A Matar.
Kyle Hunt é, na verdade, pseudônimo de John Creasey (1908-1973), produtivo autor britânico que escreveu mais de 600 romances policiais, de suspense e de ficção científica, usando 28 pseudônimos diferentes. Sob o nome de Kyle Hunt, Creasey escreveu mais três livros (todos com a palavra kill no título), no final dos anos 1950.
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O Anjo Mau - Taylor Caldwell (1965)
A britânica Janet Miriam Holland Taylor Caldwell, mais conhecida como Taylor Caldwell (1900-1985), escreveu vários best-sellers e era um nome bastante popular nas décadas de 1950 e 1960. Em seus livros, Caldwell usava, com frequência, fatos reais e acontecimentos ou personagens históricos. Um dos mais conhecidos é Médico de Homens e de Almas (1958), sobre São Lucas. A prolífica autora pesquisou a vida e as obras de Lucas durante anos, e as descreveu de forma romanceada em uma narrativa cheia de detalhes históricos. Na verdade, Caldwell alternava obras grandiosas com outras "menores". O Anjo Mau é um desses "menores".
É a aterrorizante história de Angelo, orgulho de sua mãe, que o considera a mais bela e inteligente criança do mundo. Mas por trás do seu sorriso ingênuo e do seu encanto, no íntimo de sua alma, escondia coisas sinistras e tortuosas. Superprotegido pela mãe, Angelo começa a demonstrar traços de sociopatia desde cedo. O livro é instigante e nos leva a questionar qual era o pavoroso segredo do menino e de sua personalidade. O clima de suspense garante a leitura rápida. A história lembra filmes como A Tara Maldita (The Bad Seed, 1956) e O Anjo Malvado (The Good Son, 1993), com temáticas semelhantes. Em escala bem menor, também me lembrou a personagem-título do livro Angélica (1955), de Maria José Dupré.
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Portão para a Morte - Helen Arvonen (1976)
Ao contrário dos dois primeiros da lista, este romance juvenil é bem bobinho. A jovem Trudy vai trabalhar na Hospedaria Knucklebone, em uma cidadezinha do interior, com o intuito de descobrir o paradeiro de sua melhor amiga, Kay, que desaparecera misteriosamente. Kay trabalhava na tal hospedaria antes de sumir sem deixar pistas. Em Knucklebone, Trudy conhece diversos personagens curiosos (alguns até meio bizarros). Logo percebe que algo estranho aconteceu ali. Além de sua amiga, outras jovens também haviam desaparecido do local. Claro que a própria Trudy se torna alvo dos perigos e mistérios que rondam a hospedaria. A história é meio confusa e fraquinha.
Publicado no Brasil pela Ediouro, primeiramente como livro de bolso, na coleção Romance Rebeca. Alguns anos depois, a editora o relançou, com outro projeto gráfico, como parte da coleção Drácula. A autora — a canadense Helen Arvonen (1918-1992) — começou sua carreira escrevendo contos para revistas de mistério e de ficção científica, na década de 1940. Após certa projeção, a partir da década de 1960, passou a escrever romances, quase sempre de "mistério gótico". Apesar de pouco conhecida, nos anos 1970 seus livros foram muito requisitados por várias editoras mundo afora. A própria Ediouro publicou outros títulos de Helen em suas coleções juvenis de livros de mistério.
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Suffer the Children - John Saul (1977)
O livro foi uma grata surpresa. Achei uma edição de bolso em inglês. Creio que não chegou a ser publicado no Brasil. Eu não conhecia o autor, mas depois descobri que ele era uma espécie de "Stephen King alternativo". O americano John Saul (nascido em 1942) é um exímio escritor livros de suspense e terror. A maioria deles apareceu na lista de best-sellers do New York Times. Mesmo assim, no Brasil, seu nome não é conhecido, apesar de vários de seus livros terem sido publicados aqui. Saul estreou com o pé direito. O ótimo thriller psicológico Suffer the Children, publicado em 1977, figurou em todas as listas de mais vendidos dos Estados Unidos.
A trama é bem direta: em Port Arbello, um homem estupra e mata sua filha de 10 anos. Logo em seguida, comete suicídio, jogando-se no mar. Cem anos depois (tempo presente), crianças da região começam a desaparecer. A terrível história (ou maldição) parece se repetir e os Congers — família descendente do assassino — estão, aparentemente, no centro de tudo isso.
Escrita de forma simples, a narrativa é extremamente instigante (o que, na minha opinião, foi uma escolha acertada para um livro de estreia). Em vez de dezenas de personagens, tramas rocambolescas e excesso de descrições, John Saul conta a história sem rodeios, mas tomando o cuidado de manter o suspense sempre crescente e assustador. Várias passagens são realmente de arrepiar.
O título é referência a uma passagem bíblica: "But Jesus said, Suffer the little children, and forbid them not, to come unto me: for to such belongeth the kingdom of heaven." (Mateus 19:14). Em português: "Então disse Jesus: Deixai vir a mim as crianças, não as impeçais, pois o Reino dos céus pertence aos que se tornam semelhantes a elas". (Suffer, além de sofrer, significa também, em inglês arcaico, permitir).
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