05 novembro 2016

Um galã entre os tubarões


Andrés García, nascido na República Dominicana, é um ator bastante conhecido na América Latina e nos Estados Unidos, apesar de ter desenvolvido sua carreira principalmente no México. Aqui no Brasil, é conhecido pela novela mexicana O Privilégio de Amar, exibida pelo SBT em 1999 e reprisada em 2002, 2008 e 2013. Na trama, García viveu André Duval.



A fama do ator, no entanto, não é recente. Ele estreou no cinema em 1967, no filme mexicano Chanoc, em que vivia o papel-título, um mergulhador sempre pronto para deter as maldades perpetradas pelos vilões. Desde então, García passou a atuar em uma penca de filmes, todos os anos, não raro mais de uma produção por ano. Também esteve em várias fotonovelas.



Símbolo sexual nas décadas de 1970 e 1980, encarnava com sucesso o tipo "macho latino e sedutor", razão pela qual foi galã de várias telenovelas mexicanas. (Não é à toa que ele é pai de nada menos que 16 filhos! Dois deles também atores). Entre as muitas passagens dignas de novela de sua vida (sobreviveu a um acidente de helicóptero, a um câncer de próstata e a uma tentativa de assassinato, entre outras coisas), foi o primeiro e único homem a arriscar a própria vida nadando com tubarão-limão, tubarão-cabeça-chata e tubarão-tigre, espécies perigosíssimas de tubarões que chegam a medir até 6 metros de comprimento. Talvez, por isso, tenha participado de uma série de filmes sobre tubarões — um tema muito em voga e explorado ao extremo — nos anos 1970.




Andrés hoje, aos 75 anos
E agora chegamos ao verdadeiro tema deste post: quatro pérolas trash daquela década, estreladas por Andrés García e por… tubarões. O mais impressionante é que, entre 1977 e 1978, García estrelou nada menos que QUATRO desses filmes, sendo três do diretor mexicano de filmes exploitation René Cardona Jr.: Tintorera! (abril de 1977), O Triângulo Diabólico das Bermudas (março de 1978), A Caverna dos Tubarões (junho de 1978) e O Ciclone (outubro 1978). Todos os quatro filmes têm tramas inverossímeis, diálogos que parecem ter sido escritos por crianças de 10 anos e atuações canastríssimas. Por tudo isso, são clássicos obscuros irresistíveis (para os amantes do gênero, claro). Vamos aos ditos-cujos:


Tintorera! 
(¡Tintorera! / Tintorera: Killer Shark, 1977)
Direção: René Cardona Jr. 
Com: Susan George, Andrés García, Hugo Stiglitz, Roberto 'Flaco' Guzmán, Fiona Lewis




Apesar da época e do título (que se refere a um tipo perigoso de tubarão), definitivamente não se trata de mais uma cópia latino-americana de Tubarão (Jaws, 1975). Claro que o nome do filme e o poster pegam carona na moda dos tubarões assassinos para atrair atenção, mas Tintorera! é um filme arrastado e sem suspense algum. É uma espécie de chanchada sobre dois caçadores de tubarões e suas aventuras amorosas/sexuais com várias mulheres fáceis. No meio disso, um tubarão gigante (que dá nome ao filme) supostamente aterroriza a costa leste do México. Mas isso é meramente pano de fundo, já que o centro do filme (se é que ele tem algum centro) é a improvável amizade que surge entre Miguel (Andrés García) e Steven (Hugo Stiglitz), formando um triângulo amoroso consentido com a inglesa Gabriella (Susan George). O filme não tem uma história bem definida. Os diálogos, de tão primários, chegam a ser embaraçosos. A impressão que temos é a de que precisavam encher duas horas de película com cenas de praias deslumbrantes, fundo do mar, moças espevitadas, festinhas em barcos e personagens superficiais que entram e somem sem explicação. Tintorera! também funciona como uma ótima vitrine para a beleza física de Andrés García (que aparece só de sunga quase o tempo todo, e até nu), explorada ao máximo. O final insólito coroa essa canastrona produção mexicana. 


O Triângulo do Diabo 
(The Bermuda Triangle, 1978)
Direção: René  Cardona Jr.
Com: John Huston, Andrés García, Hugo Stiglitz, Gloria Guida, Claudine Auger




Cheguei a falar sobre esse filme em outra postagem, no começo do ano passado: 4 filmes para morrer antes de ver. O que dizer (mais) sobre essa canastrice sem eira nem beira? Tudo se resume ao seguinte: o motivo de todos os acidentes e desaparecimentos inexplicáveis com navios e aviões no Triângulo das Bermudas é... uma boneca! Sim, uma boneca possuída. Os passageiros e a tripulação de um barco à deriva no Triângulo das Bermudas começam a testemunhar coisas estranhas a bordo. São duas horas de uma monotonia interminável, diálogos vazios e uma história que não vai a parte alguma. E, de repente, termina com uma pergunta que soa pouco auspiciosa: "Who will be the next?" (Quem serão os próximos?). Como me sujeito a assistir e a prestigiar esse tipo de filme, é bem provável que eu esteja entre "os próximos".


A Revanche do Último Tubarão 
(Bermude: la fossa maledettaCave of the Sharks, 1978)
Direção: Tonino Ricci (Anthony Richmond)
Com: Andrés García, Janet Agren, Arthur Kennedy, Pino Colizzi, Máximo Valverde




Desta vez o pastiche é italiano. Aliás, a Itália adorava ganhar uns trocados com filmes de tubarões, no final dos anos 1970/começo dos 1980, na esteira do sucesso de Tubarão (Jaws, 1975), como não podia deixar de ser. Novamente o tema do Triângulo das Bermudas se associa à influência diabólica de uma boneca aleatória. Andres (Andrés García), dado como morto após vários meses desaparecido no mar, reaparece, trazido pela maré. Mas o rapaz volta completamente sem memória. O navio onde ele estava, assim como a tripulação, desapareceram. Em sua recuperação, Andres conta com a ajuda do irmão Ricardo (Máximo Valverde) e da noiva Angelica (Janet Agren), que acabou iniciando um caso com Ricardo quando Andres foi dado como morto. Mas isso não tem qualquer relevância na trama (se é que existe alguma trama). Rapidamente Andres se recupera e, juntamente com Enrique (Pino Colizzi), seu parceiro de pesca submarina, aceita uma inesperada proposta de trabalho. Mr. Jackson (Arthur Kennedy) contrata a dupla para resgatar um avião que afundou na região do Triângulo das Bermudas. Próximo ao local, no fundo do oceano, Andres e Enrique encontram a entrada de uma misteriosa caverna submersa, cercada por tubarões adormecidos. Andres fica impressionado, já que tubarões não dormem. Logo, ele chega à conclusão de que há algum tipo de civilização antiga vivendo no fundo do mar e controlada por tubarões. Como ele chegou a essa conclusão foge de qualquer tentativa de explicação racional. Acontece que Mr. Jackson é um mafioso desonesto e tenta matar a dupla de mergulhadores. Enrique, baleado, desaparece, provavelmente morto. Andres escapa da emboscada, mesmo baleado, milagrosamente. Mas quer voltar ao sombrio local, nas profundezas do oceano, para tentar desvendar o mistério e o sumiço do parceiro. No meio disso tudo, há também uma sub-trama sem qualquer ligação com a história. Em uma estranhíssima cena, um grupo de hippies tocando violão em um barco sente um impulso incontrolável de se jogar no mar, como se estivessem hipnotizados. Há ainda uma boneca sinistra que também cai no mar e solta sangue. Faz algum sentido? Nenhum. Mas o que importa é ver Andrés García sempre metido em alguma encrenca submarina. E, claro, um típico desfecho abrupto, sem pé nem cabeça. Lançado em VHS no Brasil com o título A Caverna dos Tubarões.


O Ciclone
(Cyclone, 1978)
Diretor: René Cardona Jr.
Com: Arthur Kennedy, Carroll Baker, Andrés García, Lionel Stander, Hugo Stiglitz




Neste suprassumo dos filmes B dos anos 1970, o diretor faz uma mixórdia caótica e mistura desastre aéreo, catástrofe natural, naufrágio, tubarões assassinos e canibalismo. Primeiro, somos apresentados a um grupo de turistas, em um barco, apreciando a vista, conduzidos pelo capitão interpretado por Andrés García. Há também os passageiros de um avião que sobrevoa a região. E, para completar, um barco menor de pesca e sua pequena tripulação. Mas uma inesperada tempestade atinge a paradisíaca costa e bagunça tudo. O avião é atingido por um ciclone, cai e afunda no mar. Alguns sobreviventes se refugiam em um pequeno barco. Os pescadores são forçados a usar um bote, ao mesmo tempo em que o barco com os turistas fica à deriva. Os três grupos acabam juntos no barco dos turistas, sem ter para onde fugir. Jogados à deriva no mar aberto e com pouquíssima comida e água potável, começam a morrer de fome, sob o sol escaldante. A costumeira seleção de clichês — o padre, o médico, a socialite e seu cãozinho mimado, o empresário ambicioso, a mulher grávida etc. — forma, agora, um único grupo. Sem saída, os sobreviventes não têm outra solução a não ser apelar para o canibalismo, na tentativa de prolongar a existência. E ainda se defender de perigosos tubarões! Como dá para perceber, é uma espécie de Sobreviventes dos Andes em versão marítima. (René Cardona, pai de René Cardona Jr., já havia explorado o tema no filme Supervivientes de los Andes, de 1976). Mas o maior problema deste filme são os diálogos tenebrosos e o ritmo insuportavelmente lento. Sem dúvida, um dos mais monótonos. Um verdadeiro festival de sensacionalismo barato em um filme exageradamente longo. Quase dá para sentir a angústia e o tédio dos infelizes sobreviventes unidos e fustigados pela desastrosa circunstância.

3 comentários:

  1. Teve uma época que eu alugava todo e qualquer tipo de filme. Geralmente quatro ou cinco por final de semana. Um lançamento, um "clássico", um cult" e um ou dois bem obscuros. Vi o filme da boneca possuída e achava que era o único ser vivo que tinha assistido àquilo. Obrigado Daniel por postar essas maravilhas que além de fazer a mente viajar mostra que "não estamos sós". Bom demais!!!

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  2. De vez em quando aparecia uns "circos" que exibiam filmes. Na verdade cinemas itinerantes que exibiam filmes sob lona de circo. O "cardápio" era sempre filme dos Trapalhões, alguma aventura e filme de terror. Num desses estava "Tintorera" (desconfiei com a descrição, mas identifiquei via google mesmo). Eu tinha apenas 7 anos, vi num domingo que antecedeu o dia das crianças. Meu padrinho era prefeito da cidade e minha madrinha distribuía ingressos pra gente. Driblavam a classificação indicativa, pois só anunciavam os filmes dos Trapalhões.
    Nunca encontrei pra alugar, bendita internet e sua mente caro Daniel!

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    1. Que bom que temos tantas lembranças em comum, Ramis! Adorei essa historia do circo-cinema itinerante! De fato, esses filmes são hoje bem raros. Se não me engano, o único que tinha em vídeo, na época, era "A Caverna dos Tubarões". O bom das fitas de vídeo é que lançavam cada tranqueira em VHS! Tanto os clássicos quanto as coisas trash tinham espaço nas videolocadoras.

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