24 março 2025

O Retrato (The Portrait, 1993)

 Telefilmesquecidos #89

Um casal de idosos, Fanny (Lauren Bacall) e Gardner Church (Gregory Peck), está às voltas com a mudança para uma casa de praia. Gardner é poeta e a esposa Fanny é sua fiel companheira desde os tempos em que foi sua assistente na faculdade. 

Após uma longa ausência, a filha Margaret (Cecilia Peck) chega de surpresa à casa dos pais para terminar um retrato deles. Ela é pintora e tem a chance de expor seu trabalho pela primeira vez em uma galeria de Manhattan. Mas, para isso, precisa terminar o tal retrato dos pais, que ela havia esboçado tempos atrás.



Ao descobrir que os pais venderam a casa da família e estão prestes a se mudar, Margaret fica magoada e inconformada por não ter sido avisada antes. 



Enquanto se vê cercada de caixas, objetos e móveis sendo embalados para a mudança, Margaret lida com a perda da casa de sua infância e com suas próprias lembranças. Além disso, confronta-se com outros problemas, como os lapsos de memória frequentes e preocupantes do pai.



Fanny e Gardner são totalmente dedicados um ao outro. Espirituosos e animados, vivem num mundo próprio, absortos em seu amor e vida juntos. Isso faz com que Margaret se sinta excluída. 


Lauren Bacall e Gregory Peck

Não é fácil fazer o casal ficar parado enquanto posa para a pintura de seu retrato. Brincalhões e cúmplices, os dois não sossegam. Com isso, Margaret acha que eles não levam sua pintura a sério. 



Ao longo de vários dias, Margaret vê seu papel no relacionamento com seus pais idosos ir se modificando. Ela acaba percebendo, após uma conversa com o pai, que eles a amam sim e admiram sua carreira de pintora. 


Mas deixam claro que, na idade em que estão, não vão virar outras pessoas para se ajustarem às expectativas da filha. Retornando a Nova York para sua exposição de arte com o retrato concluído, Margaret percebe que será uma pessoa muito mais feliz se aceitar seus pais como eles são.

Adaptado da peça Painting Churches, de Tina Howe, produzida em 1983.

O que o elenco tem de pequeno, tem de grandioso: é um deleite ver astros do calibre de Lauren Bacall e Gregory Peck contracenando. Estrelas da “era de ouro” de Hollywood, os dois já haviam trabalhado juntos em Teu Nome é Mulher (Designing Woman, 1957), de Vincente Minnelli, e têm um entrosamento perfeito.

Gregory Peck e Lauren Bacall em Teu Nome é Mulher (1957)

Cecilia Peck, que interpreta a filha do casal, é filha de Gregory Peck na vida real. O Retrato foi o último telefilme do ator.

Cecilia Peck

A direção impecável é de Arthur Penn, responsável por grandes filmes como O Milagre de Anne Sullivan (The Miracle Worker, 1962), Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde, 1967) e Um Lance no Escuro (Night Moves, 1975). Um de seus filmes “menores”, Morte no Inverno (Dead of Winter, 1987), está entre os meus favoritos.

Os quadros que aparecem no filme são de Gretta Sarfaty. Nascida na Grécia, Gretta mudou-se com a família para São Paulo, aos 7 anos, naturalizando-se brasileira. Ganhou reconhecimento internacional no final dos anos 1970.


O Retrato estreou na TV americana em 13 de fevereiro de 1993, na TNT. Na TV brasileira, estreou em 26 de julho de 1997, na Sessão de Gala, da Globo.

Eduardo Souza Lima, que escrevia as sinopses dos filmes na TV para o Segundo Caderno do jornal O Globo, destacou a estreia: 

"(...) Na Globo, à 1h25m, O Retrato (1993), um ótimo telefilme do irregular Arthur Penn, com Gregory Peck e Lauren Bacall, que já pagam o ingresso. Cecilia Peck, filha do ator, interpreta uma jovem artista plática, cujos quadros foram pintados na verdade por Gretta Sarfaty, atriz brasileira radicada nos Estados Unidos (...)." (Eduardo Souza Lima, O Globo, 26 de julho de 1997)

Lançado em VHS também no Brasil, na década de 1990, pela Videolar.

Não confundir com o thriller de terror O Retrato (The Portrait, 2023), de Simon Ross e nem com o musical filipino O Retrato (Ang larawan, 2017), de Loy Arcenas (lançado internacionalmente como The Portrait).

18 março 2025

Brinquedo de Criança (Child's Play, 1984)

Telefilmesquecidos #88

O casal Ann (Mary Crosby) e Mike Preston (Nicholas Clay) acorda cedo numa manhã qualquer e descobre que sua casa está completamente cercada por uma parede sólida de metal. Portas, janelas e até o telhado estão bloqueados pela misteriosa parede, aparentemente indestrutível. Machados não a quebram e nem a amassam. Nem mesmo uma bomba improvisada consegue abalar a tal parede.

Emparedados, o casal e sua filhinha Susan (Debbie Chasan) não têm como sair da casa. Como se não bastasse, a parede, em si, é quente. Sem ventilação, a temperatura da casa só aumenta e o calor vai ficando insuportável.



Mike chega a cogitar que o governo americano poderia ter bloqueado as casas devido a um ataque de bombas nucleares ou algo do tipo. O telefone e o rádio funcionam e a televisão mostra só um símbolo desconhecido.



Outras coisas estranhas acontecem: os relógios, embora ainda funcionem, permanecem com o tempo parado em 4h10 da manhã. O casal percebe, aos poucos, que não consegue se lembrar de nada sobre suas vidas antes daquele dia.

A menina Sarah passa a agir de forma muito estranha, como se estivesse alheia aos problemas ao seu redor. O mistério aumenta quando o casal observa que todos os produtos que utilizam na casa, do suco de laranja às roupas e utensílios domésticos, contêm o símbolo estranho que aparece na tela da TV e que nunca haviam notado antes daquele dia. Com o perdão do trocadilho, a coisa esquenta quando uma gosma verde e fervente começa a vazar para dentro da casa, pela lareira.



Estariam, na verdade, mortos e no inferno? De qualquer forma, com o tempo se esgotando e cada vez mais enfraquecida pelo calor, a família precisa recorrer a medidas desesperadas para tentar escapar. 

Debbie Chasan


Brinquedo de Criança é, na verdade, um episódio da série Hammer House of Mystery and Suspense (1984), da lendária produtora inglesa Hammer. Exibida pela Independent Television (ITV), emissora do Reino Unido, a série foi coproduzida pela 20th Century Fox Television, razão pela qual foi exibida na TV americana com o nome Fox Mystery Theater.

O formato da Hammer House of Mystery and Suspense, embora semelhante ao de outra série da produtora inglesa, Hammer House of Horror (1980), tinha episódios mais longos, geralmente em torno de 70 minutos (sem comerciais). Por esse motivo, os episódios foram exibidos aqui no Brasil como telefilmes independentes, já que eram histórias separadas que não dependiam umas das outras.

Ambas as séries, apesar de marcantes na época, tiveram apenas uma temporada cada. Na TV brasileira, foram exibidas pelo SBT no final da década de 1980. Hammer House of Horror foi apresentada aqui como A Casa do Terror, enquanto a Hammer House of Mystery and Suspense virou Cine Suspense.

A história é boa, o filme segura o mistério e o final é surpreendente. O orçamento é modesto, mas isso não compromete em nada o clima de claustrofobia, medo e histeria. Não há como ficar indiferente diante da aflição da família Preston e do perigo desconhecido que os ameaça. Não por acaso, é um dos episódios mais lembrados da série e virou cult.


Brinquedo de Criança foi dirigido por Val Guest, um dos diretores mais expressivos da Hammer e responsável por mais de uma dúzia de clássicos da produtora. Guest teve uma longa carreira na indústria cinematográfica do início dos anos 1930 até o início dos anos 1980, período em que dirigiu comédia, ficção científica e terror. Foi um dos diretores (junto com Ken Hughes e John Huston) de Casino Royale (1967), paródia dos filmes de 007.

Autógrafo de Mary Crosby em foto de divulgação do episódio Child's Play do Fox Mystery Theatre  (Twentieth Century Fox Television)

O elenco, enxutíssimo, funciona muito bem. Nicholas Clay, que começou na TV britânica na década de 1960, esteve em várias produções da TV inglesa. No início da década de 1980, ganhou algum espaço no cinema, com papéis de destaque em filmes como Excalibur, a Espada do Poder (Excalibur, 1981), O Amante de Lady Chatterley (Lady Chatterley's Lover, 1981) e Assassinato num Dia de Sol (Evil Under the Sun, 1982).

Nicholas Clay

Mary Crosby (filha de ninguém menos que Bing Crosby) participou de inúmeras séries e telefilmes, ficando mais conhecida no início dos anos 1980 pelo papel de irmã de Sue Ellen (Linda Gray) no seriado Dallas (1978-1991).

Mary Crosby

Brinquedo de Criança estreou na TV britânica em 8 de outubro de 1984 (ITV). Na TV brasileira, foi exibido pela primeira vez em 28 de agosto de 1989, no Cine Suspense, do SBT (na época, ainda TVS). Em 7 de agosto de 1992, migrou de canal e foi exibido pela Rede OM/TV Gazeta. 

Jornal O Globo, 28 de agosto de 1989

Na segunda metade da década de 1990, mudou de novo, agora para a Bandeirantes, onde foi exibido no Cine Trash, em 4 de setembro de 1996.


Não confundir com o longa Child’s Play, de 1988, que no Brasil recebeu o nome de Brinquedo Assassino — sim, a saga do boneco Chucky — e virou uma franquia de grande sucesso que rende filmes e séries até hoje.

11 março 2025

O Triângulo do Diabo (Satan’s Triangle, 1975)

Telefilmesquecidos #87

Haig (Doug McClure) e Pagnolini (Michael Conrad), patrulheiros da Guarda Costeira de Miami, encontram um barco à deriva ao sobrevoarem, de helicóptero, a região conhecida como “Triângulo do Diabo”. No iate, três cadáveres e uma única sobrevivente, Eva (Kim Novak).


Haig desce até o iate para socorrer Eva e tomar pé da situação. Enquanto Pagnolini, do helicóptero, tenta resgatar Haig e Eva com uma cesta de resgate, a corda se rompe e os dois caem no mar. Nadam de volta para o barco e Pagnolini informa ao colega que precisará retornar à base para abastecer o helicóptero. 




Impossibilitado de remover Eva (Kim Novak) do barco com segurança, o jeito é Haig passar a noite com ela ali no iate. Nesse meio-tempo, Eva relata, com detalhes, a morte paranormal de todos a bordo.




Ela explica que encontraram um estranho padre, Peter Martin (Alejandro Rey), à deriva no oceano, e o trouxeram a bordo. O tal padre teria, supostamente, sobrevivido a um desastre aéreo. A partir dali os acontecimentos inexplicáveis começaram, resultando na morte de todos a bordo. 

Alejandro Rey


Jim Davis

Apesar de ouvir tudo atentamente, Haig mostra-se cético e encontra explicações racionais para cada um dos episódios misteriosos relatados por Eva. Segundo ele, todo suposto acontecimento sobrenatural tem uma explicação perfeitamente lógica. Mas… Nem tudo é o que parece.




O texto narrado logo na abertura já atiça o telespectador e prepara o clima:  

"Nestes últimos 30 anos, logo além da costa leste dos Estados Unidos, mais de mil homens, mulheres e crianças têm desaparecido da face da Terra. Ninguém sabe como ou por quê. Esta é uma explicação.”



Doug McClure

Filmes baseados em mistérios da vida real eram bastante comuns na década de 1970. Um desses mistérios favoritos ganhou enorme destaque a partir da publicação do best-seller O Triângulo das Bermudas, de Charles Berlitz, em 1974. Não por acaso, este telefilme aproveita-se do clima misterioso e intrigante em torno do Triângulo das Bermudas e apresenta um ótimo thriller sobrenatural. 


Entre a penca de filmes e telefilmes daquela época sobre essa temática estão Bermuda, o Triângulo Fatídico (Beyond the Bermuda Triangle, 1975), de William A. Graham; o telefilme-piloto da série Viagem Fantástica (The Fantastic Journey, 1976); O Triângulo do Diabo / O Triângulo Diabólico das Bermudas (The Bermuda Triangle, 1978), de René Cardona Jr.; Nas Profundezas das Bermudas (The Bermuda Depths, 1978), de Tsugunobu Kotani; O Navio Assassino (Death Ship, 1980), de Alvin Rakoff, e outros. Isso sem falar em documentários como Os Mistérios do Triângulo das Bermudas (Secrets of the Bermuda Triangle, 1978), de Donald Brittain, e O Mistério do Triângulo das Bermudas (The Bermuda Triangle, 1979), de Richard Friedenberg, baseado no best-seller de Charles Berlitz. (Sim, os títulos de alguns desses filmes são muito parecidos e fáceis de serem confundidos).


O Triângulo do Diabo destaca-se pelo clima de mistério crescente e pela história enxuta. O elenco é muito bom, mas o destaque é Kim Novak, um dos símbolos da Hollywood da década de 1950 e estrela de filmes como Férias de Amor (Picnic, 1955), Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958) e Sortilégio de Amor (Bell, Book and Candle, 1958).

Alejandro Rey, que interpreta o padre, era uma presença bastante familiar na TV americana, graças ao seriado A Noviça Voadora (The Flying Nun, 1967–1970). O veterano Jim Davis, que poucos anos depois interpretaria o patriarca da família Ewing no seriado Dallas (1978-1991), também marca presença.

Kim Novak


O diretor Sutton Roley, muito experiente na direção de seriados clássicos das décadas de 1960 e 1970, também dirigiu Como Roubar o Mundo (How to Steal the World, 1968), episódio para o cinema da série O Agente da U.N.C.L.E. (The Man from U.N.C.L.E., 1964-1968), e o telefilme O Rapto de Três Milhões de Dólares (Snatched, 1973), entre outros.



A estreia de O Triângulo do Diabo na TV americana foi em 14 de janeiro de 1975, na ABC. Na TV brasileira, estreou na Globo em 12 de junho de 1977. Na década de 1990, foi reprisado na Record.