09 julho 2015

De volta para o presente


"O grande sucesso de 1986. Mais uma mostra do espírito inventivo de Silvio de Abreu ao transformar suas tramas folhetinescas numa deliciosa e divertida comédia. Muitas ideias excelentes, perfeita integração  do texto com o elenco e direção (Jorge Fernando)". Assim Ismael Fernandes (1945-1997), primeiro pesquisador a se preocupar com a dimensão histórica da telenovela brasileira, descreveu Cambalacho, em seu livro Memória da Telenovela Brasileira (editora Brasiliense, 1997).


E é exatamente essa a novela que o canal Viva começa a exibir no próximo mês, no lugar de Pedra Sobre Pedra. Uma das mais lembradas dos anos 80, a trama popularizou a expressão "cambalacho" (trambique, golpe, tramoia) em todo o país e criticou, com muito bom humor, a mania do povo brasileiro de trapacear e querer levar vantagem em tudo.

Quarta novela escrita por Silvio de Abreu nos últimos cinco anos, Cambalacho terá um total de 179 capítulos, escritos em 4.645 páginas e, de acordo com o autor, sua intenção quando começou a escrever o texto era falar de "um país de vigaristas e de impunidade". (Folha de S. Paulo, 29 de setembro de 1986)

Qualquer semelhança com os dias atuais NÃO é mera coincidência. Três décadas depois, o que a novela procurou mostrar, de forma cômica, ainda permanece uma trágica realidade no Brasil. Apesar dos intermináveis escândalos de corrupção ganharem destaque nos noticiários do país todo hoje, a velha mentalidade de tentar driblar as leis e tirar vantagem continua entranhada em grande parte dos brasileiros, das camadas mais humildes às mais altas.

Uma coisa, no entanto, nos ajuda a seguir em frente em tempos de crise, tanto em 1986 quanto hoje: o já mencionado bom humor. E é isso que Cambalacho esbanja: "Na novela, o cambalacho é generalizado entre pobres e ricos, mas com diferenças: os pobres, segundo Silvio, não são desonestos, mas necessitados. Já a rica e interesseira Andréia (Natália do Valle), ao tentar livrar-se do marido Antero Souza e Silva (Mario Lago), com quem se casou por dinheiro, é o exemplo da desonestidade." (Marcia Cezimbra, Folha de S. Paulo, 10 de março de 1986.)

Naná (Fernanda Montenegro) e Jejê (Gianfranceso Guarnieri)
Ainda na matéria da Folha (10 de março de 1986) sobre a estreia da novela, a jornalista nos apresenta a trama: "Cambalacho quer dizer trambique e este é o cotidiano dos personagens Leonarda Furtado (Fernanda Montenegro) e Jerônimo Machado (Gianfrancesco Guarnieri), pobres da periferia de São Paulo que sobrevivem com pequenos golpes na praça, apesar da perseguição dos defensores da lei."

A novela foi uma feliz conjunção de acertos, que Ismael Fernandes atribuiu, entre outras coisas, à "sorte de contar com Fernanda Montenegro e Gianfranceso Guarnieri, uma dupla central inesquecível; Nátalia do Valle, uma vilã fantástica; com a cancha televisiva de Susana Vieira e Cláudio Marzo. E a hilariante presença de Regina Casé, que divertiu o Brasil durante sete meses com sua incrível Tina Pepper."

Rogério (Cláudio Marzo) e Amanda (Susana Vieira)
Andreia Souza e Silva (Nátalia do Valle)
Tina Pepper (Regina Casé)
Consuelo Leandro também roubou várias cenas com sua Lili Bolero, mãe de Tina Pepper. Lili era "a estrela que foi sem nunca ter sido" e queria, a todo custo, ser reconhecida como cantora.
Consuelo Leandro e Regina Casé são umas "Dercys Gonçalves", na opinião da própria comediante Dercy Gonçalves, 78. (...) "Eu acho isso bom, apesar de não ser uma imitação, dá resultado, atinge todos os objetivos. E não é qualquer um que tem o dom de imitar". (Folha de S. Paulo, 10 de março de 1986)
Lili Bolero (Consuelo Leandro)
Pouco antes da trama ir ao ar, em pleno governo Sarney, o Brasil lançou o Plano Cruzado. Algumas cenas, por conta disso, tiveram de ser adaptadas, pois faziam referência a valores ainda cotados em cruzeiro. O autor disse, na época, que se assutou quando o governo instituiu o Plano Cruzado [em 28 de fevereiro de 1986], uma semana antes da novela estrear: "De repente, o país ficou honesto da noite para o dia". Esta convicção obrigou o autor a corrigir o rumo de sua comédia, mas segundo ele, "a novela ganhou em atualidade". A solução foi mostrar, na tela, legendas com a correspondência de valores na nova moeda.



Cambalacho foi a primeira novela que Silvio de Abreu fez sem censura. Por isso conseguiu criar dois protagonistas anti-heróis e trambiqueiros e discutir a moral do país, o que, segundo ele, seria inconcebível em tempos de repressão. 

A novela foi vendida para mais de dez países, incluindo Angola, Bolívia, Itália, Porto Rico, Portugal e Venezuela. E foi reapresentada no Vale a Pena Ver de Novo, entre julho e dezembro de 1991. E agora, prestes a completar 30 anos, as peripécias de Naná e Jejê voltam ao ar no Viva, em agosto, para deleite do público.

Cambalacho, na Itália, ganhou o nome de Doppio Imbroglio ("dupla confusão")

Naná e Jejê com sua penca de filhos adotivos

Na última edição de 1986, a revista Veja trouxe um "Pequeno dicionário para entender 1986". Para quem quer embarcar de volta ao passado e entrar no clima de Cambalacho, no Viva, aqui está:

Veja, 31 de dezembro de 1986


Para mais detalhes sobre Cambalacho, acesse o site Teledramaturgia e a página do canal Viva

2 comentários:

  1. Tenho uma vaga lembrança de algumas cenas da reprise de 91.
    Pena que não vai passar no horário da meia noite, gostaria de acompanhar.
    Adoro ver coisas dos anos 80!

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  2. Sou apaixonado por essa novela!!!!!! (minha paixão televisiva), não se fazem mais novelas como essa!!!!

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