Telefilmesquecidos #100
O drama e o horror dos moradores de uma pequena cidade do Kansas, nos EUA, após um ataque nuclear.
A narrativa é apresentada em três partes, com a primeira metade apresentando os vários personagens e suas histórias. A parte do meio mostra o desastre nuclear e a segunda metade detalha os efeitos sobre os personagens.
De início, a população se ocupa de seus afazeres cotidianos tranquilamente enquanto, ao fundo, o noticiário anuncia a guerra. O médico do lugar, Dr. Russell Oakes (Jason Robards), diretor de um hospital local, é o ponto de referência, enquanto a ação vai sendo construída.
Embora a cidade não tenha sido especificamente o alvo direto, a população sabe que a radiação invasora acabará matando a todos. À medida que os moradores das redondezas vão sucumbindo ao veneno, o fatalismo se abate sobre as família que tentam sobreviver a cada dia.
O medo e o desespero vão se instalando sutilmente, como aconteceria com uma população ameaçada por algo que parece muito distante de sua vida rotineira e cujas consequências não pode avaliar.
Essas consequências terríveis são retratadas de forma perturbadora e convincente, imergindo o telespectador em um clima de devastação e impotência. Os milhares de mortos e feridos, contaminados pela radiação, em um cenário de pesadelo e fim do mundo, repleto de dor, pavor e tudo de catastrófico que se possa imaginar nesse contexto.
Escrito por Edward Hume e dirigido por Nicholas Meyer, foi o telefilme de maior audiência da história. Tornou-se cult, conquistou a atenção da crítica especializada e dos fãs por ser um retrato singular do período imediatamente posterior a uma guerra nuclear.
Antes mesmo de ir ao ar, o telefilme gerou uma polêmica sobre quem teria atacado primeiro: a União Soviética ou os EUA. Nicholas Meyer queria que a resposta permanecesse ambígua, focando nos horrores da destruição nuclear. Sua ideia era que o mal fossem as armas nucleares em geral, não o governo.
A estreia de O Dia Seguinte na TV foi um grande evento midiático. Nenhum patrocinador comprou espaço comercial após o início da guerra nuclear no filme, razão pela qual a última metade foi ao ar sem comerciais.
As estimativas da época calculam a audiência do filme em mais de 100 milhões de americanos. A ABC colocou atendentes trabalhando em linhas telefônicas diretas especiais para acalmar as pessoas durante e após a exibição original.
De fato, a produção da ABC canalizou a consciência do público norte-americano na noite em que o filme estreou na TV dos EUA. No entanto, o canal não estava totalmente preparado para enfrentar a curiosidade e o pânico dos telespectadores no horário nobre.
No letreiro final do filme, sobre uma tela preta, lê-se: "espera-se que as imagens deste filme inspirem as nações dessa terra, seus povos e seus líderes, a encontrar meios para evitar o dia fatídico.”
Imediatamente após o telefilme ter ido ao ar na ABC, um programa de notícias especial apresentou um debate ao vivo entre o cientista Carl Sagan, que se opunha ao uso de armas nucleares, e o escritor conservador William F. Buckley, que apoiava o conceito de "dissuasão nuclear".
O então presidente dos EUA, Ronald Reagan, assistiu ao filme com exclusividade um mês antes e revelou ter ficado deprimido com o que viu. Tanto que a experiência mudou sua forma de encarar um possível conflito nuclear.
O Dia Seguinte repercutiu no mundo inteiro. Aqui no Brasil, foi capa da revista Veja pouco depois de sua exibição nos EUA. “O terror nuclear” foi a manchete da edição de 18 de janeiro de 1984, que contava aos leitores do que se tratava o fenômeno O Dia Seguinte.
Para dar um toque documental ao telefilme, o diretor Nicholas Meyer quis escalar atores completamente desconhecidos, embora o elenco inclua os experientes Jason Robards e John Cullum. Entre os novatos estavam Steve Guttenberg, Amy Madigan e Lori Lethin, além de JoBeth Williams e John Lithgow (ambos em início de carreira na época).
Mesmo sendo um trabalho para a TV, o diretor Nicholas Meyer conseguiu uma projeção infinitamente maior do que em seus trabalhos anteriores para o cinema, Um Século em 43 Minutos (Time After Time, 1979) e Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan (Star Trek II: The Wrath of Khan, 1982).
Curiosamente, o filme O Testamento (Testament, 1983), com a mesma temática de O Dia Seguinte, estreou nos cinemas apenas duas semanas antes do telefilme de Meyer estrear na ABC. Ambas as produções são bastante parecidas em suas intenções, embora executadas de formas bem diferentes uma da outra. (O Testamento foi lançado em VHS no Brasil com o título Herança Nuclear).
Vale lembrar que, apesar de ser 1983, a Guerra Fria estava em seu auge, ainda que não como na década de 1960.
Apesar de produzido para a TV, O Dia Seguinte foi exibido em diversas salas de cinema ao redor do mundo. Nos cinemas brasileiros, o longa foi exibido em janeiro de 1984, menos de dois meses depois de sua primeira exibição na TV americana.
"Um mês antes da exibição, a revista Time consagrou-lhe [ao filme] reportagem de três páginas. Com essa consagração, o telefilme veio a ser distribuído nos cinemas de diversos países, inclusive o Brasil, onde foi exibido comercialmente em 1984." (Paulo Perdigão, coluna Os filmes de hoje na TV, jornal O Globo de 9 de abril de 1988).
Carlos Fonseca, em sua crítica sobre o filme publicada na coluna O bonequinho viu, do jornal O Globo de 20 de janeiro de 1984, analisou O Dia Seguinte positivamente:
O roteirista Edward Hume e o diretor Nicholas Meyer nos trazem uma visão realista do apocalipse oriundo de uma possível guerra termonuclear. Sem apelos melodramáticos, objetivamente, e em linguagem simples, quase jornalística, enfocam a síndrome nuclear. (...)
Em outro trecho, o crítico destaca que, "(...) ao contrário de similares no gênero, [o filme] não tem ostentação militar, não apela para efeitos de choque gratuitos. Mostra com realismo a encenação de uma guerra de mísseis materializando o inimaginável."
Fonseca comentou ainda o fato de se tratar de uma produção que extrapolou a tela pequena e alcançou as salas exibidoras, “transformando-se num sucesso, com repercussão na imprensa mundial”. E avalia que, “até certo ponto é uma produção modesta — fator positivo, possivelmente, pois a simplicidade o torna de uma grande empatia para o grande público.”
Também em 1984 O Dia Seguinte se destacou no Emmy, maior premiação da TV americana, recebendo indicações em 12 categorias e vencendo em duas: Edição de Som e Efeitos Especiais.
O Dia Seguinte estreou na TV americana em 20 de novembro de 1983, na ABC. Os brasileiros tiveram que esperar cinco anos para ver a primeira exibição do filme nana TV brasileira, em 9 de abril de 1988, na Globo. A chamada do canal já anunciava: "Neste sábado, The Day After - O Dia Seguinte. Explode a guerra entre Rússia e os americanos. Mísseis atômicos são disparados. The Day After - O Dia Seguinte. Os horrores de uma guerra nuclear. O filme que abalou milhões de pessoas em todo o mundo. The Day After - O Dia Seguinte. Supercine, neste sábado, depois de Mandala".
Ainda na década de 1980, o filme foi lançado em VHS no Brasil, pela Video Ban. O guia Video News Filmes, da revista Video News (editora Sigla), escrito por Rubens Ewald Filho, registrou o lançamento da fita no mercado brasileiro:
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Guia Video News Filmes - Número 32 A - Ano 3 (ed. Sigla) |
Nos anos 2000, ganhou edições bem simplórias em DVD no Brasil.