13 junho 2025

Uma Questão de Culpa (A Question of Guilt, 1978)

Telefilmesquecidos #98

Em 1968, Doris Winters (Tuesday Weld) é acusada do homicídio de seus dois filhos pequenos. A questão é que Doris, além de jovem e atraente, é divorciada e leva uma vida liberal (trabalha como modelo de lingerie), o que não era nada bem visto na época. 

Louis Kazinsky (Ron Leibman), o detetive encarregado das investigações, quer colocá-la atrás das grades a qualquer custo, com ou sem provas condenatórias. Assim como grande parte da opinião pública, que repudia o estilo de vida independente de Doris — lembrando que, na década de 1960, uma mulher divorciada era muito malvista — o detetive também não aprova o modo de vida de Doris.



A imprensa explora ao máximo o sensacionalismo do caso e Doris torna-se vítima dos preconceitos dominantes, sendo condenada mesmo sem provas. 



O telefilme é inspirado no caso real de Alice Crimmins, uma mãe solteira de Nova York que foi julgada e condenada pelo assassinato de seus dois filhos em 1965, apesar da falta de evidências que a conectassem ao crime. Crimmins foi condenada basicamente por causa de sua reputação e aparência.

Alice estampando um dos jornais da época (Daily News, 14 de julho de 1968)

Na vida real, os filhos de Alice Crimmins, Eddie Jr., de 5 anos, e Missy, de 4 anos, desapareceram de seu apartamento, no bairro do Queens, em Nova York. Ela relatou o sumiço das crianças à polícia. Naquele dia, mais tarde, Missy foi encontrada morta, estrangulada. Cinco dias depois, o corpo de Eddie foi descoberto, mas as autoridades não conseguiram identificar a causa de sua morte. Tampouco foram encontradas evidências que ligassem Alice (ou quem quer que fosse) às mortes.



Em um dos julgamentos mais divulgados da época, Alice foi condenada por homicídio culposo. No entanto, seis anos após a morte de seus dois filhos, ela foi julgada novamente. Desta vez, foi condenada por homicídio doloso em primeiro grau, pela morte do filho, e homicídio culposo pela morte da filha.

Mesmo antes de ir a julgamento, Alice já havia sido considerada culpada pela imprensa e pelo público. No entanto, havia quem acreditasse que ela estava sendo julgada, na verdade, por sua liberdade sexual e não pelos assassinatos.



Nunca houve qualquer prova que ligasse Alice aos crimes. Nenhum outro suspeito foi considerado. O trabalho investigativo foi precário, a polícia, preconceituosa, e as testemunhas, pouco confiáveis.

Depois de permanecer presa por quase uma década, Alice conseguiu liberdade condicional. Nunca ninguém conseguiu saber o que de fato aconteceu.



Com roteiro de Jack e Mary Willis, o foco deste telefilme acima da média — que não pretende estabelecer uma conclusão — está nos personagens e em como as opiniões podem ser facilmente influenciadas. 

O ponto alto do elenco é Tuesday Weld, atriz brilhante que nunca chegou a ter o devido destaque, embora tenha recebido diversos prêmios por suas atuações. Não por acaso,  John J. O'Connor, do New York Times (21 de fevereiro de 1978), escreveu: "Uma Questão de Culpa tem seus momentos interessantes, e a maioria deles deve-se a Tuesday Weld no papel de Doris."



Tuesday começou no cinema ainda nos anos 1950. Mais tarde, ficou conhecida por interpretar mulheres impulsivas, muitas vezes imprudentes. Foi indicada ao Globo de Ouro por O Destino que Deus me Deu (Play It as It Lays, 1972), ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por À Procura de Mr. Goodbar (Looking for Mr. Goodbar, 1977) e ao BAFTA por Era uma Vez na América ​​(Once Upon a Time in America, 1984). 

Tuesday Weld

Sem deixar o cinema de lado, atuou em diversos telefilmes como Reflexos de um Crime (Reflections of Murder, 1974), F. Scott Fitzgerald em Hollywood (F. Scott Fitzgerald in Hollywood, 1975) e O Inverno da Nossa Desesperança (The Winter of Our Discontent, 1983), pelo qual foi indicada ao Emmy, além de vários outros filmes para a TV. E não escondia sua preferência: "O que eu adoro na TV é o ritmo", disse ela, em entrevista a Tom Burke, para o jornal Chicago Tribune (30 de abril de 1978). "Duas semanas, mesmo para um papel pesado, é ótimo. Pensar demais em um papel é um desastre para mim. Quer dizer, vamos lá, vamos fazer."

Ron Leibman

Ron Leibman, que marcou presença na TV e nos cinema entre as décadas de 1960 e 2000, também cumpre sua função, apesar de seu papel unidimensional no filme. A veterana Viveca Lindfors, que até aquela época não costumava participar de telefilmes, faz uma participação.

Viveca Lindfors

O diretor, Robert Butler, dirigiu inúmeros seriados de sucesso (Jornada nas Estrelas, Missão Impossível, Gunsmoke, Kung Fu, Os Waltons, A Gata e o Rato etc.) entre as décadas de 1960 e 1990, além de uma penca de telefilmes como S.O.S. a 15.000 metros (Mayday at 40,000 Feet!, 1976) — exibido nos cinemas brasileiros em 1977 — e outros tantos.

No cinema, dirigiu Viva o Garotão Prodígio (The Computer Wore Tennis Shoes, 1969) e O Chimpanzé Manda-Chuva (The Barefoot Executive, 1971), comédias juvenis da Disney estreladas pelo então novato Kurt Russell, entre outros títulos.

Uma Questão de Culpa estreou na TV americana em 21 de fevereiro de 1978, na CBS. Só chegou à nossa TV dez anos depois, quando foi exibido pela primeira vez no Brasil pela Globo, em 21 de maio de 1988 na Globo, no Supercine.

Lançado em VHS no Brasil pela Herbert Richers.


05 junho 2025

A Ira de um Anjo (Child of Rage, 1992)

Telefilmesquecidos #97

Rob Tyler (Dwight Schultz), pastor de uma pequena igreja metodista, e sua esposa Jill (Mel Harris) adotam Catherine (Ashley Peldon), uma garotinha de 7 anos, e seu irmão mais novo, Eric (Sam Gifaldi). Eric é uma criança doce e tímida, bem como sua irmã Catherine, que também se mostra desta maneira, de início.

Não demora muito para que Catherine comece a ter fortes explosões de raiva, sem razão aparente. Alguns dos atos violentos da garotinha, que no começo passavam despercebidos, evoluem para agressões e tentativas de assassinato, nas quais o irmão é quase sempre a principal vítima. 




Percebendo que algo está muito errado, Jill e Rob procuram uma terapeuta, Dra. Rosemary Myers (Mariette Hartley). Questionam Doris (Rosanna DeSoto), a assistente social das crianças, que se recusa a falar do passado de Catherine e Eric por motivos profissionais e éticos.



Com a situação cada vez mais insustentável e perigosa, Doris acaba admitindo a verdade sobre o passado das crianças: elas haviam sido resgatadas de um lar abusivo, em condições abomináveis. As crianças estavam abandonadas, sujas, sem alimentação e com vários sinais de violência e abuso. É assim que Jill e Rob descobrem, consternados, os fatos chocantes do passado de Catherine e do irmãozinho.



Seria possível tratar as profundas cicatrizes emocionais da pequena Catherine? Ou controlar os impulsos que a impedem de criar laços de afeto e a fazem querer ferir e  matar todos ao seu redor? Este telefilme é baseado na história real da menina Beth Thomas, que teve graves problemas de comportamento como resultado de abuso sexual severo ainda muito pequena.



Há uma penca de filmes sobre crianças psicopatas como A Tara Maldita (The Bad Seed, 1956), Aniversário Sangrento (Bloody Birthday, 1981), Mikey (Mikey, 1992), O Anjo Malvado (The Good Son, 1993) e Jovem Obsessão (Paperboy, 1994), só para citar alguns. O que assusta em A Ira de Um Anjo é saber que não se trata de ficção e sim de uma história que realmente aconteceu. O tamanho das atrocidades e abusos sofridos pela menina tornaram-na uma espécie de monstro sádico e aparentemente “incurável”.


Tanto que, para a adaptação do telefilme, alguns incidentes reais tiveram que ser omitidos devido ao teor perturbador e explícito. Por exemplo, Eric, irmão de Catherine, também havia sido vítima de abuso sexual tanto por parte de seu pai biológico quanto por parte da irmã. O hábito de Cathrine de se masturbar em lugares públicos diariamente também teve que ser omitido.


Antes do lançamento do filme, o documentário Child of Rage: A Story of Abuse (1990), da HBO, já havia mostrado o caso de Beth Thomas, por meio de entrevistas com a própria Beth, nas quais se baseia a história retratada no telefilme.


Além de trechos compilados dessas entrevistas de Beth com o terapeuta Ken Magid, o documentário também mostra filmagens dos procedimentos e da recuperação parcial de Beth em um centro de tratamento para crianças. Pouco antes, Magid havia lançado o livro High Risk: Children Without A Conscience, sobre crianças com o mesmo transtorno de Beth, que desde muito pequena desenvolveu traços perversos e comportamento “psicótico” decorrentes dos abusos que sofreu.

O tratamento levou anos e foi bastante controverso, mas Beth Thomas foi diagnosticada com transtorno de apego reativo, reação traumática presente em crianças que não formam vínculo emocional com seus cuidadores, condição só diagnosticada nos casos mais extremos.

Trecho do documentário com Beth e o médico

Beth superou os abusos na infância e, depois de adulta, formou-se na Universidade do Colorado, onde recebeu seu diploma de Enfermagem. Em 2005, começou a trabalhar como enfermeira registrada no Flagstaff Medical Center, no Arizona, onde cuida de bebês e ajuda crianças que passam pelo que ela passou na infância.

Filmado em Vancouver, no Canadá, A Ira de Um Anjo traz um elenco eficiente de figurinhas habituais dos telefilmes. Mel Harris participou de inúmeras séries e telefilmes, além de filmes para o cinema como K-9: Um Policial Bom pra Cachorro (K-9, 1989) e Síndrome de Caim (Raising Cain, 1992).

Mel Harris

Dwight Schulz ficou mais conhecido como o Murdoch do seriado Esquadrão Classe A (The A-Team, 1983-1987), além de uma infinidade de telefilmes e séries como Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (Star Trek: The Next Generation, 1987-1994). 

Dwight Schulz

Ashley Peldon, a menininha que faz o papel de Catherine, está assustadora e também se sai muito bem. Já havia participado de filmes como Mulheres, Amigas e Irmãs (The Lemon Sisters, 1989), Stella, uma Prova de Amor (Stella, 1990) e O Engano (Deceived, 1991). 

Ashley Peldon

O diretor, Larry Peerce, sobressaiu no cinema com O Incidente (The Incident, 1967) e Paixão de Primavera (Goodbye, Columbus, 1969). Na década de 1970, teve mais destaque com Uma Janela para o Céu (The Other Side of the Mountain, 1975) e Uma Janela para o Céu 2 (The Other Side of the Mountain: Part II, 1978). Na TV, entre seus inúmeros trabalhos, destacam-se as minisséries Jacqueline (A Woman Named Jackie, 1991), Queenie (Queenie, 1987) e Elvis e Eu (Elvis and Me, 1988).

Sobre A Ira de Um Anjo, Ray Loynd, do jornal The Los Angeles Times, escreveu: "Este é um filme sem espaço para leviandade. O ponto é que a história é verdadeira e, como tal, sabiamente não escondendo nada, o roteirista Phil Penningroth e o diretor Larry Peerce, com uma contribuição angustiante da jovem [Ashley] Peldon, nos aproximam da compreensão da dor transmitida de geração para geração."

Estreou na TV americana em 29 de setembro de 1992, na CBS. Demorou um pouco para estrear na TV brasileira, em 13 de março de 1999, na Globo, como destaque no Supercine.

Lançado em VHS nos EUA e vários outros países, inclusive no Brasil. Na Argentina, a capa da edição em vídeo foi um tanto quanto sensacionalista.

Edições americana e brasileira do VHS

A edição argentina do VHS