22 janeiro 2017

Livro escolhido pela capa


Ele foi eleito o "Homem Mais Sexy do Mundo" pela revista Cosmopolitan, no começo dos anos 1990. Naquela época, nos EUA, era quase impossível abrir uma revista ou assistir TV sem que se visse alguma coisa sobre Fabio. A cada movimento para a câmera, ele era a personificação do amor idealizado e do romance arrebatador. O chamado padrão de beleza pode ter mudado nas últimas décadas, mas o italiano Fabio Lanzoni ainda é, sem dúvida, o supermodelo masculino original. 

Fabio no começo da carreira de modelo
No exército, antes de se tornar famoso
Filho de Sauro Lanzoni, próspero dono de uma fábrica de correias de transporte, e Flora, ex-Miss Milão, Fabio começou como modelo, ainda franzino, aos 14 anos. "Estava em Milão, na academia, e Oliviero Toscani, um dos maiores fotógrafos da Europa, veio até mim e falou: 'Você deveria ser modelo'. Eu não era da indústria, não tinha ideia de quem ele era. Dei o número de telefone do meu pai. Eles conversaram e fui contratado para uma grande campanha e as coisas decolaram."

Fabio era também campeão local de esqui, mas seu breve reinado esportivo acabou quando ele quebrou a perna, aos 16 anos. Como parte da terapia de recuperação, o jovem modelo começou a levantar peso e descobriu outra vocação: o fisiculturismo. Mas seu corpo ficou tão grande e musculoso que sua carreira de modelo estagnou. As roupas italianas, desenhadas para corpos lânguidos e delgados, já não se adequavam mais à sua compleição musculosa.





Aí começou, de fato, a lendária trajetória de Fabio. Contrariando o desejo do pai — que esperava que o filho tomasse parte nos negócios da família — Fabio seguiu seus próprios planos. Saiu da Itália, ainda no começo dos anos 1980, em busca de uma carreira como modelo nos EUA. Reza a lenda que 15 minutos após entrar na famosa agência da Ford Models, em Nova York, Fabio já estava contratado. Aos 19 anos, começou bem, estampando grandes campanhas para a Gap e a Levis. "Naquele tempo, se você fosse um dos melhores modelos masculinos do mundo, poderia ganhar 120 mil dólares. No meu primeiro trabalho, ganhei 150 mil", contou ele ao jornal britânico The Guardian, em 2015. "Então, eu defini um novo padrão". Ele também afirmou que, provavelmente, foi o primeiro a exibir músculos em fotos.

Sua carreira realmente deslanchou em 1987, quando ele foi escolhido para posar para a capa de um despretensioso romance de banca, Hearts Aflame ("corações em chamas"). As tais chamas se espalharam, de fato. A partir de então, o rosto e o corpo de Fabio, estampando as capas desses livros, fez suas vendas aumentarem 40 por cento. O modelo passou a ganhar três mil dólares por cada 45 minutos de fotos e se tornou o "homem da capa" oficial dos romances americanos. Chegava a posar para até 16 capas por dia.

Os romances de banca, apesar de não serem levados a sérios, movimentam uma indústria séria, que rende bilhões de dólares por ano. As milhares de mulheres que compravam os livros com Fabio — só em 1992, por exemplo, ele apareceu nas capas de 55 milhões desses livros —, compravam porque ele estava na capa, e não por causa dos livros propriamente. Foi então que veio a grande sacada: revelar a esse imenso público feminino consumidor que aquele imponente herói, pintado naquelas capas, era um homem de verdade e não apenas um personagem ficcional. O príncipe encantado das capas dos livros virou um herói de carne e osso. 


Quando seu empresário, Peter Paul, percebeu o quanto sua ideia de marketing faria sucesso, tratou de lançar Fabio como o quentíssimo produto do momento. Em pouco tempo ele se tornou uma celebridade. Teve início o "fenômeno Fabio". Ele ganhou seu próprio perfume ("a fragrância para homens criada para o prazer das mulheres"); seu próprio livro, Pirate (que ele admite não ter escrito, mas apenas concebido a ideia); calendários anuais com suas fotos; uma infinidade de pôsteres; seu próprio CD, Fabio After Dark (uma seleção com suas músicas românticas favoritas, incluindo uma cantada por ele mesmo, When Somebody Loves Somebody) e sua própria fita de vídeo de ginástica, Fabio Fitness, além de outro vídeo — bem embaraçoso, por sinal —, A Time For Romance, com uma série de vinhetas de fantasia estrelando Fabio como um herói em várias formas (viking, pirata, conde italiano) que salva donzelas em perigo. 





Além de uma infinidade de outros produtos, vieram vários comerciais de TV, participações em filmes e programas e até um papel em uma série de ação na TV (a canastríssima Acapulco H.E.A.T.). E, como não podia deixar de ser, todos os fatos possíveis e imagináveis sobre Fabio estavam em sua biografia. De suas cantoras favoritas (Mariah Carey) à sua dieta (sem gordura, sem álcool e sem cigarro, e muita água) e seus carros (Rolls-Royce, Jaguar, Mercedes, Porsche). 



Mesmo com tudo isso, é difícil resistir ao impulso de fazer piada com toda a overdose do fenômeno Fabio. Mas não se pode negar que ele era (e ainda é) adorado por suas fãs. A principal razão, além de seu físico, é a extrema delicadeza e gentileza com que as trata. Quando as encontra, ele é sempre humilde ("Não me acho o homem mais sexy do mundo", costumava dizer), sorridente e espirituoso. Mostra-se muito grato a cada uma delas. Em eventos promocionais, durante lançamentos de seus livros e produtos, Fabio olhava cada mulher nos olhos, escutava o que tinham a dizer, mostrava-se afetuoso e sincero e agradecia a todas pessoalmente por terem ido e esperado nas longas filas.

Até a polêmica escritora americana Camille Paglia, uma das intelectuais mais influentes da atualidade, disse coisas positivas sobre Fabio, quando o modelo estava no auge: "Fabio é um sedutor talentoso, muito atencioso com as mulheres, ao elegante estilo europeu. Ele as adora e preenche os sonhos dessas mulheres, de achar um parceiro com o físico de um homem forte e sexualmente atraente e a alma sensível de um artista ou poeta".



Em 1994, o tablóide americano Weekly World News estampou uma manchete com uma frase de Fabio, alfinetando os homens americanos: "Parem de tratar as mulheres feito escravas!". Entre as declarações, o modelo disparou: "Odeio homens que batem em mulheres. Essa atitude de machão é sinônimo de insegurança, e a última coisa que uma mulher quer é um homem inseguro. Tenho 1,87m de altura, 100kg e sou forte. Mas não preciso sair por aí bancando o troglodita com outros homens. Prefiro ser eu mesmo — um cara tranquilo."

Mas Fabio não foi uma criança fácil. Era constantemente expulso da escola, por não obedecer as regras. Porém nunca usou drogas e é totalmente contra. Já foi convidado, recentemente, para vários programas, entre eles, Dancing with the Stars, The Bachelor e The Apprentice. Recusou todos. "Geralmente, quando as pessoas se colocam nessa posição, é porque estão desesperadas por dinheiro e atenção", afirmou ele. "Por que você tem que fazer algo degradante? Por dinheiro? Não há dinheiro no mundo que me faça tomar parte em algo que eu considere degradante."

Mesmo que surja algum outro "Fabio", ele sempre será único. "Não acho que o número de filmes que um ator faça o torne melhor ou pior", disse Carrie Feron, editora executiva da Avon Books (do grupo editorial HarperCollins), campeã dos romances de banca. "A qualidade do trabalho que ele fez é o que conta. Não existe outro Fabio."


No programa de TV de Joan Rivers, em 1992


O homem que foi o rosto do perfume Mediterraneum, da Versace, não aparece mais em grandes campanhas, mas segue com sua vida simples, sem deslumbramentos. Hoje, aos 58 anos, Fabio permanece solteiro. Quando perguntam o que ele espera de uma parceira, ele responde a mesma coisa desde os anos 1990: "A primeira coisa com que me importo são os olhos de uma mulher. Eles mostram sua alma, como ela pensa... Sou muito pé no chão. Preciso de uma mulher capaz de enxergar meu interior e apreciá-lo”, diz ele. "Que ela seja uma pessoa bonita por dentro e por fora, especialmente por dentro, pois, com o tempo, a beleza exterior desaparece. Então você deve ser mais profundo do que isso". 

Há um ano, realizou um de seus grandes sonhos: tornou-se cidadão americano. Agora ele tem, também, a nacionalidade do país pelo qual se apaixonou e que o acolheu ainda na adolescência.

Em 2016, após tornar-se cidadão americano
Em tempos de autopromoção, exibicionismo e narcisismo exacerbados, Fabio é um dos poucos que não exibe suas formas no Instagram: "Não me importo com isso porque tenho uma vida. Não quero que as pessoas saibam onde estou ou o que estou fazendo. Mas entendo que os modelos estão usando a mídias sociais para fazer negócios."

Nos anos 1990 (à esquerda) e atualmente

16 janeiro 2017

24 anos de um festim de gala na TV brasileira


Durante minha adolescência, meu passatempo favorito era alugar filmes ou gravá-los da tevê. Eu era um espectador ávido, especialmente quando se tratava de filmes antigos. Por isso, para mim — e para muitos apreciadores dos clássicos de Hitchcock — a noite de 16 de janeiro de 1993 foi especial. Eu tinha 13 anos e fiquei ansiosíssimo quando a Globo anunciou a exibição do filme Festim Diabólico (Rope, 1948) para aquela data. Pela primeira vez, o filme seria exibido na tevê. Melhor ainda: sem intervalos comerciais. Juntei, entusiasmado, recortes dos jornais anunciando o filme. Dia 15 de janeiro, sexta-feira (véspera da exibição), a revista Programa, do Jornal do Brasil, dizia o seguinte:

Sábado é dia de teatro filmado. Dos bons, bem entendido. Em Festim Diabólico (1948), Alfred Hitchcock faz experiências com as marcações teatrais e o tempo real. O mestre dividiu a peça de Patrick Hamilton — inspirada em caso real — em oito tomadas de 10 minutos cada, filmadas ininterruptamente, sem cortes. O elenco, James Stewart e Farley Granger à frente, cortou um dobrado para não tropeçar nos diálogos e movimentos, milimetricamente estudados. É a maior curiosidade dessa história de crime perfeito, até certo ponto bem-humorada, que marcou a entrada de Hitchcock na fase do filme colorido.

Festim Diabólico é um marco do cinema por vários motivos. Foi o primeiro filme colorido de Hitchcock e o primeiro dos quatro que fez com o ator James Stewart. O longa foi todo realizado em tomadas de 10 minutos e editado de tal forma que se tem a impressão de que não houve cortes durante as filmagens. Foi rodado em um curtíssimo espaço de tempo (entre 12 de janeiro e 21 de fevereiro de 1948). A história foi livremente inspirada em uma peça de 1929, de Patrick Hamilton, que por sua vez havia se inspirado em um caso real de assassinato, cometido por Nathan Leopold e Richard Loeb, estudantes da Universidade de Chicago.



É um dos meus filmes favoritos de Alfred Hitchcock. A história, em vez de grandes reviravoltas mirabolantes, é carregada de suspense. O ritmo lento e teatral não atrapalha a tensão.  Já sabemos desde o começo quem cometeu o crime. A pergunta é: os assassinos serão descobertos? Tudo se passa em uma elegante cobertura, em Nova York. Frios e arrogantes, Brandon (John Dall) e Phillip (Farley Granger) resolvem provar para si mesmos que são capazes que cometer o crime perfeito e ainda rir intimamente disso. Assassinam o colega de faculdade David (Dick Hogan), apenas por considerarem-se "intelectualmente superiores" em relação a ele. Estrangulam, com uma corda, o inocente rapaz. (Daí o título original, rope, que significa corda em inglês). Escondem o cadáver em um grande baú, que servirá como mesa no meio da sala de estar do apartamento deles. Ali, sobre o baú com o corpo do colega morto, será servido um jantar, durante uma festa íntima a ser realizada logo em seguida.

David (Dick Hogan), a vítima

Os assassinos Phillip (Farley Granger) e Brandon (John Dall)

A governanta Mrs. Wilson (Edith Evanson) entre os assassinos
Os convidados são a família da vítima, sua noiva e seus amigos em comum. Entre eles, seu  ex-professor, Rupert Cadwell (James Stewart). Talvez seus ex-alunos Brandon e Phillip tenham levado a sério demais suas teorias acadêmicas a respeito de como o assassinato eleva o homem acima da moral, tornando-o superior. Brandon é, na verdade, o mentor do assassinato e está sempre acompanhado por seu fiel escudeiro, o submisso e inseguro Phillip. Os dois jovens e presunçosos assassinos celebram, assim, seu diabólico feito, cercados por pessoas absolutamente alheias ao atroz crime. Tudo regado a champagne, patês e canapés. Mais mórbido, impossível. Mas tudo feito com extrema habilidade, perfeccionismo e a indefectível elegância característica de Hitchcock.

Os assassinos confraternizam com os convidados do "festim diabólico"

O ex-professor dos assassinos, Rupert Cadell, entre os dois

Mesmo assim, o filme foi proibido em várias cidades americanas, por causa da homossexualidade implícita dos personagens Phillip e Brandon. Uma ousadia para a época, por mais sutis que fossem as conotações homossexuais dos dois assassinos. (Só fui captar essas quase imperceptíveis nuances muitos anos depois. Quando vi o filme pela primeira vez, aos 13 anos, não notei nada "fora do comum"). O caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo de sábado, 16 de janeiro de 1993, trouxe uma matéria de destaque do crítico Inácio Araújo, sobre a exibição do filme. Abaixo, um pequeno trecho: 

O espectador que ligar a TV hoje à noite e topar com "Festim Diabólico" não se espante: é uma das experiências mais radicais do cinema — um filme inteiro sem cortes —, e a Rede Globo promete apresentá-lo como se deve, isto é, sem intervalos. Para entender a dimensão da experiência — que a emissora anuncia como inédita em TV —, é preciso situá-la no tempo. Com o surgimento do neo-realismo, a montagem estava em baixa. Os planos longos, em que os movimentos da câmera substituem os cortes, eram o desafio. Hitchcock — então seu próprio produtor — resolveu levar essa ideia às últimas consequências: concebeu um filme para cenário único e só deu ordem de interromper a ação nos momentos indispensáveis, para troca de rolo (a cada dez minutos, em média).
(...) Recebido com certa frieza, acusado de teatralidade, "Rope" pagou o preço de sua audácia. Revisto hoje, o tanto de artifício contido em seu princípio cede às virtudes hitchcockianas: as marcações de câmera e atores aguentaram o tranco das longas ações sem perder o fôlego. Com isso, evita-se a monotonia a que tal experiência poderia condenar o projeto, caso em outras mãos.

Na noite daquele sábado, eu aguardava ansioso pela hora do filme. Assisti à novela das 8 (De Corpo e Alma), que na época começava às 8 e meia da noite, e depois comecei a ver o Supercine (Criança Amada - Uma História Real). Mas já estava caindo de sono. Sempre fui de dormir cedo. O jeito era programar o videocassete para gravar o filme, que estava marcado para às 23h20, na Sessão de Gala. Preparei minha Basf T-120 e a introduzi no videocassete. Coloquei na velocidade SLP (que rendia 6 horas de gravação), para garantir que a fita não acabaria no meio do filme. Atrasos na grade de programação já eram comuns. 

No dia seguinte, acordei cedo para conferir se a gravação tinha saído direitinho e me tranquilizei ao constatar que ela começara mais de meia hora antes do filme (tive que adiantar um bom pedaço do lacrimejante Criança Amada). Meu pânico era sempre que a gravação começasse depois do filme já iniciado ou terminasse antes do seu final. De fato, a exibição de Festim Diabólico fora um evento na televisão aberta. Tanto que a Globo colocou o diretor Carlos Manga para apresentar o Supercine, falar um pouco sobre o filme e explicar como havia sido possível realizá-lo sem cortes aparentes. Um luxo. Depois da apresentação de Manga, o filme. Versão brasileira BKS (uma das dublagens que eu mais curtia).


Lembro-me de ter assistido ao filme várias vezes nos anos seguintes, até que a preciosa fita, devido ao uso intenso, envelheceu. Um belo dia, mais de dez anos depois, já muito desgastada, arrebentou-se. Mas então o filme não era mais raro como no começo da década de 1990. Depois cheguei a comprar o VHS original do filme e (bem mais tarde) o DVD. 

Festim Diabólico é um dos cinco títulos de Alfred Hitchcock que ficaram conhecidos como "os cinco filmes perdidos de Hitchcock". O longa esteve inacessível ao público durante muitos anos. Ainda na década de 1960, o diretor havia comprado de volta os direitos de cinco de seus filmes, lançados entre 1948 e 1958, a fim de deixá-los como legado para sua filha, Patricia Hitchcock, depois que ele morresse. Assim que conseguiu esses direitos, Hitch tirou todos esses filmes de circulação, motivo pelo qual não podiam ser vistos no cinema, na TV ou em parte alguma.

Edição brasileira da fita de VHS de Festim Diabólico
Após a morte do pai, em 1980, Patricia ficou em negociação por três anos até conseguir relançar os cinco filmes no cinema, em 1984. Em seguida, aproveitando o auge da era das fitas de vídeo, foram também lançados em VHS. Os outro quatro títulos são: Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), O Homem Que Sabia Demais (The Man Who Knew Too Much, 1956), Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958) e O Terceiro Tiro (The Trouble with Harry, 1955).

Revista Programa (Jornal do Brasil) de 15 de janeiro de 1993

09 janeiro 2017

Velhas obscuridades de uma jovem estrela


Jodie Foster dispensa apresentações detalhadas. Seu talento é conhecido nos quatro cantos do mundo. Consagrada atriz, diretora e produtora de cinema, premiada com o Oscar duas vezes, sem falar nos Globos de Ouro e outros tantos troféus e inúmeras  indicações. 

Jodie em Napoleão e Samantha (1972)

Jodie começou sua carreira profissional como modelo infantil, quando tinha apenas três anos, no comercial de TV do protetor solar Coppertone. A estreia como atriz mirim foi em 1968, no seriado Mayberry R.F.D, do canal CBS. No final dos anos 1960 e início dos 1970, participou de várias séries de televisão e fez sua estreia no cinema com Napoleão e Samantha (Napoleon and Samantha, 1972), da Disney.

Formada em Literatura pela Universidade de Yale — uma das instituições de ensino superior mais conceituadas e antigas dos Estados Unidos — Jodie (cujo nome real é Alicia Christian Foster) começou sua vida artística estrelando comerciais de televisão para a Coppertone, aos três anos de idade. Ao longo da infância, fez diversos papéis em séries de tevê e filmes infantis.


Mas o grande reconhecimento veio aos 13 anos, na pele de uma prostituta adolescente no filme Taxi Driver - Motorista de Táxi (1976), de Martin Scorsese, no qual contracenou com Robert De Niro. A jovem atriz alcançou fama mundial com o sucesso do filme e, de quebra, sua primeira indicação ao Oscar (como Melhor Atriz Coadjuvante). Talvez por isso, vários papéis subsequentes tentaram explorar seu lado sensual.

A prostituta adolescente de Taxi Driver

O que nem todos sabem é que a partir daquele período, Jodie participou de uma série de modestas e pouco conhecidas produções europeias, intercaladas com bem-sucedidos filmes para os estúdios Disney. A jovem não tinha frescura, embarcava em tudo. Ao longo de 1976 e 1977, ela estrelou nada menos do que oito (!) filmes. Começou com o drama Ecos de Um Verão (Echoes of a Summer, 1976), seguido pelo cultuado Taxi Driver (1976), pelo musical Quando as Metralhadoras Cospem (Bugsy Malone, 1976), pela divertida comédia juvenil da Disney Se Eu Fosse a Minha Mãe / Um Dia Muito Louco (Freaky Friday, 1976) e pelo drama de suspense A Menina do Outro Lado da Rua (The Little Girl Who Lives Down the Lane, 1976). No ano seguinte, emendou as chanchadas Quero Ser Mulher (Moi, Fleur Bleue / Stop Calling Me Baby!, 1977) e Casotto / Beach House (1977) e o filme da Disney Candleshoe - O Segredo da Mansão (Candleshoe, 1977).

Quatro personagens completamente diferentes em quatro filmes de 1976

A Menina do Outro Lado da Rua e Quando as Metralhadoras Cospem

A chanchada italiana Casotto (1977)
É admirável notar como Jodie, ainda adolescente, fazia trabalhos tão distintos quase ao mesmo tempo. Passava do drama pesado à comédia musical, das modestas chanchadas européias à aventura dos estúdios Disney, sem cerimônia. Bebia de todas as fontes. Enquanto alguns desses filmes tornaram-se bem conhecidos, outros permanecem obscuros. Quero Ser Mulher é um deles. Nessa comédia francesa (que pouco tem de engraçada), Foster é uma ninfeta de 15 anos que quer perder a virgindade e sai em busca de um homem "de verdade" para realizar seu desejo. Sua irmã mais velha é uma espevitada e sexy modelo, que começa um caso com um atrapalhado motorista de caminhão obcecado por ela.  Jodie, que na época já era uma jovem estrela em ascenção, estava morando na França (onde passou nove meses aprimorando o francês).


Cartaz original de Quero Ser Mulher

Cena de Quero Ser Mulher

Situações ora ingênuas, ora embaraçosas e diálogos não muito inspirados recheiam esse filme que, certamente, não deve estar entre os orgulhos de Jodie. Filmado em francês e inglês, o longa teve várias canções de sua trilha sonora gravadas pela própria atriz, como Je T'Attends Depuis La Nuit Des Temps, La Vie C'est Chouette e When I Looked at Your Face, esta última a versão em inglês da primeira e muito tocada no filme. Chegou a ser lançada em compacto na Europa e até fez sucesso por lá. Aqui no Brasil a faixa foi parar na trilha sonora internacional da novela Te Contei? (1978), como tema dos personagens Helena (Ilka Soares) e Wagner (Reynaldo Gonzaga), da trama de Cassiano Gabus Mendes. Na época, Jodie chegou a se apresentar em vários programas musicais da TV francesa.

Abaixo, diferentes versões, lançadas na Europa, do compacto When I Looked At Your Face:





Contracapa do LP Te Contei? internacional e a faixa de Jodie (penúltima do lado A)
(Clique para ampliar)
(Clique para ampliar)
Jodie cantando seu hit na TV francesa
Apresentando-se com o cantor Claude François (à esquerda) na TV francesa

Com tantos filmes em tão pouco tempo, no final de 1977, após a estreia de Candlehoe - O Segredo da Mansão, Foster deu um tempo. Reapareceu em 1980 (ano em que completou 18 anos), estrelando o filme Gatinhas (Foxes), longa de estreia do diretor Adrian Lyne (de Flashdance, 9 1/2 Semanas de Amor, Atração Fatal, Proposta Indecente etc.). A performance de Jodie ganhou elogios nesse filme cujo foco é a vida de um grupo de adolescentes de San Fernando Valley, nos arredores de Los Angeles, no final da década de 1970. 



Com as colegas de cena em Gatinhas (Foxes)

Também em 1980 Foster participou de O Circo da Morte (Carny), no papel de uma jovem garçonete que foge de casa com uma trupe de artistas mambembes desiludidos. O título em português não ajuda muito, pois dá a ideia de se tratar de um filme de terror quando, na verdade, trata-se de um drama. Assim como Gatinhas, O Circo da Morte também é pouco conhecido na filmografia de Jodie Foster, mas um interessante registro da passagem da atriz dos papéis adolescentes para outros mais adultos, que viriam ao longo daquela década.


Ao contrário de atrizes mirins que tiveram grande popularidade e sucesso na infância, mas não conseguiram manter suas carreiras após a transição para a vida adulta (Shirley Temple, Tatum O'Neal e Kristy McNichol são alguns exemplos), Jodie cresceu e foi aumentando seu êxito no cinema. Jamais se deslumbrou com o sucesso e sempre prezou a cultura e a educação formal, em vez de só correr atrás de fama. Como atriz adulta, o primeiro grande momento veio em 1988, ao ganhar o Oscar de Melhor Atriz pelo filme Acusados (The Accused), de Jonathan Kaplan. Em 1991, conquistou seu segundo Oscar com O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs), de Jonathan Demme.

Oscar 1989

Hoje, quando assistimos aos trabalhos da fase adolescente de Jodie, é até difícil imaginar que filmes tão despretensiosos pudessem revelar uma artista tão talentosa e competente. Gosto particularmente de Se Eu Fosse a Minha Mãe, Quando As Metralhadoras Cospem e A Menina do Outro Lado da Rua. Todos do mesmo ano e completamente diferentes um do outro. Mas todos com uma coisa em comum: a inquestionável versatilidade de Jodie Foster.

O divertido Se Eu Fosse a Minha Mãe (Freaky Friday, 1976)